— QUE MERDA FOI AQUELA? – Ben bateu a porta tão forte que um quadro pequeno que ficava perto da porta caiu no chão.
Sentei no sofá e me limitei a olhar para ele. Aprendi a esperar a pessoa se acalmar e ter uma conversa de gente grande. Benjamim não parava de andar, abria as mãos, fechava em punho de uma vez, socava o ar, ou alguma pobre parede.— Aquela vadia. Foi tudo culpa dela, se eu não tivesse....— Não foi culpa de ninguém. – Respondi.— Me dá um bom motivo pra eu não ligar agora mesmo pro seu pai. – Ele pegou o telefone e esperou a minha resposta.O pior de tudo era saber que ele ligava mesmo, e se eu não desse esse bom motivo, meu pai não seria tão legal assim, e Deus me livre se meu pai entrar na conversa.— Eu estava te observando, você me disse que não iria demorar. O homem chegou, e começamos a conversar. Benjamim entenda que eu estou solteira desde que acabei a faculdade. E você estava lá todo lindo, conversando com ela. Fui levada pelo momento. Só que depois de algumas bebidas ele se transformou, e quando tentei fugir ele não deixou. Talvez tenha pensado que eu sou alguma....— Já saquei, não precisa dizer nada. – Ele largou o telefone. — Se eu não tivesse ido levar ela no estacionamento você teria para onde correr.— Mas eu sempre tenho. Você só não estava lá, só isso.— Porque não me ligou? – Ele estava mexendo no cabelo.— Posso fazer uma pergunta? – Me levantei e esfreguei as mãos.— Faz. – Ben ficou tenso.— Porque tudo isso? Esse seu escândalo, as ameaças. Porque?— Porque eu tenho que te proteger. Porque nós somos tudo o que o outro tem. Você não entende pequena, eu acordo todos os dias pensando no que vou fazer, minhas metas e conquistas. E em todas elas é você quem compartilha comigo. Aprendi que você é a minha família. Então por favor não me faça ter esse maldito medo de te perder. – Ben tinha chegado perto de mim.Minha respiração estava a mil. Não era impressão minha, ele estava quente de mais, com o coração a mil também, os olhos marejados, e com a mão trêmula colocou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.— Ah, Ben. – Peguei ele de surpresa. Me joguei nos braços fortes dele e me afundei até não ouvir mais nada. — Me perdoa, eu não vou mais fazer isso.— Ah vai. Você sempre faz, mas eu vou estar perto. – Ele soltou o ar com força. Acho que foi de alívio. — Agora vai deitar um pouco, pode dormir no meu quarto, e pega alguma camisa limpa no meu closet.— E você? – Afastei só a cabeça e encarei ele.— Eu durmo na sala.— Mas essa casa desse tamanho não tem quarto de hóspedes?— Estão vazios. Tenho pavor de camas vazias.— Podemos dormir na mesma cama, se você não passar por cima de mim enquanto dorme. – Segurei uma risada.— Não sei. Agora vai logo. – Ben me deu um beijo rápido no topo da cabeça e me empurrou.Cinco horas da manhã, e eu estava na casa do meu amigo, tomando um banho maravilhoso, ouvindo ele cantarolar uma música Brasileira, ou tentando cantar. Ensinei ele a cantar porque a cantora tinha o nome igual ao meu. Marjorie Estiano. Desde então ele nunca mais esqueceu a letra.Ele deixou a porta encostada e uma camiseta e cima da cama. Só tive o tempo de colocar minha roupa e encostar no travesseiro, meus olhos se fecharam por conta própria.******— Bom dia. – senti dedos puxarem as cobertas de mim.— Pai, só mais um pouco. – Puxei de volta.— Pai? – Pela risada estava bem perto de mim. — Pequena, ligaram pra você agora a pouco.— Ben. Que horas são? – Peguei no sono e levei um empurrão de leve.— Sete e meia da manhã. E você tem muito trabalho hoje. Assistir ao julgamento e levar um caso também.— Como? – Sentei de uma vez. — Não mente para mim.— Aquele caso que você pegou e arquivou por falta de provas lembra? A mulher ligou, disse que tinha encontrado provas suficientes e a empresa conseguiu marcar para hoje. Você ainda tem as provas que conseguiu com um amigo do cara?— Claro. – Pulei da cama. — O que está esperando? Vamos logo.O caminho todo usamos para falar de como abordar esse assunto. Meus argumentos aos ouvidos do Benjamim foram bons.Só pisei lá umas vezes, e todas elas foram causas pequenas. Mas agora que ganhei a confiança, assim como o Ben vou ter minhas metas.Meus melhores arquivos ficam em casa, onde só eu posso ver e ter certeza que ninguém vai sabotar.Me troquei rápido, vesti meu terno feminino, composto de saia e casaco. Frio aqui em Londres a gente só passa na rua, graças a Deus todo lugar tem aquecedor, principalmente no tribunal.— Deixa eu ver se entendi. – Olhei para os papéis. — A senhora arquivou o processo porque ainda amava ele, mas agora descobriu que o seu marido, o senhor Faccioli estava envolvido em tráficos de garotas, e que além disso está envolvido com uma máfia. E por acaso o irmão dele está sendo julgado.— Sim. Ele tinha saído em viagem. Minha filha não suportou por muito tempo e me contou tudo o que escutava pela casa, aí reuni provas com o tempo que me restou. Sei que ele ainda anda recolhendo garotas nas boates mais caras. Todas com o mesmo jeito.Senti a garganta apertar e percebi que a memória do que aconteceu ainda estava fresca, dançando dentro da minha mente e brincando com os meus nervos.— Eles são muito ligados. Ele e o irmão, — Ela chorava e limpava o rosto a toda hora. — Escutei ele dizendo que só voltou para resgatar o irmão, nem que precisasse deixar um rastro de sangue.— Essa máfia que a senhora cita aqui, são Italianos? – Minha voz estava falhando. Olhei para o Ben sentado no sofá de olhos arregalados.— Sim. Mas ele pensa que sou burra, ainda ontem ele saiu e só voltou hoje de manhã. Disse que estava trabalhando e acabou dormindo.— A polícia que deve ter ido na sua casa, ele foi intimado porque o irmão dele será julgado ainda hoje, e por certo ele também será preso. Não vai ter direito a advogados, só ouvirá a sentença e será penalizado por cada crime que cometeu. Mas se a senhora falhar e ele sair dessa, será muito arriscado para nos duas entendeu? – Ela afirmou.— Já tenho uma viagem marcada. Vou sair do país ainda hoje. – Ela estava com medo. Pobre mulher, devia ser uns dez anos mais velha que ele, não era bonita, mas tinha dinheiro, e estava escoltada.Com toda a certeza o pessoal da empresa não sabia do tamanho da encrenca que me jogaram. Mandei um e-mail para a diretoria com todas as provas que reunimos. Segui Benjamim até o carro dele e fomos em silêncio até lá. Meia hora de silêncio e opressão, nunca me senti tão mal.O julgamento do Faccioli mais novo não foi tão rápido quanto eu esperava. Ele estava tão nervoso que precisou ser levado para dentro outra vez. Eu estava pra falar a verdade, cagada de medo, mas me deu tempo de respirar fundo e me preparar para o que quer que venha. O juiz e meu novo vizinho de algum lugar da vizinhança se manteve de cabeça baixa, bateu o martelo o quanto pôde, ouviu a advogada oferecida, e por fim o homem pegou noventa anos de prisão para cada crime que cometeu, seria deportado para a Itália e nunca mais veria a luz do dia do lado de fora da cadeia.— Testemunha da família Faccioli – O meu vizinho juiz chamou. – Venham a frente.A mulher, muito mais alta que eu, foi andando na frente, passou a cerca e por uma fração de minutos ela pensou em desistir, mas se recompôs e se sentou. Ele ficou tão surpreso quanto eu, nos olhamos por um tempo, até um homem chamar ele e falar alguma coisa no ouvido, ele mudou de expressão e bateu o martelo.Todo julgamento tem um, digamos ritual, passei por ele tão nervosa quanto pude.— Tragam o réu para ouvir as acusações. – Ele mal olhava pra mim.Uma dúzia de policiais saíram, e voltaram alguns minutos depois, de mãos vazias.— Houve um furo na segurança, o réu fugiu, e o irmão dele que já estava sendo escoltado até a delegacia também foi resgatado senhor, pela facção.— Acione a polícia federal, feche o aeroporto, ninguém entra ou sai da cidade até eles estarem presos. – Ele parecia muito mais imponente dando ordens.— Mas eu não posso ficar, ele já sabe que eu o entreguei. – A mulher já começava a chorar alto.— Para você será disponibilizado um avião particular ainda hoje. E você senhorita, guarde todas as suas provas, teremos muito trabalho pela frente.Benjamim me encontrou na metade do corredor, saímos o mais rápido possível e entramos no carro, do outro lado homens armados até os dentes faziam a segurança do juiz. Saímos todos para o mesmo lugar. Seria meu primeiro caso importante.— Droga Marjorie. ,– Ben ficou calado. — Mas que merda, como isso foi acontecer? — Eu não sei, não tinha como, estava tudo certo, eu já tinha as provas, a mulher do cara, só faltava ele ser preso. – Cobri o rosto com as mãos.— Ele deve ter todos os nomes agora, sabe de você. – O carro parou no sinal. — Fiquei sabendo que te deram o caso porque ninguém quis, e os outros estavam ocupados de mais. Eu precisava ligar para o meu pai, ele me faria ter forças, ter outra visão do que estava acontecendo.Peguei meu celular, disquei o número e pronto minha voz não saía.— Marjorie? — Pai? – Não tinha como não chorar.Com o pouco tempo que me restava contei tudo para ele, enquanto Ben batucava no volante, ou afirmava dizendo um "essa eu não sabia ", ou "conta
— Deixa eu ver se entendi. Você está sendo investigada por um caso que te deram? Marjorie, eu acho...— Também acho que armaram pra mim, mas quem? Eu não tenho amizade com ninguém, a não ser você, já saí com um cara, mas ele foi mandado embora no dia seguinte. – Senti meu estômago embrulhar. — Sabe o que eu acho. Que você foi usada pela esposa dele, a polícia se dividiu, metade para um irmão metade pro outro, e você foi escolhida para ser a boba. – Ele parou de andar e virou para me olhar. — Ainda tem as provas? Ou deixou na sua sala?— Tenho outra coisa pra contar. – Ele esticou o pescoço na minha direção.— James me pediu para guardar as provas comigo, era como se ele soubesse que alguma coisa ia dar errado.— E se ele sabe? Se foi avisado, ou ameaçado sei lá. Eu acho estranho não te fornecerem segurança, mesmo que você foi declarada suspeita, – Mais uma vez Ben parou de falar. — Tem alguém aí.— Como sabe? – Ele fez sinal para eu ficar quieta. — Hum?Um carro estava parado na fre
Oito anos atrás...— Como ? – O sorriso no rosto dele desapareceu. — Como você deixou isso acontecer?— Ah me desculpe, não te contei que a cegonha veio me visitar, ela errou na casa, mas como não podia voltar para trás deixou o pacotinho comigo. — Não é hora de brincadeira Marjorie. – Sentia Davi cada vez mais distante de mim.— Fiz o teste hoje e deu positivo, o que vamos fazer Davi?– O frio deu lugar a mais pura vergonha.— Não posso... – Ele se afastou. — Eu... pensei que você tomasse remédio.— Você me disse que a primeira vez não engravida lembra? Eu tenho quinze anos Davi, não tenho idade pra tomar essas coisas. – Ele negava copiosamente, enquanto eu me negava a derramar mais uma lágrima.— Eu.. Eu não posso. Tenho um futuro pela frente, minha mãe vai conseguir me colocar na faculdade, eu.... – Ele estava em pânico. – Acho melhor a gente romper o namoro.— Romper o quê? Tem noção do quê está acontecendo? Você fez um filho em mim! – A água havia me ensopado até a alma. — Isso
Dias atuais...James pousou a lata bem devagar no balcão, cada movimento dele era calculado, percebi algo à mais nos olhos dele, mas não quis arriscar. Me servi de um copo de água enquanto a tensão aumentava, ele se mexeu na cadeira, era hora de falar. Me sentei de frente para ele e guardei todas as idiotices que fiz.— Pode começar me falando porquê tive que guardar com tanto sigilo as provas?— Primeiro, você esqueceu tudo em cima da sua mesa, tive que fazer um teatro bem ensaiado. Segundo, são muitas coisas a serem ditas, por hora só posso dizer que o chefe da facção era desconhecido, ninguém tinha idéia de como ele era, mas os papéis que você nem se deu ao trabalho de ler constam o nome dele, não só isso como também o paradeiro deles.O ar mudou, ou não queria entrar no meus pulmões. Agora tudo fazia sentido.— Sei exatamente quem é, só não sei em quem confiar.— Onde eu entro nisso tudo. – Me dobrei em cima da mesa.— Você foi, vamos dizer vigiada todo esse tempo, certamente pen
Benjamin teve que sair em viagem no outro dia, e só depois de uma semana consegui retomar a minha rotina de todos os dias. Ou quase isso, se ele não tivesse ligado para o meu pai ficar comigo na sua ausência.Benjamin foi visitar um clientes antigos da empresa, segundo ele o casal queria fazer o inventário de tudo o que possuíam, passando para o neto mais velho. Só que isso teria que durar três dias, e se não fosse a chuva ele já estaria em casa.Acabei não fazendo caminhada com o James, aliás eu nem o vi mais. O cara parecia ter tomado chá de sumiço.Quanto ao meu pai, a gente nem se via direito, não quer dizer que fiquei todo dia sem alguém. James fez questão de garantir minha segurança, me deixando com um homem a minha disposição.- Então tá. - Olhei para a tela do computador. - Vamos nessa.Abri os arquivos que ela deixou gravado em um pen drive. Uma pasta continha os nomes de clientes poderosos, tanto para drogas como para garotas. Na outra tinha dezena de vídeos. Fiz a pior best
Não sabia ao certo como não chorar na frente dele. James amassou o papel enquanto vazia ligações, era uma coisa louca. Ele se afastava as vezes, mas ficava de lá olhando para mim. Desejei tanto que o Benjamin estivesse comigo que meu celular tocou. Eu sabia que era ele, porque coloquei nossa música pra tocar toda vez que ele ligasse.- Marjorie. Ainda bem. Não consegui falar com você mais cedo.-Desculpa, eu realmente não sei o quê aconteceu.-Estou voltando para casa. Amanhã cedo chego aí, será que pode me buscar?-Com o maior prazer.-Tenho que desligar. Até mais, pequena.Se meu pai tivesse aqui, ele diria que eu estava bancando à safada, enquanto um homem sai o outro me ligando e marcando meio que um encontro. Claro que eu não pensaria no juiz como algo mais íntimo.James guardou o celular no bolso e veio caminhando na minha direção, ele manteve as mãos dentro do casaco preto, e deu um meio sorriso. Alguém do outro lado do lago soltou fogos, a luz colorida atingiu a gente. O so
-Não! Eu não vou fazer parte dessa loucura. E se.... E se ele estiver te usando? Já pensou nisso? O cara chega na sua vida e te pede pra entrar em uma que você nem sabe o quão profundo é, você aceita e sem saber de mais nada entra nessa loucura.-Benjamim, eu não posso mais voltar atrás. Ele é meu padrinho, acredite que doeu, mas eu não tive alternativa. Já pensou quando investigarem ele? Vão saber da nossa relação e eu vou ser presa por um crime que não cometi.- O quê te faz pensar que eu vou fazer parte desse plano suicida? - Benjamin tinha parado de andar e estava me encarando.-Porque só Deus sabe quanto tempo passei procurando uma pequena pessoa, e agora tenho a chance de estar com ele. Se eu der pra trás, ou se algo acontecer eu não vou saber lidar com isso. - Ignorei o nó crescendo na minha garganta e continuei, - É a minha chance de mostrar para as pessoas que eu não sou uma fracassada.-Você não é fracassada, nunca vai ser o que os outros querem que seja. E eu sei que que
-Seremos uma grande família. Sempre....Já fazia dias que eu não saía de casa. Meu pai parecia entender meu lado, e me deixou a sós com os meus pesadelos e medos. Depois da nossa briga, James não me procurou mais. Benjamin foi o único a ter contato com ele, e pelo que disse, James não tocou no meu nome, nem no ocorrido.Decidi que a janela não era mais meu ponto favorito, passei a olhar para o telefone na minha mão e o pedaço de papel na mesa. Nada nesse mundo me deixava tão apavorada. Um simples telefonema. Juntei forças e disquei número por número, meus dedos tremiam, errei e disquei outra vez. O telefone tocou, três chamadas.-Alo!? Alo? Esta me ouvindo?-Eu...si...sim. Rita como vai?- Marjorie?- Eu mesma, meu pai....- Quanto tempo depois que liguei? Pensei que não quisesse mais saber do seu filho.-Tive alguns problemas, por isso não liguei. E não Rita, não tenho pretensão de esquecer meu filho.-Oito anos. Eu pensei que viria atrás dele.-Fui. Mas você mudou, ou fugiu, e não t