Pietro Castellane:
Ela está pálida, o rosto marcado por uma expressão que mistura cansaço, nervosismo e algo mais... culpa? Por um instante, fico paralisado pela surpresa de vê-la ali, mas a preocupação com Marina e o bebê rapidamente me tira do transe.
— Minha esposa... — meus olhos caem para suas mãos cheias de sangue.
Ela respira fundo, os lábios se comprimindo como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. O silêncio dela é ensurdecedor.
— Seu filho... — ela começa, a voz baixa e hesitante. — Ele nasceu. Está na UTI neonatal agora. Mas...
Meu mundo gira. A palavra "mas" ecoa na minha mente como uma sentença. Minha garganta aperta, e preciso reunir todas as forças para perguntar:
— E Marina? Ela está bem?
Fernanda desvia o olhar, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. Meu coração para. Cada músculo do meu corpo fica tenso, esperando pelo golpe.
— Eu sinto muito, Pietro. Fizemos tudo o que pudemos... — ela diz, e sua voz falha no final.
As palavras me atingem como uma lâmina. Meu peito arde, como se todo o ar tivesse sido arrancado dos meus pulmões. Não consigo acreditar. Não quero acreditar.
— Não... — murmuro, minha voz quebrada. — Não, ela não pode... não pode ter partido. Eu deveria estar lá! — A dor explode em mim, e dou um passo para trás, como se precisasse de espaço para respirar.
Fernanda dá um passo à frente, hesitando antes de colocar uma mão no meu ombro.
— Sinto muito, Pietro. Marina lutou até o fim, mas... — ela para, incapaz de continuar.
A raiva, o desespero e a impotência se misturam dentro de mim. Olho para Fernanda, e por um momento, tudo o que vejo é a confirmação daquilo que não queria ouvir.
— Pietro... — Sua voz é baixa, quase um sussurro, carregada de hesitação.
Levanto a cabeça lentamente, sentindo o peso esmagador da dor que transborda em lágrimas quentes e incessantes. Meu olhar encontra o dela, cheio de raiva e desespero.
— Por que você? — Minha voz sai áspera, quase acusatória, cortando o silêncio entre nós. — Por que mandaram você me dar essa notícia?
Vejo-a engolir em seco, seus olhos vacilando antes de desviar o olhar. Há um brilho de culpa neles, mas isso só alimenta o fogo que queima dentro de mim.
Isso não é justo. Mas, droga, nada mais importa agora.
Ela ficou três anos sem sequer responder uma mensagem minha! E agora está aqui, neste momento... Não consigo entender.
Fernanda fecha as mãos em punhos, como se lutasse contra algo dentro de si. Minhas próprias mãos tremem, fechadas, enquanto luto contra o impulso de segurá-la pelos ombros, forçando uma explicação que não consigo encontrar.
— A médica... ela não tinha condições de vir... — Fernanda começa, a voz trêmula, quase inaudível. — Eu... eu não sabia que era sua esposa, Pietro. Eu só... — Ela hesita, sua voz falhando no meio da frase, o peso do momento transbordando.
Antes que eu possa responder a Fernanda, um som abrupto corta o ar: passos firmes. Viro o rosto e vejo Adélia -tia da minha esposa- entrando apressada pelo corredor. Seu sembalnete está séro, as mãos cerradas em punhos.
Ela passa por mim como se não estivesse me vendo.
— Onde está meu sobrinho? Quero vê-lo agora! — Ela exige, sua voz áspera e alta, preenchendo o espaço vazio.
Fernanda se vira para ela, tentando manter a calma diante da tempestade que Adélia traz consigo.
— Infelizmente, não pode vê-lo ainda... — Fernanda é interrompida abruptamente.
— Quem você pensa que é para dizer que eu não posso vê-lo? — Adélia avança, o olhar cheio de indignação.
— Senhora, por favor, entenda que isso é pelo bem dele — Fernanda tenta explicar, mantendo a voz calma, mas firme. — O bebê nasceu muito frágil, ele precisa de cuidados intensivos agora. A equipe já está...
Antes que eu possa reagir, a mão de Adélia mão voa em direção ao rosto de Fernanda, o som do tapa ecoando pelo corredor e algo dentro de mim quebra.
Fernanda leva a mão o rosto, seus olhos arregalados. Meu corpo se move antes que minha mente possa registrar. Dou um passo à frente, mas Fernanda, apesar da surpresa, mantém a postura firme. Ela se coloca entre Adélia e a porta da sala de parto, protegendo a entrada como uma barreira inquebrável.
— A senhora não pode entrar — Fernanda declara, sua voz firme, apesar da marca vermelha que começa a aparecer em sua bochecha.
— Não me diga o que fazer! Esse bebê é meu sobrinho, e eu exijo vê-lo! — Adélia grita, avançando novamente, contudo, Fernanda não se move, não a deixando passar.
Vejo sua mão subir mais uma vez, pronta para outro golpe, mas minha paciência se esgota de vez com essa velha. Seguro seu pulso no ar, minha força controlada apenas o suficiente para impedi-la.
— Basta, Adélia! — digo, meu tom duro e sem espaço para discussão. — Você não vai encostar nela de novo.
Ela me encara, os olhos arregalados de choque, mas não solto o braço dela. Antes que qualquer um de nós possa dizer mais alguma coisa, a porta da sala se abre novamente.
A obstetra aparece, sua postura exausta e o olhar quebrado tão visivelmente quanto o meu. Ela não precisa dizer nada para que todos no corredor sintam o peso do momento.
— Pode ir, enfermeira. Eu assumo daqui — diz ela, sua voz carregada de cansaço e dor. Seus olhos passam brevemente por mim, e vejo o esforço que ela faz para manter a compostura.
Fernanda dá um passo para trás, seus olhos encontrando os meus por um breve momento antes de desviar. Por um instante, parece que ela quer dizer algo, mas a presença da médica é sua permissão para sair. Ela se vira rapidamente e desaparece pelo corredor, deixando apenas o silêncio pesado entre nós.
Adélia puxa o braço com força da minha mão e vira o rosto em indignação, mas não diz mais nada.
— Vamos conversar.
Pietro CastellaneObservo a noite lentamente se render ao dia através da grande janela da minha sala no Vivaz. O céu, antes carregado de escuridão, ganha nuances de rosa, anunciando o nascer do sol. A luz tímida atravessa o vidro, mas não aquece. Não consigo sentir nada.Deslizo o jaleco pelos ombros, ajustando-o com gestos automáticos. Meus movimentos são precisos, mas vazios.Desço os corredores do hospital como se estivesse no piloto automático, cumprimentando rostos que não registro.Não sinto sono.Não sinto fome.Não sinto sede.Só existe uma coisa na minha mente, um único propósito que ainda me faz colocar um pé à frente do outro.Eu só quero ver o meu filho.O silêncio da ala neonatal é sufocante, quebrado apenas pelo som constante dos monitores. Meu olhar está fixo no pequeno corpo do meu filho dentro da incubadora, tão pequeno que parece que vai desaparecer a qualquer momento.As luzes frias da sala acentuam sua pele translúcida, cada batida do coração dele registrada no mon
Pietro Castellane:Adélia.Ela entra como um furacão, trazendo consigo uma presença que preenche a sala de maneira sufocante. Seus saltos ressoam no chão frio, e seu olhar varre o ambiente, passando por Fernanda como se ela não existisse, antes de fixar-se em mim.— Pietro, finalmente te encontrei — sua voz é firme, seria, imediatamente fico em alerta.Respiro fundo, tentando conter o incômodo que cresce no peito.— Adélia, agora não é um bom momento — meu tom é controlado, mas sei que ela não vai aceitar um “não” tão facilmente.Ela ergue uma sobrancelha, desdenhosa, então avança, ignorando minhas palavras.— Não é um bom momento? — O sarcasmo em sua voz me faz cerrar os punhos. — Meu herdeiro está nessa incubadora, e você acha que não é um bom momento para discutirmos o futuro dele? Acha que pode me impedir de vê-lo?Sinto o sangue ferver, mas mantenho a calma.— Adélia — meu tom soa baixo, como um aviso. — Não tem nem vinte e quatro horas que perdi a minha esposa, respeite o meu lu
Fernanda Mendonça:— Sério? Não acredito que deixaram uma gorda buscar equipamentos tão importantes!A voz cheia de deboche ecoa pelo corredor, cortando o ar como uma lâmina, minha mão trava na maçaneta da sala de descanso.— Ainda bem que a doutora também te levou, Ka. Imagina se você não estivesse lá! Poderiam ter perdido a vida do bebê! — Outra voz se junta, carregada de veneno, o tom leve só tornando as palavras mais cruéis.— Eu ouvi dizer que ela não saiu da sala após a saída da doutora. Será que cometeu mais algum erro e por causa disso a paciente morreu? — Uma terceira voz se une ao coro, cada palavra me atingindo como um soco.— Não duvido. Ela mais atrapalha do que ajuda.— Sim, a tia da paciente deu um tapão na cara dela, só não bateu mais porque o Doutor Castellane impediu.— Bem pouco, ela não tinha que dar notícia nenhuma a família.As palavras pairam no ar, pesadas e implacáveis. Cada uma delas parece atravessar minha pele e se alojar fundo, alimentando uma dor que já c
Fernanda Mendonça:A tensão no ar é palpável, e muito estranha. Pietro, com seu olhar sério e uma presença que domina qualquer espaço, mantém-se firme como uma rocha. Tiago, sempre descontraído, agora está ereto como uma linha, como se estivesse disputando território com Pietro, mesmo sendo visivelmente menor.Franzo o cenho, o que está acontecendo?— Doutor Castellane — Tiago quebra o silêncio, sua voz carregada de uma formalidade quase cortante. — Meus pêsames por sua esposa. É uma honra finalmente está na presença do homem melhor cardiogista desse hospital, e agora é o CEO. No entanto, a minha colega Mendonça, está ocupada. Se precisa de uma auxilio de um enfermeiro, estou à disposição.Minha garganta aperta, não consigo entender por que Tiago está agindo dessa forma. Tiago não tira os olhos de Pietro, e Pietro retribui o olhar, estreitando os olhos, como se estivesse lendo além do que foi dito.— Obrigado pela oferta — Pietro desvia o olhar para o crachá de Tiago. — Estagiário L
Pietro CastellaniAs palavras impressas nos papeis em minhas mãos são como facadas no meu peito.“Entrega da guarda legal de Gabriel da Silva Castellane...”Meu sangue ferve.O som do papel rasgando ecoa pela minha sala como um grito sufocado. A cada objeto destruído, rasgado, estilhaçado, minha respiração fica mais pesada, meu peito sobe e desce de forma irregular enquanto tento finalmente me acalmar do ódio que dessa vez eu não consegui conter.Minha visão fica turva pela raiva enquanto rasgo a última página e a jogo ao chão já cobertos por cacos de vidro da mesinha de centro e moveis revirados, computador quebrado.Meus olhos percorrem o caos que minha sala se transformou. Nas manchas de sangue deixadas na parede dos socos que dei. Sinto os nos dos meus dedos finalmente reclamarem com a dor dos ferimentos. Mas nada disso alivia a fúria crescendo dentro de mim.Maldita Adélia! Maldito Diogo! A porta se abre bruscamente.Levanto a cabeça, os ombros rígidos.Fernando entra sem nenhum
Fernanda Mendonça:Por que você não liga?A pergunta ecoa na minha mente como um mantra. Aperto o celular com mais força, meus dedos hesitando sobre a tela.Três semanas desde a última vez que o vi e falei com ele. E continuo aqui, sem saber o que fazer.— Fê? … Fernanda? — Uma voz me chama, e sinto meu ombro ser cutucado. Pisco algumas vezes até minha visão focar e encaro os olhos castanhos de Tiago, que me olha com as sobrancelhas franzidas. — Você está bem?— O-oi — minha voz sai hesitante enquanto coço a garganta. — Sim, estou bem.Tiago inclina a cabeça, seus cabelos lisos balançando com o movimento, seus olhos me estudam.— Você está distraída a manhã inteira, e não é de hoje que está assim. Não está focando nas aulas, fica o tempo todo olhando o celular. Tem certeza que está bem?— Tenho sim — esboço um sorriso amarelo, tentando parecer mais confiante do que me sinto. — O estágio está sendo mais desafiador do que eu imaginei — murmuro deixando a mentira se misturar com uma pita
Fernanda Mendonça:Respiro fundo e ajusto as luvas nas mãos, tentando ignorar o suor que faz meu uniforme grudar na pele. Preciso me concentrar. Sei que este setor exige precisão, e qualquer erro pode ser fatal.— Mendonça, você está no suporte hoje. Monitore os sinais vitais e auxilie nos procedimentos conforme necessário — a voz firme da doutora Débora ecoa no espaço enquanto ela examina um dos recém-nascidos, seu tom carregado de autoridade.Aceno com a cabeça, engolindo em seco. Vou até a incubadora que me foi designada e olho de perto para o bebê tão minúsculo que mal parece real, pois parece caber na palma da minha mão. A pele rosada e quase translúcida brilha sob as luzes brancas, e cada movimento seu é um esforço monumental. O peitoral sobe e desce em um padrão irregular, como se cada respiração fosse uma batalha.Como eu gostaria que nenhum bebê tivesse que passar por isso.Meus olhos correm até a plaquinha de identificação. Meu estômago despenca no mesmo instante.Gabriel Ca
Pietro CastellaneA colher de metal bate contra o prato de porcelana pela terceira vez. O som me irrita mais do que deveria. O cheiro do café e comida preenche o refeitório, mas não consigo sentir fome.Desvio os olhos da xicara em minha mão, pousando na Dra. Isabela Mancini, uma das candidatas da maldita lista que Fernando e minha secretária ajudaram a elaborar e também uma das medicas mais procuradas do meu hospital, especializada em neurologia, brilhante em sua área e, aparentemente, convencida de que todos deveriam saber disso.— Porque, veja bem, Pietro, tudo bem eu lhe chamar assim, né? — Ela não espera por resposta. — Eu sou uma das poucas que conseguem equilibrar a vida profissional e pessoal de maneira impecável — ela diz, enquanto mexe no café com a colher, sem realmente beber.Apenas assinto, bebendo meu próprio café. Ela claramente não precisa de incentivo para continuar falando.— Eu sempre soube que nasci para ser excepcional. Desde a faculdade, eu era uma das melhores d