III

Esse caso está suspenso por hoje. Amanhã terminaremos. Próximo caso. - Ele parecia entediado o tempo todo, menos quando me olhava, o que não demorou muito para Ben perceber.

Desviei o olhar e saí do lugar, não anotei nada, se não fosse pelo Ben eu estaria na rua, não que eu não cumprisse com meu dever, só não tive, vamos dizer cabeça para escrever tudo o que aconteceu.

Esse era um fato que eu achava muito errado na empresa, assistir e anotar tudo ou gravar, para ir para análise e descobrir o ponto fraco dos demais, ou adotar as táticas deles.

No Brasil um advogado ter um escritório próprio é muito maneiro, mas em Londres trabalhar para uma empresa é mais ainda.

Nunca peguei um caso grande, só divórcio, leitura de testamento e organizar documentos e provas importantes. Meu sonho de ser a advogada durona está longe de ser cumprido.

- Hei, o que acha da gente sair hoje? - Ben arrancou com o carro.

- Ainda tenho coisas para fazer. - Respondi.

- Não Senhora. A gente pode trabalhar em casa esqueceu?

- Sim, mas não esqueci do seu encontro. - Fingi estar pensando.

- Merda. - Ele bateu no volante.

- Ah muita, muita mesmo. Ainda mais quando ela abrir a boca e começar a relembrar os tempos da faculdade.

- Se o que vou fazer não der certo, você pelo menos poderia estar lá para me dar apoio. - Ele parou no farol e me encarou. Ben tinha os cílios loiros, e a barba começava a crescer também.

- Não. Sei. - Não conseguia negar nada para ele, e isso era um saco. - Amanhã tenho o restante do julgamento para assistir, não quero chegar atrasada.

- Eu sei, por favor pequena, me ajuda. - Ele fez biquinho. - Só dessa vez.

- Tá bom, mas se não der certo, você paga a bebida.

Benjamim não falou mais nada até me deixar em casa, mas a cara de felicidade dele estava me deixando nervosa.

Pelo que fiquei sabendo, eles iam comer num restaurante legal dentro de um hotel, era o mais caro da região, ainda bem que tinha um barzinho, não bebo muito, mas ficar vendo seu melhor amigo dar o fora em uma garota merecia um bom vinho.

Tomei meu bom banho e escolhi um vestido sem manga preto e meu sapatos vermelhos, deixei meu cabelo solto e pronto.

Sete e meia, olhei novamente no relógio, já tinha visto o mesmo carro passar três vezes bem de vagar olhando para dentro de cada casa do condomínio. Alguém passaria por apuros em poucos dias. Meu pai sempre me alertou sobre esse tipo de coisa. Eles vigiam você, sabem toda a sua rotina, e num furo pequeno, já era. Daí em diante é só Deus para te ajudar.

Esse era um condomínio de luxo em Londres, embora novo. Eu contava com mais segurança, pelo porte das casas, maioria com portas de vidro assim como a minha, ou outras que a sala era feita toda em vidro. Só não a primeira casa, ela pertencia a família dona do condomínio, essa era toda fechada, magnífica, toda rodeada de cerca viva. Havia rumores de que ela estava vazia desde que fundaram o lugar.

O celular tocou me assustando, procurei ele com os olhos e quando voltei minha atenção para a rua, o carro já tinha ido embora, mas a sensação de que alguma coisa estava errada pairou no ar.

- Alo!?

- E aí? Como estou?

- Como vou saber Ben, ainda não tenho olho biônico.

- É só olhar pela janela.

Corri até a janela e olhei para fora. Ele estava de terno, não como todos os dias, estava diferente, bonito, e tinha um arranjo de flores na mão esquerda, quando me viu abriu os braços e deu uma volta, exibindo o visual.

- Já estou indo. - Desliguei o telefone e corri, parei em frente ao espelho pequeno, respirei fundo e abri a porta.

- Poxa. Você não se arruma assim quando sai comigo. - Ben me deu um beijo demorado no rosto.

- Se você me levasse a lugares assim, ao invés de inventar lugares exóticos com comidas horríveis.

- Toma. São para você. - Ele me estendeu o arranjo.

O que se passou naquele momento foi muito constrangedor, eu não sabia o que fazer, em anos de amizade nunca ganhei um arranjo de flores, Ben era do tipo que arrumava sempre um bom motivo para me presentear, mas nunca com flores, ele mesmo teve uma péssima experiência.

- Ah Ben, não precisava. Sério. - Agarrei meu presente.

- Eu só queria te dizer que não estou saindo com ela porque...

- Não precisa me dar explicações, você é meu amigo, fora isso tem sua vida sentimental.- Ele ficou sério.

- Isso é assunto para outra hora. Agora vamos logo.- Ele me puxou, mas eu parei. - O que foi?

- Não acha que vai ficar estranho a gente chegar junto? - Ele continuou. - Ben, pensa..

- Não. E se ficar pouco importa. Já estou farto de fazer tudo pra agradar as pessoas.

Muito bonito da parte dele me querer por perto, só tinha medo de apanhar por causa disso.

********

Mandei um beijo de onde estava para ele. A loira fingida nem percebeu, Ben apertou os lábios e ficou vermelho, se tivesse por perto ele teria ficado bravo, a reação dela, nem queria pensar. Mas seria muito engraçado.

- Uma taça de vinho do Porto, por favor, - Sentei na mesa alta do bar enquanto o garçon pegava uma taça.

Me peguei pensando se algum dia eu estaria no lugar dela. Não com o Ben, nem prestes a levar um fora, mas com alguém que me fizesse sorrir, não que o Ben não fizesse, ele era engraçado, charmoso, do tipo que fazia as mulheres pirar, só que nossa relação era diferente. Via ele como meu irmão e amigo, não de outra forma, a gente prometeu nunca mais pensar ou tentar ter um relacionamento, isso poderia por um fim na nossa tão perfeita amizade.

Quase pulei do banco quando ele olhou na minha direção e piscou. Logo iria começar o lengalenga dela tentando mostrar que mudou.

Duas horas se passaram e eles ainda estavam conversando, eu trabalhei mesmo sentada em um bar onde poderia ir à procura de um homem lindo. Li todos os e-mails no meu celular novo e de tela quebrada, já estava perdendo as esperanças quando vi o último. Meu coração saltou tão forte que senti um gosto de algo metálico na boca, perdi o foco e a audição, precisei limpar a mão para continuar. Se eu tivesse força.

- Quanto tempo vai precisar para ter certeza de que ele não vem?

Meu celular quase caiu para o outro lado do balcão, e novamente o gosto de metal veio até minha boca.

O dono da voz mais grave que já ouvi era um homem alto, na casa dos quarenta pelo cabelo grisalho, embora o corpo ainda estivesse definido em baixo daquele terno cinza.

- Desculpe. - Ele exibiu um sorriso perfeito. - Te vi quando chegou, e não vi ninguém te procurar, então pensei que uma mulher tão linda não poderia ficar sem alguém para conversar. A propósito, me chamo Andreas. - Ele estendeu a mão.

- Marjorie. Peguei na mão dele. - E não estou esperando ninguém, só vim acompanhar um amigo e resolvi ficar mais um pouco. Mas, já estou indo embora.

- Aceita uma bebida?

- Já bebi minha cota de hoje. - Respondi.

- Por favor. Uma taça de champanhe? Uma única taça e te libero. Diz que acompanha esse pobre homem.

- Tudo bem. - Olhei para o Ben, mas ele estava tão ocupado dando Desculpas que nem me notou.

Tomei meu champanhe ouvindo histórias de bar, que só homens ricos e solteirões sabem contar. Penso que saboreei mais as histórias.

Além disso descobri que ele veio de longe por causa de um irmão. O cara era de família rica, e mais umas coisas.

- Preciso ir. - Me levantei.

- Espera aí, a noite nem acabou ainda. - Ele me puxou.

- Amanhã eu entro muito cedo no trabalho, e não gosto de ir de ressaca. - Ele apertou meu braço e estava aumentando a força. Ben não olhava para mim, eu queria gritar.

- Eu te levo Mar....Como é mesmo seu nome? - Já podia sentir o cheiro do álcool no hálito dele. - Tem algum apelido?

- Eu...- Pequena. - Não. Gosto que me chamem pelo meu nome, e me desculpa Andreas, preciso mesmo ir. - Ele ficou sério e se levantou.

Nessa m*****a hora procurei pelo Ben, e para a minha surpresa ele tinha ido embora. Partiu sem mim, e levando a vagabunda com ele. Andreas percebeu e olhou na mesma direção. Aproveitei a chance e corri para fora, com o telefone na mão trêmula, tentando discar para um táxi. Senti o vento da porta se abrindo, minhas pernas viraram geleias enquanto passos se aproximavam, e o dono dos passos me puxou pelo ombro.

- Onde pensa que vai? - Andreas tinha um olhar de malícia e maldade. - Está sozinha, deveria aceitar uma carona.

- Aprendi a não aceitar carona de estranhos. - Ele só me soltou para rir.

- São três horas da manhã, ninguém vem te buscar garota.

Deus me ajuda. Ele virou e estalou os dedos, um homem saiu das sombras, pegou as chaves e foi até o estacionamento do hotel.

- Eu não vou com você. Não te conheço. - Ele virou o rosto para me encarar, me arrependi na mesma hora.

- Deveria ter pensado antes de entrar para essa vida querida.

De repente achei minha roupa muito vulgar, minha maquiagem marcante de mais, e tudo fez sentido. Aquele bar, assim como os outros era frequentado por prostitutas, as mais caras.

- Você está se enganando, eu não sou uma.... Uma, você sabe. - Até dei risada.

- Não? - A expressão dele passou de confuso para raiva. - Mesmo assim vai comigo.

- Ela não vai com ninguém. - Andreas quase me soltou com o susto.

Benjamim estava com a camisa pra fora da calça, as mãos nos bolsos, e um olhar severo tanto para mim quanto para o homem. Já vi ele se envolver em brigas na faculdade, e acredite, a coisa era feia.

- Marjorie, está bem? - Ben me puxou para perto dele e olhou em cada parte visível minha. Só concordei com a cabeça. - Ótimo, agora vamos pra casa.

- Espera aí? Você aparece do nada, toma ela e vai embora? - Andreas cambaleou até ele e fechou os punhos.

- Me desculpe senhor, se quiser posso chamar a polícia e te indiciar por estar ameaçando a moça pelas marcas nos ombros dela, agredindo e finalmente assediando sexualmente. Agora deixa eu ser franco. Não pedi pra levar a moça. Eu vou levar e pronto. Agora vai para casa e toma um banho, quando a bebida baixar pense direito.

Ben saiu me puxando e praticamente me enfiou no carro, se jogou no banco dele e arrancou com tanta força que senti meu corpo indo para trás. Ele estava tão bravo que batia no volante, fora as curvas fechadas que ele fazia, dava a impressão que eu ia voar pra fora do carro, e ainda por cima eu estava tão nervosa que não conseguia colocar o cinto. Ele não parava nos sinais, me convenci de fechar o olho e só abrir quando o carro parasse. E quando o fez fiquei em partes assustada, em partes feliz.

- Ben. - Apontei para a casa dele.

- Cala a boca. Vamos ter uma conversa séria quando entrar.

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