O sol surgiu no horizonte lentamente, lançou seus raios por entre as frestas da janela de madeira, tocando suavemente a pele do meu rosto. Meus olhos cansados presos no teto, fruto de uma noite sem dormir acompanhavam a escuridão se curvar perante a magestosa luz do dia. Impulsionei meu corpo para cima me sentando sobre a cama, inclinei meu rosto para baixo procurando o celular. Virei o rosto e admirei as malas prontas, senti uma pontada na boca do estômago, estou fazendo a coisa certa? Saltei da cama, caminhei pelo corredor silencioso desenhado por quadros e enfeites, empurrei a porta do banheiro e meu reflexo surgiu no espelho me encarando. Apoiei as mãos na pia, puxei o ar até meus pulmões se encherem completamente e soltei lentamente. O reflexo não parecia ser meu, tinha meus traços, mas não a minha essência, como uma máscara de silicone ocultando minha alma. Entrei no box, abri o chuveiro e enfiei a cabeça em baixo da água, fechei os olhos e senti a água quente deslizar por meu corpo, como se empurrasse meu cansaço para o ralo. Sai do banheiro enrolada na toalha, atravessei o corredor, empurrei a porta do quarto e minha mãe surgiu sentada em minha cama.
-Acordou cedo - disse ela com um sorriso gentil - Não quer mesmo que seu pai te leve?
-Não mãe, posso ir sozinha.
-Você que sabe - disse ela se afastando.
Vesti uma calça jeans azul escura, blusa preta, sapato all star branco e pentiei meu cabelo curto para o lado direito. Apanhei as malas e desci as escadas, sorri para meus pais na cozinha, empurrei a porta da sala e joguei as malas no porta malas do carro. Voltei para dentro de casa, sentei a mesa e me preparei para tomar o último café da manhã em família.
-Pegou o carregador de celular, chaves e documentos?
-Peguei mãe.
-Logo você será médica e trabalhará comigo - disse meu pai com um largo sorriso.
Balancei a cabeça de forma positiva e voltei a comer. Meu pai contou algumas histórias do hospital, mal podia controlar a felicidade de ver sua filha seguir seus passos e estudar medicina, já que meu irmão mais velho foi para o exército, sou a única esperança dele. Me despedi dos meus pais de forma calorosa, entrei no carro e afastei vendo meus pais desaparecerem no retrovisor. No som do carro tocava a música "Breakaway - Kelly Clarkson", antiga mas descrevia exatamente meus sentimentos. As lágrimas deslizaram por meu rosto enquanto a cidade se escondia atrás das montanhas da estrada, se perdendo no espelho retrovisor. Dirigi por cinco horas até enfim me aproximar da Universidade de São Antônio, a referência em medicina e direito. Estacionei diante do prédio vermelho, subi as escadas, empurrei a porta e uma garota surgiu diante de mim.
-Oi
-Oi - respondi.
-Você deve ser a Mackenzie.
-Sim, mas pode me chamar de Mack - respondi.
-Eu sou a Camila, escolhi minha cama, mas se você quiser, podemos trocar.
-Não - respondi - posso ficar com a outra cama.
Minha colega de quarto é interessante, pele negra, cabelos pretos de dread com cera, olhos castanhos escuros, maquiagem discreta, blusa marrom, calça bege e sandálias. Nas paredes pôsteres de paisagens e símbolos budistas.
-Zuri me falou de você - disse Camila - Vocês foram amigas não é?
-Sim, mas não a vejo há cinco anos.
Virei o relógio de pulso digital para meu rosto e notei que estava na hora do meu encontro.
-Sabe onde fica a estátua? - perguntei.
-Sim, é só seguir a feixa amarela no chão.
Agradeci e saltei para o corredor, desci as escadas, sai do prédio e segui a faixa amarela. Andei por cinco minutos até enfim encontrar a estátua, sorri aliviada, sentei no banco voltado para a porta central da universidade, enfiei a mão no bolso e apanhei um pingente em forma de medusa. Minha mente voltou no tempo, por cinco anos até uma tarde fria, eu estava sentada em uma toalha de mesa, em baixo de uma grande árvore, com as costas apoiada no tronco. Ao meu lado Sarah Sorria gentilmente dizendo o quanto nossa amizade era importante para ela. Uma garota linda, cabelos ruivos cacheados, pele branca com sardas, olhos verdes e aparelhos nos dentes. Vestia calça jeans surrada, blusa azul clara, jaqueta jeans e sapatos all star brancos. Ela tirou um pingente de medusa do bolso da calça e me entregou.
-É uma água viva - comentei.
-É uma Turritopsis nutricula, uma medusa imortal. Mesmo que você tenha que se mudar, mesmo que fiquemos por anos sem nos falar, nossa amizade nunca vai morrer. Assim como a medusa, nossa amizade vai rejuvenescer e voltar a ser tão forte quanto é agora.
Eu sorri, a inteligência de Sarah me espantava e ao mesmo tempo me deslumbra.
-Daqui a cinco anos, vamos nos encontrar na estátua da universidade de São Antônio e unir nossos pingentes de medusa, e não importa o que aconteça, nossa amizade vai recomeçar.
Sarah se inclinou e me deu um beijo, foi simples, seus lábios apenas tocaram os meus, mas aos treze anos pareceu uma declaração de amor. Ela deitou sua cabeça em meu ombro e assistimos o sol se pôr atrás das montanhas deixando o céu alaranjado. De repente voltei para universidade, nem percebi que já tinha escurecido e eu estava sozinha. No celular tocava a música "Without me - Halsey", parecia cair como uma luva na minha situação. Sarah não apareceu, isso não faz sentido, essa universidade era o sonho dela. Inclinei o corpo para baixo e esfregue as mãos no rosto como se tentasse acordar daquele sonho ruim, onde ela está? Saltei do banco e caminhei lentamente acompanhando a batida da música, minha mente desenhava o rosto de Sarah em cada pessoa que passava por mim, como uma estranha pareidolia. Entrei no meu prédio, subi as escadas, empurrei a porta e Camila surgiu diante de mim discutindo no telefone.
-Garota, você precisa se trocar - disse ela - temos uma festa para ir.
-Eu acabei de chegar.
-Nem tente arrumar desculpa, você vai sim - disse ela me empurrando sobre a mala.
Descemos a escada e caminhamos até uma caminhonete vermelha estacionada na esquina. Camila ria e dizia o quanto Zuri me elogiava. De repente uma garota passou por mim e bateu seu ombro no meu peito, meu corpo foi empurrado para trás, virei o rosto confusa. Eu conhecia aquele perfume.
-Sarah? - perguntei.
Ela parou ainda de costas para mim, ficou alguns segundos sem se mover, como se questionasse se deveria se virar. Vestia uma blusa preta cumprida que cobria quase todo seu corpo. Ela virou lentamente e seus olhos subiram do chão como se lutassem contra a situação.
-Oi Mack.
-Eu fui no nosso ponto de encontro hoje - comentei - você não foi.
-Eu fui, a data do encontro era ano passado.
-Não - respondi - foi hoje.
Sarah arrastou os olhos para Camila.
-Preciso ir - disse Sarah - a gente se vê.
Sarah deu as costas e se afastou, apertando a blusa na frente do corpo. Eu lancei meus olhos para o chão, tentava lembrar a data que marcamos, parecia errado. Camila se aproximou e tocou meu braço.
-Fica longe dela - disse Camila.
-Por quê?
-Ela é problema - Camila respondeu.
Acompanhei Sarah desaparecer na escuridão, enfiei a mão no bolso e senti o pingente de medusa. O que aconteceu? Por que ela foi tão fria?
-Vamos para a festa - disse Camila me puxando para dentro do carro.
A música da Halsey ecoava em minha cabeça, eu criei muita espectativa em nosso reencontro e agora estava confusa, perdida em sua atitude gélida e seu olhar vazio. Inclinei o rosto para baixo e deixei a música levar meus pensamentos para além das montanhas, por entre o horizonte, para os lábios macios e quentes de Sarah.
-Por quê você disse que Sarah é um problema?
-Esquece isso Mack, só curte a festa de boas vindas dos meninos do futebol - disse Camila jogando seus olhos para fora da janela.
Um clima tenso se formou no ar e parecia se despejar sobre meu rosto, Camila engoliu a seco e apertou os dentes, demonstrando ressentimento. Alguma coisa aconteceu entre a Camila e a Sarah, e foi algo muito ruim. Mas eu certamente não descobrirei nada hoje com a Camila. Apoiei a nuca no encosto do banco e suspirei, amanhã tento conversar com a Sarah, agora vou apenas tentar relaxar na tal festa.
Camila apresentou o garoto que dirigia o carro como Chance, seu namorado. Ele vestia o casaco oficial do time de futebol da universidade, vermelho com as mangas cinzas e o logotipo da universidade em branco. Sua pele negra combinava gentilmente com o casaco, cabelo preto penteado para cima, e um piercing transversal na orelha direita. Ele me lançou um sorriso pelo espelho retrovisor mas se manteve em silêncio o caminho todo. Estacionamos diante de uma mansão isolada em uma estrada arborizada, saltamos do carro, Camila e Chance sussurravam de forma agressiva como uma briga sufocada, dei as costas e caminhei até a porta de entrada da casa, cruzei os braços e aguardei. De repente ouvi um som de impacto, como se alguma coisa pesada se chocasse com a lataria do carro, virei o rosto e Camila caminhou até mim olhando para o chão e esfregando os braços como se estivesse com frio, Chance passou por ela e jogou um sorriso forçado.-Você é a melhor amiga da Zuri? - Chance perguntou
No som a música "Ginga - Iza com participação especial Ricon Sapiência", tocava no último volume. Alice dançava diante de mim, movendo seu corpo suavemente com a batida da música, sensualizando sem ser vulgar. Eu joguei um sorriso malicioso, meus olhos passeavam por suas curvas e fazia minha mente deslizar por seu corpo. De repente uma garota bateu o ombro no meu peito perdendo o equilíbrio, seu corpo desceu como se perdesse a consciência. Inclinei meu corpo para baixo e agarrei a blusa da garota puxando seu corpo para cima.-Carson? - perguntei.Ela jogou seus olhos vazios para meu rosto, como se não estivesse totalmente consciente. Empurrei o corpo dela para trás sobre uma cadeira, ela levantou o rosto e passou os olhos ao redor como se não soubesse onde está.-Carson - gritei sobre seu rosto.Ela não reagiu, estava totalmente aeria.-Fica aqui, vou pegar uma garrafa de água - Sussurrei.Dei as costas e caminh
Joguei meu corpo na cama, enfiei os fones no ouvido, coloquei a playlist no aleatório e a música "Nós 2 - Jade Baraldo" começou a tocar bem baixinho. Fechei os olhos, respirei fundo e deixei a batida da música me envolver. Minha mente atravessou as paredes de tijolos e visitou o quarto da Sarah, me imaginei batendo na porta, ela abrindo vestindo apenas um hobby transparente, dei um passo para frente ficando a centímetros do seu rosto. Ela levantou os olhos me devorando silenciosamente, mordeu o lábio inferior como se tentasse controlar seus desejos, enfiei a mão dentro de seu hobby, deslizei os dedos nas suas costas e a puxei contra meu corpo, toquei seus lábios com um beijo apaixonado. Ela abriu o hobby e o deixou se desmanchar no chão, levantou o rosto e soltou um gemido abafado enquando meus lábios deslizavam por seu pescoço, desci as mãos desenhando as curvas de sua bunda e a empurrei sobre a cama. Tirei minha blusa jogando para trás, subi na cama sobre ela, toquei seu seio com
Joguei meu corpo na cama, lancei meus olhos para o teto, senti uma pontada no topo da cabeça que se estendeu para a testa. Camila se sentou na cama dela em silêncio, esfregou a palma das mãos na calça. Virei o rosto para ela.-Está tudo bem? - perguntei.Camila balançou a cabeça de forma positiva. O celular dela acendeu a tela, ela virou o rosto e soltou um suspiro desanimado.-Você precisa denunciá-lo - comentei.-Não posso.-Por quê? - perguntei.-Ele é o melhor amigo do Daniel.-É daí? - perguntei.-Se eu fizer qualquer coisa contra o Chance - Camila fez uma pausa - Daniel vai fazer da minha vida um inferno.-Você prefere apanhar? - perguntei.-Eu prefiro que ninguém saiba o que aconteceu.-Se você não denunciá-lo, vai fazer ele ac
Camila empurrou a porta e entrou sorrindo, apanhou o copo de café da Alice e bebeu um gole.-Zuri vai chegar daqui a pouco - disse Camila apoiando o copo na mesa - Vai pegar seu biquíni.Alice saltou da cama, se inclinou e me deu um beijo suave, apanhou o copo de café e saiu do quarto. Camila me lançou um olhar malicioso.-Você é lésbica - Disse Camila com uma feição de espanto - E está com a Alice.-Sim.-Aquele abraço que nós demos é de amizade, tá? - Camila perguntou.-Tá bom.-Apenas estou esclarecendo para que não haja nenhum conflito de interesses - disse Camila.-Não se preocupe, você não faz meu tipo.-Que bom - Camila suspirou - Qual é seu tipo?-O tipo que gosta de mulher.-Ah, sim, isso é importante. - disse Camila com um sorriso tímido.-Ser heterossexual não te faz querer transar com todos os homens que você conhece. Você tem su
Dormi muito bem durante a noite, acordei animada e ansiosa tanto para ver a Sarah quando para meu primeiro dia de aula. Saltei da cama antes do celular despertar, vesti a roupa que eu mais gosto, passei perfume, enfiei a carteira e o notebook na mochila e desci as escadas pulando os degraus. Atravessei a porta e me surpreendi, a rua estava lotada de estudante caminhando em direção ao prédio da universidade, desci a rua até o banco de pedra próximo a escada da praça e aguardei. Sarah surgiu entre a multidão, saltei do banco e me aproximei com um sorriso apaixonado.-Oi.-Oi - Sarah Sussurrou.Ela apertou os lábios e me lançou uma expressão fria, separei os braços e apertei a sobrancelha confusa. Ela passou por mim se encolhendo dentro do casaco, eu corri e saltei diante dela.-O que aconteceu? - perguntei.-Voltamos para a realidade.-Do que você está falando? - perguntei.Sarah arrastou os olhos para
Abri os olhos lentamente, estava deitada em uma cama com o rosto voltado para cima, paredes brancas, alguns aparelhos acoplados a parede soltando um ruído agudo. Meu corpo estava pesado, com frio e levemente dolorido. Levantei a cabeça com dificuldade, minhas mãos estavam enfaixadas com sinais de sangue. Meu braço esquerdo estava enfaixado desde a ponta do dedo até o cotovelo. Virei o rosto e minha mãe estava sentada em uma poltrona de couro preta, apoiada em uma grande janela com grades que permitiam a entrada da luz do dia. Minha mãe estava com o rosto inclinado para baixo e os olhos fechados. De repente uma mulher entrou no quarto, com uniforme verde, com uma bandeja nas mãos e algumas seringas. Ela me lançou um sorriso gentil como se estivesse feliz em me ver.-Olá.-Oi - respondi.-Você está sentindo dor?-Não - respondi.Ela enfiou a agulha no suporte do soro e jogou um líquido amarelado a substância.-Iss
Não sei por quanto tempo dormi, mas quando abri os olhos Sarah ainda estava sentada na poltrona, com os braços cruzados sobre o peito, o rosto um pouco inclinado para baixo e os olhos fixos no meu rosto. Seu olhar parecia distante, acima de nós, por entre as lembranças claramente difíceis, uma expressão de sofrimento estampava seu rosto delicado. De repente desviou o olhar.-Está tudo bem? - perguntei.-Sim.Sua voz estremeceu, suas mãos agarraram o braço da poltrona, seus dedos afundaram o couro, seus olhos se arrastavam no chão para longe do meu rosto como um rato fugindo de um gato feroz. Sua pele como seda deu lugar a um tom de rosa claro, uma gota de suor deslizou por sua testa e explodiu na gola de sua blusa preta, seus olhos arregalados percorriam a linha do piso em direção a porta. Ela passou a lingua suavemente por entre os lábios, e mordiscou seu lábio inferior enquanto apertava a sobrancelha.-O que está te incomodando? - pe