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Medusa
Medusa
Por: Ashira Guedes
Capítulo 1 - Without me

O sol surgiu no horizonte lentamente, lançou seus raios por entre as frestas da janela de madeira, tocando suavemente a pele do meu rosto. Meus olhos cansados presos no teto, fruto de uma noite sem dormir acompanhavam a escuridão se curvar perante a magestosa luz do dia. Impulsionei meu corpo para cima me sentando sobre a cama, inclinei meu rosto para baixo procurando o celular. Virei o rosto e admirei as malas prontas, senti uma pontada na boca do estômago, estou fazendo a coisa certa? Saltei da cama, caminhei pelo corredor silencioso desenhado por quadros e enfeites, empurrei a porta do banheiro e meu reflexo surgiu no espelho me encarando. Apoiei as mãos na pia, puxei o ar até meus pulmões se encherem completamente e soltei lentamente. O reflexo não parecia ser meu, tinha meus traços, mas não a minha essência, como uma máscara de silicone ocultando minha alma. Entrei no box, abri o chuveiro e enfiei a cabeça em baixo da água, fechei os olhos e senti a água quente deslizar por meu corpo, como se empurrasse meu cansaço para o ralo. Sai do banheiro enrolada na toalha, atravessei o corredor, empurrei a porta do quarto e minha mãe surgiu sentada em minha cama. 

-Acordou cedo - disse ela com um sorriso gentil - Não quer mesmo que seu pai te leve? 

-Não mãe, posso ir sozinha. 

-Você que sabe - disse ela se afastando. 

Vesti uma calça jeans azul escura, blusa preta, sapato all star branco e pentiei meu cabelo curto para o lado direito. Apanhei as malas e desci as escadas, sorri para meus pais na cozinha, empurrei a porta da sala e joguei as malas no porta malas do carro. Voltei para dentro de casa, sentei a mesa e me preparei para tomar o último café da manhã em família. 

-Pegou o carregador de celular, chaves e documentos? 

-Peguei mãe. 

-Logo você será médica e trabalhará comigo - disse meu pai com um largo sorriso. 

Balancei a cabeça de forma positiva e voltei a comer. Meu pai contou algumas histórias do hospital, mal podia controlar a felicidade de ver sua filha seguir seus passos e estudar medicina, já que meu irmão mais velho foi para o exército, sou a única esperança dele. Me despedi dos meus pais de forma calorosa, entrei no carro e afastei vendo meus pais desaparecerem no retrovisor. No som do carro tocava a música "Breakaway - Kelly Clarkson", antiga mas descrevia exatamente meus sentimentos. As lágrimas deslizaram por meu rosto enquanto a cidade se escondia atrás das montanhas da estrada, se perdendo no espelho retrovisor. Dirigi por cinco horas até enfim me aproximar da Universidade de São Antônio, a referência em medicina e direito. Estacionei diante do prédio vermelho, subi as escadas, empurrei a porta e uma garota surgiu diante de mim. 

-Oi

-Oi - respondi. 

-Você deve ser a Mackenzie. 

-Sim, mas pode me chamar de Mack - respondi. 

-Eu sou a Camila, escolhi minha cama, mas se você quiser, podemos trocar. 

-Não - respondi - posso ficar com a outra cama. 

Minha colega de quarto é interessante, pele negra, cabelos pretos de dread com cera, olhos castanhos escuros, maquiagem discreta, blusa marrom, calça bege e sandálias. Nas paredes pôsteres de paisagens e símbolos budistas. 

-Zuri me falou de você - disse Camila - Vocês foram amigas não é? 

-Sim, mas não a vejo há cinco anos. 

Virei o relógio de pulso digital para meu rosto e notei que estava na hora do meu encontro. 

-Sabe onde fica a estátua? - perguntei. 

-Sim, é só seguir a feixa amarela no chão. 

Agradeci e saltei para o corredor, desci as escadas, sai do prédio e segui a faixa amarela. Andei por cinco minutos até enfim encontrar a estátua, sorri aliviada, sentei no banco voltado para a porta central da universidade, enfiei a mão no bolso e apanhei um pingente em forma de medusa. Minha mente voltou no tempo, por cinco anos até uma tarde fria, eu estava sentada em uma toalha de mesa, em baixo de uma grande árvore, com as costas apoiada no tronco. Ao meu lado Sarah Sorria gentilmente dizendo o quanto nossa amizade era importante para ela. Uma garota linda, cabelos ruivos cacheados, pele branca com sardas, olhos verdes e aparelhos nos dentes. Vestia calça jeans surrada, blusa azul clara, jaqueta jeans e sapatos all star brancos. Ela tirou um pingente de medusa do bolso da calça e me entregou. 

-É uma água viva - comentei. 

-É uma Turritopsis nutricula, uma medusa imortal. Mesmo que você tenha que se mudar, mesmo que fiquemos por anos sem nos falar, nossa amizade nunca vai morrer. Assim como a medusa, nossa amizade vai rejuvenescer e voltar a ser tão forte quanto é agora. 

Eu sorri, a inteligência de Sarah me espantava e ao mesmo tempo me deslumbra. 

-Daqui a cinco anos, vamos nos encontrar na estátua da universidade de São Antônio e unir nossos pingentes de medusa, e não importa o que aconteça, nossa amizade vai recomeçar. 

Sarah se inclinou e me deu um beijo, foi simples, seus lábios apenas tocaram os meus, mas aos treze anos pareceu uma declaração de amor. Ela deitou sua cabeça em meu ombro e assistimos o sol se pôr atrás das montanhas deixando o céu alaranjado. De repente voltei para universidade, nem percebi que já tinha escurecido e eu estava sozinha. No celular tocava a música "Without me - Halsey", parecia cair como uma luva na minha situação. Sarah não apareceu, isso não faz sentido, essa universidade era o sonho dela. Inclinei o corpo para baixo e esfregue as mãos no rosto como se tentasse acordar daquele sonho ruim, onde ela está? Saltei do banco e caminhei lentamente acompanhando a batida da música, minha mente desenhava o rosto de Sarah em cada pessoa que passava por mim, como uma estranha pareidolia. Entrei no meu prédio, subi as escadas, empurrei a porta e Camila surgiu diante de mim discutindo no telefone. 

-Garota, você precisa se trocar - disse ela - temos uma festa para ir. 

-Eu acabei de chegar. 

-Nem tente arrumar desculpa, você vai sim - disse ela me empurrando sobre a mala. 

Descemos a escada e caminhamos até uma caminhonete vermelha estacionada na esquina. Camila ria e dizia o quanto Zuri me elogiava. De repente uma garota passou por mim e bateu seu ombro no meu peito, meu corpo foi empurrado para trás, virei o rosto confusa. Eu conhecia aquele perfume. 

-Sarah? - perguntei. 

Ela parou ainda de costas para mim, ficou alguns segundos sem se mover, como se questionasse se deveria se virar. Vestia uma blusa preta cumprida que cobria quase todo seu corpo. Ela virou lentamente e seus olhos subiram do chão como se lutassem contra a situação. 

-Oi Mack. 

-Eu fui no nosso ponto de encontro hoje - comentei - você não foi. 

-Eu fui, a data do encontro era ano passado. 

-Não - respondi - foi hoje. 

Sarah arrastou os olhos para Camila. 

-Preciso ir - disse Sarah - a gente se vê. 

Sarah deu as costas e se afastou, apertando a blusa na frente do corpo. Eu lancei meus olhos para o chão, tentava lembrar a data que marcamos, parecia errado. Camila se aproximou e tocou meu braço. 

-Fica longe dela - disse Camila. 

-Por quê? 

-Ela é problema - Camila respondeu. 

Acompanhei Sarah desaparecer na escuridão, enfiei a mão no bolso e senti o pingente de medusa. O que aconteceu? Por que ela foi tão fria? 

-Vamos para a festa - disse Camila me puxando para dentro do carro. 

A música da Halsey ecoava em minha cabeça, eu criei muita espectativa em nosso reencontro e agora estava confusa, perdida em sua atitude gélida e seu olhar vazio. Inclinei o rosto para baixo e deixei a música levar meus pensamentos para além das montanhas, por entre o horizonte, para os lábios macios e quentes de Sarah. 

-Por quê você disse que Sarah é um problema? 

-Esquece isso Mack, só curte a festa de boas vindas dos meninos do futebol - disse Camila jogando seus olhos para fora da janela. 

Um clima tenso se formou no ar e parecia se despejar sobre meu rosto, Camila engoliu a seco e apertou os dentes, demonstrando ressentimento. Alguma coisa aconteceu entre a Camila e a Sarah, e foi algo muito ruim. Mas eu certamente não descobrirei nada hoje com a Camila. Apoiei a nuca no encosto do banco e suspirei, amanhã tento conversar com a Sarah, agora vou apenas tentar relaxar na tal festa. 

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