Oito anos atrás....
- Tá legal. Como se usa isso? - Peguei a caixa comprida na mão e virei de um lado ao outro.- É para você? - Quase pulei pra trás quando a senhora que estava de trás do balcão me olhou por cima dos óculos e se aproximou.- Na -Não. Claro que não, é para minha mãe, acho que vou deixar de ser filha única. - Dei uma piscadinha.- Sei. - Ela me encarou. - É só a sua mãe fazer xixi em cima, se der uma faixa vai ser negativo, se for duas positivo.- Vou explicar para ela. - Puxei a sacola da mão da mal humorada e sai.Nunca havia reparado como a minha casa ficava longe do centro da pequena cidade. Minha casa era só uma forma de dizer, na verdade eu morava em um cômodo no fundo de uma empresa com meu pai.Minha querida mãe não aceitava a situação, dizendo não aguentar perder tudo e ser colocada na rua. Então um belo dia foi ao centro da cidade e nunca mais voltou. Me lembro de esperar ela voltar quase um ano. Era difícil para uma menina de quatro anos ser deixada aos cuidados do pai, mesmo que ele fosse um bom pai .Só não ficamos na rua porque Seu Orlando patrão do meu pai flagrou a gente dormindo num dia de frio na guarita, na hora não me acordou, só jogou o casaco em mim e depois que acordamos chamou meu pai. Não sei até hoje sobre o que falaram, só que daquele dia em diante eu teria um teto para dormir.Morava em um espaço pequeno dividido por um banheiro, até que estava feliz se não fosse a conversa que eu ouvi outro dia. A empresa foi vendida e Seu Orlando ia se mudar para a Inglaterra.Agarrei o pacote e passei pelo Amadeu, colega do meu pai. Negro alto e simpático sempre com palavras engraçadas. Menos hoje.- Pai? - Escondi o pacote na bolsa. - Pai? - Passei pela porta e continuei.- Surpresa! - Dei um pulo para trás quando meu pai pulou em mim com uma sacola enorme na mão. - Pega, é pra você.Ele estendeu a sacola para mim. Não me lembrava o motivo até ver a cor do vestido. O baile da escola. Claro que me esqueci, afinal não tinha dinheiro pra nada mesmo. Não sabia como meu pai tinha ficado sabendo.- Não precisava, eu nem ia mesmo. - Segurei firme as lágrimas.- Nem pense em chorar. Eu recebi uma ligação hoje, você não tinha confirmado sua presença na festa, não é justo parar a sua vida por minha causa. - Senti as mãos do meu pai no meu rosto.- Obrigada pai. - Fingi um meio sorriso.- Seu, namorado vai com você.. - Ele ficou tenso. - Sabe o que eu penso sobre ele, não pense que eu chamei ele porque mudei de opinião. É só que hoje é um dia especial para você.Sabia muito bem, melhor ainda depois de uma briga feia que tiveram por algum motivo que nem eu sei. Desde esse dia meu namorado não entrava mais em casa. Continuei minha caminhada até o banheiro e só respirei quando fechei a porta e me olhei no espelho, minha bolsa ainda estava no meu ombro, meus olhos começavam a encher de lágrimas. Uma criança. Tudo que eu via no espelho era uma criança, não era alta, cabelos castanhos e olhos castanhos escuros, boca pequena e carnuda. Não tinha um corpo de mulher, quem com a minha idade teria tal corpo? Nem sei porque cai na ideia do Davi.- O importante é o amor. - Joguei água no rosto.*******- Onze horas esteja aqui moça. - Meu pai desligou o motor do carro velho e enferrujado. - Entra logo, esta começando a chover.- Tá bom pai. - Agarrei a barra do vestido e olhei para a escola toda iluminada.Não precisei correr muito. Abri a porta e dei de cara com o Davi de terno e cabelo penteado. Havia me esquecido de como ele era lindo, todas as curvas do rosto de ornavam e combinavam com o cabelo loiro cor de areia e olhos verdes. Ainda sentia vergonha dele, bastou um pequeno toque no meu ombro para minha pele se arrepiar.Meu pai não esperou mais e arrancou com o carro.- Você está tão linda . - Davi me virou. - Combinou de rosa, parece uma princesa.- Não é para tanto. - Abaixei os olhos. - A gente tem que conversar.- Pode ser depois ? A noite está tão linda, e você tão perfeita. Vamos curtir um pouco. - Ele me puxou rumo à entrada da escola.O cheiro de perfumes e suor me fez ter calafrios, pessoas falando alto, outras dançando, eu não queria estar aqui, nunca quis. Consegui me mover e fui atrás do Davi, mas nos perdemos na pista de dança, fui puxada por um garoto alto e forte, não me lembrava dele até o idiota tentar passar a mão no meu corpo.- Me solta! - Libertei uma mão e dei um tapa no rosto dele. - Idiota,- Sua vadia. - Na cara que ele estava bêbado. Acabei levando um empurrão e caí em cima de uma garota.Sentia tanta vergonha que corri até o banheiro, mas antes de entrar reconheci uma voz. Ele não estava só, muito menos com amigas, estava amassando uma garota num canto sujo. Voltei e com toda a força que ainda tinha puxei ele.- Marjorie? - Davi empurrou a menina. - Mas?- Não quero brigas Davi, na verdade estou mais que cansada de você. - Não conseguia falar alto, ainda bem que ele entendia, caso contrário eu não iria repetir. - Se você estava com ela é porque eu já não significo mais nada pra você.Me afastei aos poucos, enquanto ele tentava me puxar e dizer coisas como "foi sem querer ", ou , "me perdoa, eu ainda te amo." Não conseguia imaginar uma vida com ele, não sabia perdoar tão fácil, acho que uma coisa dessas ninguém esquece. Mas ele tinha que saber. Não me lembro onde eu vi às horas, só sabia que eram dez e meia, dali a meia hora meu pai estaria me esperando do lado de fora. Meia hora era muito tempo, mesmo com a chuva começando a cair mais forte não me importei em ir embora, tirei a sandália e pisei no chão frio.Ainda tinha gente chegando, foi difícil sair, foi quando atravessei a rua e corri o quanto conseguia, ou até ser puxada por mãos de alguém muito bravo.- Onde você vai nessa chuva ? - Davi tinha o cabelo molhado e cobrindo metade o rosto, estava com o rosto vermelho de raiva.- Me esquece Davi. - Tentei puxar meu braço de volta.- Não! Eu... olha, eu não sei muito bem o quê aconteceu, eu gosto de você, pisei feio na bola. Por favor Marjorie me desculpa. - Ele tentou ajoelhar.- Eu quero ir pra casa. - Me abracei. - Estou com frio, e muito cansada.- O que está acontecendo? Você sai toda brava, e agora não quer mais falar comigo. - Ele me forçou a olhá-lo nos olhos castanhos e se aproximou.- Eu... - Senti o hálito quente dele e desejei nunca perder essa sensação. - Eu....- Hum? - Ele colou nosso corpo.- Eu estou grávida...Tempos atuais- Seis horas da manhã. Seis horas da manhã.- Merda. - Soquei o despertador falante. - Já vou levantar cacete!As luzes do quarto acenderam e as cortinas se abriram sozinhas, tinha esquecido que foi eu quem programou tudo, só pra não chegar mais atrasada no escritório. Se minha cama tivesse a opção, teria me derrubado também.Muita gente ficava boquiaberta quando eu dizia onde consegui emprego, ainda mais exercendo minha profissão recém adquirida. Só não conto que sou obrigada a trabalhar até tarde nos processos e deixar tudo pronto para os mais velhos da empresa. Eu fazia todo o trabalho e eles levavam o crédito. Ou na pior das hipóteses ter que assistir julgamentos só pra anotar todas as artimanhas dos advogados mais caros, e isso me dava calafrios.Normalmente toda terça de manhã eu tomava café com o meu pai, depois ia trabalhar. Peguei o celular e digitei uma mensagem rápida;"9Desculpa pai, não vou poder estar aí hoje, o dia vai estar corrido... As seções começam m
Esse caso está suspenso por hoje. Amanhã terminaremos. Próximo caso. - Ele parecia entediado o tempo todo, menos quando me olhava, o que não demorou muito para Ben perceber.Desviei o olhar e saí do lugar, não anotei nada, se não fosse pelo Ben eu estaria na rua, não que eu não cumprisse com meu dever, só não tive, vamos dizer cabeça para escrever tudo o que aconteceu.Esse era um fato que eu achava muito errado na empresa, assistir e anotar tudo ou gravar, para ir para análise e descobrir o ponto fraco dos demais, ou adotar as táticas deles.No Brasil um advogado ter um escritório próprio é muito maneiro, mas em Londres trabalhar para uma empresa é mais ainda.Nunca peguei um caso grande, só divórcio, leitura de testamento e organizar documentos e provas importantes. Meu sonho de ser a advogada durona está longe de ser cumprido.- Hei, o que acha da gente sair hoje? - Ben arrancou com o carro.- Ainda tenho coisas para fazer. - Respondi. - Não Senhora. A gente pode trabalhar em casa
— QUE MERDA FOI AQUELA? – Ben bateu a porta tão forte que um quadro pequeno que ficava perto da porta caiu no chão.Sentei no sofá e me limitei a olhar para ele. Aprendi a esperar a pessoa se acalmar e ter uma conversa de gente grande. Benjamim não parava de andar, abria as mãos, fechava em punho de uma vez, socava o ar, ou alguma pobre parede.— Aquela vadia. Foi tudo culpa dela, se eu não tivesse....— Não foi culpa de ninguém. – Respondi.— Me dá um bom motivo pra eu não ligar agora mesmo pro seu pai. – Ele pegou o telefone e esperou a minha resposta.O pior de tudo era saber que ele ligava mesmo, e se eu não desse esse bom motivo, meu pai não seria tão legal assim, e Deus me livre se meu pai entrar na conversa.— Eu estava te observando, você me disse que não iria demorar. O homem chegou, e começamos a conversar. Benjamim entenda que eu estou solteira desde que acabei a faculdade. E você estava lá todo lindo, conversando com ela. Fui levada pelo momento. Só que depois de algum
Benjamim me encontrou na metade do corredor, saímos o mais rápido possível e entramos no carro, do outro lado homens armados até os dentes faziam a segurança do juiz. Saímos todos para o mesmo lugar. Seria meu primeiro caso importante.— Droga Marjorie. ,– Ben ficou calado. — Mas que merda, como isso foi acontecer? — Eu não sei, não tinha como, estava tudo certo, eu já tinha as provas, a mulher do cara, só faltava ele ser preso. – Cobri o rosto com as mãos.— Ele deve ter todos os nomes agora, sabe de você. – O carro parou no sinal. — Fiquei sabendo que te deram o caso porque ninguém quis, e os outros estavam ocupados de mais. Eu precisava ligar para o meu pai, ele me faria ter forças, ter outra visão do que estava acontecendo.Peguei meu celular, disquei o número e pronto minha voz não saía.— Marjorie? — Pai? – Não tinha como não chorar.Com o pouco tempo que me restava contei tudo para ele, enquanto Ben batucava no volante, ou afirmava dizendo um "essa eu não sabia ", ou "conta
— Deixa eu ver se entendi. Você está sendo investigada por um caso que te deram? Marjorie, eu acho...— Também acho que armaram pra mim, mas quem? Eu não tenho amizade com ninguém, a não ser você, já saí com um cara, mas ele foi mandado embora no dia seguinte. – Senti meu estômago embrulhar. — Sabe o que eu acho. Que você foi usada pela esposa dele, a polícia se dividiu, metade para um irmão metade pro outro, e você foi escolhida para ser a boba. – Ele parou de andar e virou para me olhar. — Ainda tem as provas? Ou deixou na sua sala?— Tenho outra coisa pra contar. – Ele esticou o pescoço na minha direção.— James me pediu para guardar as provas comigo, era como se ele soubesse que alguma coisa ia dar errado.— E se ele sabe? Se foi avisado, ou ameaçado sei lá. Eu acho estranho não te fornecerem segurança, mesmo que você foi declarada suspeita, – Mais uma vez Ben parou de falar. — Tem alguém aí.— Como sabe? – Ele fez sinal para eu ficar quieta. — Hum?Um carro estava parado na fre
Oito anos atrás...— Como ? – O sorriso no rosto dele desapareceu. — Como você deixou isso acontecer?— Ah me desculpe, não te contei que a cegonha veio me visitar, ela errou na casa, mas como não podia voltar para trás deixou o pacotinho comigo. — Não é hora de brincadeira Marjorie. – Sentia Davi cada vez mais distante de mim.— Fiz o teste hoje e deu positivo, o que vamos fazer Davi?– O frio deu lugar a mais pura vergonha.— Não posso... – Ele se afastou. — Eu... pensei que você tomasse remédio.— Você me disse que a primeira vez não engravida lembra? Eu tenho quinze anos Davi, não tenho idade pra tomar essas coisas. – Ele negava copiosamente, enquanto eu me negava a derramar mais uma lágrima.— Eu.. Eu não posso. Tenho um futuro pela frente, minha mãe vai conseguir me colocar na faculdade, eu.... – Ele estava em pânico. – Acho melhor a gente romper o namoro.— Romper o quê? Tem noção do quê está acontecendo? Você fez um filho em mim! – A água havia me ensopado até a alma. — Isso
Dias atuais...James pousou a lata bem devagar no balcão, cada movimento dele era calculado, percebi algo à mais nos olhos dele, mas não quis arriscar. Me servi de um copo de água enquanto a tensão aumentava, ele se mexeu na cadeira, era hora de falar. Me sentei de frente para ele e guardei todas as idiotices que fiz.— Pode começar me falando porquê tive que guardar com tanto sigilo as provas?— Primeiro, você esqueceu tudo em cima da sua mesa, tive que fazer um teatro bem ensaiado. Segundo, são muitas coisas a serem ditas, por hora só posso dizer que o chefe da facção era desconhecido, ninguém tinha idéia de como ele era, mas os papéis que você nem se deu ao trabalho de ler constam o nome dele, não só isso como também o paradeiro deles.O ar mudou, ou não queria entrar no meus pulmões. Agora tudo fazia sentido.— Sei exatamente quem é, só não sei em quem confiar.— Onde eu entro nisso tudo. – Me dobrei em cima da mesa.— Você foi, vamos dizer vigiada todo esse tempo, certamente pen
Benjamin teve que sair em viagem no outro dia, e só depois de uma semana consegui retomar a minha rotina de todos os dias. Ou quase isso, se ele não tivesse ligado para o meu pai ficar comigo na sua ausência.Benjamin foi visitar um clientes antigos da empresa, segundo ele o casal queria fazer o inventário de tudo o que possuíam, passando para o neto mais velho. Só que isso teria que durar três dias, e se não fosse a chuva ele já estaria em casa.Acabei não fazendo caminhada com o James, aliás eu nem o vi mais. O cara parecia ter tomado chá de sumiço.Quanto ao meu pai, a gente nem se via direito, não quer dizer que fiquei todo dia sem alguém. James fez questão de garantir minha segurança, me deixando com um homem a minha disposição.- Então tá. - Olhei para a tela do computador. - Vamos nessa.Abri os arquivos que ela deixou gravado em um pen drive. Uma pasta continha os nomes de clientes poderosos, tanto para drogas como para garotas. Na outra tinha dezena de vídeos. Fiz a pior best