Capítulo 4: Por que Agora?

Pietro Castellane

Observo a noite lentamente se render ao dia através da grande janela da minha sala no Vivaz. O céu, antes carregado de escuridão, ganha nuances de rosa, anunciando o nascer do sol. A luz tímida atravessa o vidro, mas não aquece. Não consigo sentir nada.

Deslizo o jaleco pelos ombros, ajustando-o com gestos automáticos. Meus movimentos são precisos, mas vazios.

Desço os corredores do hospital como se estivesse no piloto automático, cumprimentando rostos que não registro.

Não sinto sono.

Não sinto fome.

Não sinto sede.

Só existe uma coisa na minha mente, um único propósito que ainda me faz colocar um pé à frente do outro.

Eu só quero ver o meu filho.

O silêncio da ala neonatal é sufocante, quebrado apenas pelo som constante dos monitores. Meu olhar está fixo no pequeno corpo do meu filho dentro da incubadora, tão pequeno que parece que vai desaparecer a qualquer momento.

As luzes frias da sala acentuam sua pele translúcida, cada batida do coração dele registrada no monitor como um lembrete de que ele está aqui… mas por quanto tempo?

Minha mão toca o vidro da incubadora. Eu deveria estar aliviado por ele ter sobrevivido, mas tudo o que sinto é um peso esmagador no peito. Marina deveria estar aqui. Isso deveria ser um momento de alegria, mas só consigo pensar na última vez que segurei a mão dela, prometendo que cuidaríamos disso juntos.

Apesar de ser o CEO e médico cardiologista, não posso cuidar da doença do meu filho. Ele está nas mãos da Dra. Débora.

Uma enfermeira entra na sala, ajustando os cabos e verificando os níveis do oxigênio. Ela não diz nada, apenas me lança um olhar compreensivo antes de sair, deixando-me sozinho com meus pensamentos.

Meu celular vibra no bolso. Hesito antes de pegar o aparelho. A mensagem é de Fernando.

Fernando: "Como você está? Precisa de alguma coisa?"

Fecho os olhos, tentando conter as lágrimas que ameaçam cair. Como eu deveria responder?

Que estou completamente perdido?

Que não faço ideia de como ser pai sozinho?

Digito uma resposta rápida, algo vago e sem compromisso, antes de guardar o celular novamente.

O som da porta se abrindo me faz virar. Meu coração para por um instante quando vejo Fernanda. Ela está parada ali, parecendo tão nervosa quanto eu me sinto. Seus olhos encontram os meus, e algo no olhar dela me faz lembrar dos dias em que ela era apenas a " minha Naninha", a irmã caçula do meu melhor amigo, a garotinha doce e delicada.

— Pietro... — a voz dela é um sussurro hesitante, quase engolido pelo som constante dos monitores. Ela dá um passo à frente, mas para de repente, como se estivesse dividida entre avançar ou recuar, como se a própria presença dela aqui fosse uma intrusão.

Meus ombros enrijecem automaticamente.

— O que você está fazendo aqui? — minha voz sai mais dura do que eu queria, carregada pelo cansaço que parece estar grudado à minha pele. Não consigo evitar. Estou exausto, e a última coisa que preciso agora é mais perguntas sem respostas.

Ela engole em seco, e o movimento de sua garganta me chama a atenção por um segundo. Sua insegurança é evidente. Seus olhos desviam para a incubadora onde Gabriel está, e sua expressão muda. Suaviza.

— Eu... soube que você estava aqui e... queria saber como você está — ela diz, os dedos entrelaçados, apertando-se em um gesto que conheço bem. Sempre fazia isso quando estava desconfortável, quando não sabia o que dizer. — Sei que a situação é... difícil, e eu...

— Difícil? — A interrompo, minha voz gotejando sarcasmo. A palavra me soa ridícula. — Minha esposa morreu ontem, Fernanda. Meu filho está em uma incubadora lutando para sobreviver com uma doença cardíaca que pode piorar a qualquer momento. Nada disso é apenas difícil.

Ela recua levemente, mas seus olhos permanecem fixos em mim. Não baixa a cabeça, não foge. Isso me irrita tanto quanto me surpreende. Há três anos, ela teria saído correndo ao primeiro tom mais duro.

— Eu sei que nada do que eu disser vai mudar o que você está sentindo, Pietro — a voz dela é baixa, quase frágil, mas há algo sólido ali, uma sinceridade que me deixa inquieto. — Mas você não precisa enfrentar isso sozinho. Estou aqui... se você precisar.

As palavras dela são um soco direto na parte de mim que ainda dói por sua ausência.

— Por que agora, Fernanda? — Minha voz falha, carregada pela dor e pela mágoa que eu nem sabia que estava guardando até vê-la naquele dia... até vê-la sair daquela sala, com o sangue de Marina nas mãos. — Três anos. Três malditos anos sem uma mensagem, sem uma palavra. Você desapareceu, e agora aparece como se nada tivesse acontecido?

Ela abaixa a cabeça, mordendo o lábio. Seus ombros tremem levemente, fecho as mãos em punhos e desvio o olhar.

Eu ainda odeio vê-la chorando.

— Eu... eu sei que errei. Sei que deveria ter estado aqui para você antes, Pietro, e nada do que eu diga ou faça vai mudar o que aconteceu. — A voz dela treme, quebrada pelo choro. — Sei que não tenho o direito de me aproximar de você agora, fingindo que esses três anos não existiram, mas...

— Mas o quê? — A encaro. — Não quero suas desculpas, continue me ignorando, fingindo que eu não existo.

— Eu nunca fingir... eu...

Antes que ela consiga terminar a frase, a porta se abre, e o som interrompe o momento como um estalo seco no ar.

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