IV

— QUE MERDA  FOI AQUELA? – Ben bateu a porta tão forte que um quadro pequeno que ficava perto da porta caiu no chão.

Sentei no sofá e me limitei a olhar para ele. Aprendi a esperar a pessoa se acalmar e ter uma conversa de gente grande. Benjamim não parava de andar, abria as mãos, fechava em punho de uma vez, socava o ar, ou  alguma pobre parede.

— Aquela vadia. Foi tudo culpa dela, se eu não tivesse....

— Não foi culpa de ninguém. – Respondi.

— Me dá um bom motivo pra eu não ligar agora mesmo pro seu pai. – Ele pegou o telefone e esperou a minha resposta.

O pior de tudo era saber que ele ligava mesmo, e se eu não desse esse bom motivo, meu pai não seria tão legal assim, e  Deus me livre se meu pai entrar na conversa.

— Eu estava te observando, você me disse que não iria demorar. O homem chegou, e começamos a conversar. Benjamim entenda que eu estou solteira  desde que acabei a faculdade. E você estava lá todo lindo, conversando com ela. Fui levada pelo momento. Só que depois de algumas bebidas ele se transformou, e quando tentei fugir ele não deixou. Talvez tenha pensado que eu sou alguma....

— Já saquei, não precisa dizer nada. – Ele largou o telefone. — Se eu não tivesse ido levar ela no estacionamento você teria para onde correr.

— Mas eu  sempre tenho. Você só não estava lá, só isso.

— Porque não me ligou? – Ele estava mexendo no cabelo.

— Posso fazer uma pergunta? – Me levantei e esfreguei as mãos.

— Faz. – Ben ficou tenso.

— Porque tudo isso? Esse seu escândalo, as ameaças. Porque?

— Porque eu tenho que te proteger. Porque nós somos tudo o que o outro tem. Você não entende pequena,  eu acordo todos os dias pensando no que vou fazer, minhas metas e conquistas. E em todas elas é  você quem compartilha comigo. Aprendi que você é a minha família. Então por favor não me faça ter esse maldito medo de te perder. – Ben tinha chegado perto de mim.

Minha respiração estava a mil. Não era impressão minha,  ele estava quente de mais, com o coração a mil também, os olhos marejados, e com a mão trêmula colocou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.

— Ah, Ben. – Peguei ele de surpresa. Me joguei nos braços fortes dele e me afundei até não ouvir mais nada. — Me perdoa, eu não vou mais fazer isso.

— Ah vai. Você sempre faz, mas eu vou estar perto. – Ele soltou o ar com força. Acho que foi de alívio. — Agora vai deitar um pouco, pode dormir no meu quarto, e pega alguma camisa limpa no meu closet.

— E você? – Afastei só a cabeça e encarei ele.

— Eu durmo na sala.

— Mas essa casa desse tamanho não tem quarto de hóspedes?

— Estão vazios. Tenho pavor de camas vazias.

— Podemos dormir na mesma cama, se você não passar por cima de mim enquanto dorme. – Segurei uma risada.

— Não sei. Agora vai logo. – Ben me deu um beijo rápido no topo da cabeça e me empurrou.

Cinco horas da manhã, e eu estava na casa do meu amigo, tomando um banho maravilhoso, ouvindo ele cantarolar uma música Brasileira, ou tentando cantar. Ensinei ele a cantar porque a cantora tinha o nome igual ao meu. Marjorie  Estiano. Desde então ele nunca mais esqueceu a letra.

Ele deixou a porta encostada e uma camiseta e cima da cama. Só tive o tempo de colocar minha roupa e encostar no travesseiro, meus olhos se fecharam por conta própria.

******

— Bom dia. – senti dedos puxarem as cobertas de mim.

— Pai, só mais um pouco. – Puxei de volta.

— Pai? – Pela risada estava bem perto de mim. — Pequena, ligaram pra você agora a pouco.

— Ben. Que horas são? – Peguei no sono e levei um empurrão de leve.

— Sete e meia da manhã. E você tem muito trabalho hoje. Assistir ao julgamento e levar um caso também.

— Como? – Sentei de uma vez. — Não mente para mim.

— Aquele caso que você pegou e arquivou por falta de provas lembra? A mulher ligou, disse que tinha encontrado provas suficientes e a empresa conseguiu marcar para hoje. Você ainda tem as provas que conseguiu  com um amigo do cara?

— Claro. – Pulei da cama. — O que está esperando? Vamos logo.

O caminho todo usamos para falar de como abordar esse assunto. Meus argumentos aos ouvidos do Benjamim foram bons.

Só pisei lá umas vezes, e todas elas foram causas pequenas. Mas agora que ganhei a confiança, assim como o Ben vou ter minhas metas.

Meus melhores arquivos ficam em casa, onde só eu posso ver e ter certeza que ninguém vai sabotar.

Me troquei rápido, vesti meu terno feminino, composto de saia e casaco. Frio aqui em Londres a gente só passa na rua, graças a Deus todo lugar tem aquecedor, principalmente  no tribunal.

— Deixa eu ver se entendi. – Olhei para os papéis. — A senhora arquivou o processo porque ainda amava ele, mas agora descobriu que o seu marido, o senhor Faccioli estava envolvido em tráficos de garotas, e que além disso está envolvido com uma máfia. E por acaso o irmão dele está sendo julgado.

— Sim. Ele tinha saído em viagem. Minha filha não suportou por muito tempo e me contou tudo o que escutava pela casa, aí reuni provas com o tempo que me restou. Sei que ele ainda anda recolhendo garotas nas boates mais caras. Todas com o mesmo jeito.

Senti a garganta apertar e percebi que a memória do que aconteceu ainda estava fresca, dançando dentro da minha mente e brincando com os meus nervos.

— Eles são muito ligados. Ele e o irmão, — Ela chorava e limpava o rosto a toda hora. — Escutei ele dizendo que só voltou para resgatar o irmão, nem que precisasse deixar um rastro de sangue.

— Essa máfia que a senhora cita aqui, são Italianos? – Minha voz estava falhando. Olhei para o Ben sentado no sofá de olhos arregalados.

— Sim. Mas ele pensa que sou burra, ainda ontem ele saiu e só voltou hoje de manhã. Disse que estava trabalhando e acabou dormindo.

— A polícia que deve ter ido na sua casa, ele foi intimado porque o irmão dele  será julgado ainda hoje, e por certo ele também será preso. Não vai ter direito a advogados, só ouvirá a sentença e será penalizado por cada crime que cometeu. Mas se a senhora falhar e ele sair dessa, será muito arriscado para nos duas entendeu? – Ela afirmou.

— Já tenho uma viagem marcada. Vou sair do país ainda hoje. – Ela estava com medo. Pobre mulher, devia ser uns dez anos mais velha que ele, não era bonita, mas tinha dinheiro, e estava escoltada.

Com toda a certeza o pessoal da empresa não sabia do tamanho da encrenca que me jogaram. Mandei um e-mail para a diretoria com todas as provas que reunimos. Segui Benjamim até o carro dele e fomos em silêncio até lá. Meia hora de silêncio e opressão, nunca me senti tão mal.

O julgamento do Faccioli mais novo não foi tão rápido quanto eu esperava. Ele estava tão nervoso que precisou ser levado para dentro outra vez. Eu estava pra falar a verdade, cagada de medo, mas me deu tempo de respirar fundo e me preparar para o que quer que venha. O juiz e meu novo vizinho de algum lugar da vizinhança se manteve de cabeça baixa, bateu o martelo o quanto pôde, ouviu a advogada oferecida, e por fim o  homem pegou noventa anos de prisão para cada crime que cometeu, seria deportado para a Itália e nunca mais veria a luz do dia do lado de fora da cadeia.

— Testemunha da família Faccioli – O meu vizinho juiz  chamou. – Venham a frente.

A mulher, muito mais alta que eu, foi andando na frente, passou a cerca e por uma fração de minutos ela pensou em desistir, mas se recompôs e se sentou. Ele ficou tão surpreso quanto eu, nos olhamos por um tempo, até um homem chamar ele e falar alguma coisa no ouvido, ele mudou de expressão e bateu o martelo.

Todo julgamento tem um, digamos ritual, passei por ele tão nervosa quanto pude.

— Tragam o réu para ouvir as acusações. – Ele mal olhava pra mim.

Uma dúzia de policiais saíram, e voltaram alguns minutos depois, de mãos vazias.

— Houve um furo na segurança, o réu fugiu, e o irmão dele que já estava sendo escoltado até a delegacia também foi resgatado senhor, pela facção.

— Acione a polícia federal, feche o aeroporto, ninguém entra ou sai da cidade até eles estarem presos. – Ele parecia muito mais imponente dando ordens.

— Mas eu não posso ficar,  ele já sabe que eu o entreguei. – A mulher já começava a chorar alto.

— Para você será disponibilizado um avião particular ainda hoje. E você senhorita, guarde todas as suas provas, teremos muito trabalho pela frente.

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