GUTEMBERG
Passei pelos seguranças sem hesitar, mas o peso dos olhares nas minhas costas era palpável. Dentro da boate, a música grave pulsava, quase abafada pelas paredes. O ar era denso, carregado de fumaça e tensão. Seja lá o que estivesse me esperando, não parecia coisa boa.
GUTEMBERGAinda segurando o álbum de fotografias, eu senti um tremor passar pelo meu corpo. Cada página virada era um soco no estômago, uma demonstração crua e revoltante da monstruosidade que me cercava. O rosto das garotas, algumas tão jovens que poderiam estar no ensino médio, me encarava com expressões vazias, como se toda fagulha de esperança já tivesse sido arrancada delas.Era insuportável.— As melhores do mercado, Gutemberg. Nós selecionamos a dedo — disse KJ, com um sorriso nojento e os olhos brilhando com um entusiasmo que fazia meu sangue ferver.As palavras me atingiram como um tapa. Apertei o álbum com tanta força que minhas juntas ficaram brancas. Cada centímetro de mim gritava para explodir, mas eu permaneci sentado, forçando-
GUTEMBERGEnquanto tentava organizar meus pensamentos, um dos seguranças entrou na sala. Ele inclinou-se para KJ e sussurrou algo em seu ouvido, rápido, baixo demais para que eu conseguisse captar. KJ franziu o cenho, mas logo sua expressão mudou para algo que misturava fúria e excitação.— Com licença, Gutemberg. Parece que algo exige minha atenção imediata. — Ele se levantou, ajeitando o terno, e saiu da sala com passos firmes.Observei cada movimento dele, como um predador esperando pelo momento certo de atacar. Não fazia ideia do que tinha acontecido, mas a reação de KJ me dizia que era algo grande. Talvez fosse minha chance de fazer algo ali, mas o segurança que permaneceu na sala me encarava, seus olhos me analisando como se soubesse exatamente o que eu estava pensando.
GUTEMBERGEu sinto as mãos de KJ apertando as minhas, afastando-as do seu pescoço enquanto ele tosse sangue, o barulho rouco cortando o ar. Não é a primeira vez que vejo um homem em desespero, mas isso não me impede de sentir uma satisfação sádica ao ver ele ali, sufocando com sua própria podridão. Mas os seguranças de KJ já estão me puxando, tentando me afastar dele, e a confusão toma conta da cena. Eles não sabem se devem me bater ou apenas ficar em silêncio. O medo deles está estampado em seus rostos.Os nossos olhares se encontram, e a tensão é palpável. Eu sinto meu corpo se aquecer de raiva enquanto encaro o bastardo, com uma fúria que ameaça transbordar, mas preciso manter o controle. Eu já cometi um erro, isso eu sei. Estou
DAVINAO carro seguia pela estrada, e o silêncio pesado era preenchido apenas pelo som abafado do motor e do pneu rasgando o asfalto molhado. A chuva tamborilava no teto do veículo, porque o clima não poderia ser gentil e oferecer uma madrugada tranquila, não, tudo tinha que terminar em uma tempestade sugestiva e esmagadora, igual quando você cria uma enorme expectativa sobre uma comida e quando finalmente prova, falta sal. O barulho dos pingos de chuva batendo contra o carro, criam uma melodia descompassada, enquanto eu me encolhia no banco do passageiro, os braços cruzados e o olhar fixo na janela. Não que houvesse algo de interessante para ver. Gotas escorriam pelo vidro, distorcendo o mundo lá fora, mas pelo menos me davam uma desculpa para não olhar para ele.Gutemberg resmungava algo sob a respiração, provavelmente para si, mas eu sabia que era sobre mim. Não era novidade. Tudo nele, da maneira como segurava o volante com firmeza demais às sobrancelhas franzidas, gritava irritaç
DAVINAEu engoli em seco, o desconforto crescendo. Estar sozinha com ele no carro já era complicado. Ir para a casa dele? Algo me dizia que as coisas estavam prestes a ficarem mais confusas.Gutemberg estacionou em frente a um prédio de fachada discreta, suas luzes piscando suavemente como se refletissem meu estado interno. Antes que eu pudesse pensar em abrir a porta e sair correndo, ele já havia contornado o carro e aberto a minha porta, sua mão segurando meu braço com firmeza, mas sem machucar. A chuva continuava batendo suavemente no teto do carro, como uma trilha sonora dramática para o que quer que fosse isso entre nós. Ele me olhou de cima a baixo, uma avaliação que fez o sangue subir ao meu rosto.— Anda logo, Davina. Não tenho o dia todo. — Sua voz era impaciente, mas havia algo mais ali, algo que me deixava inquieta.— Eu não pedi para vir até aqui. — Puxei meu braço, mas ele não cedeu.— Não pediu, mas veio mesmo assim. — Ele arqueou uma sobrancelha, aquele sorriso irritant
DAVINAEstar na casa de Gutemberg já era estranho o suficiente, mas o peso dos braços de Aaron ao meu redor tornava tudo ainda mais deslocado, principalmente pela forma como Gutemberg estava nos observando. Ele estava encostado na porta, os braços cruzados, me encarando com uma expressão indecifrável.Engoli em seco, sentindo meu rosto aquecer e tentei me desvencilhar de Aaron.O que diabos esses caras querem de mim? E que tipo de pessoa se sente atraída pelo ex da irmã? Principalmente, um ex tóxico.— O que você está fazendo aqui? — perguntei a Aaron, tentando ignorar que ele ainda não havia me soltado. Ele finalmente me largou e se jogou no pequeno sofá ao lado, um sorriso despreocupado dançando em seus lábios.— Eu segui o Fantasma. — respondeu ele, apontando com o queixo na direção de Gutemberg. — Não confio nele.Gutemberg bufou, e o som reverberou pela sala, carregado de desprezo. Mas eu me senti aliviada, quase grata por Aaron estar aqui. Um rosto familiar era exatamente o que e
DAVINAO silêncio dentro do carro era ensurdecedor. A única trilha sonora era o ronco baixo do motor e o tamborilar nervoso dos meus dedos contra a perna. Gutemberg parecia tão desconfortável quanto eu, uma mão no volante e a outra descansando no câmbio, os olhos fixos na estrada à frente.Finalmente, criei coragem para romper o silêncio.– Obrigada. – Minha voz soou mais fraca do que eu queria. – Por ter libertado meu pai das mãos do KJ.Gutemberg não desviou os olhos da estrada, mas seus dedos no volante ficaram tensos.– Eu vou pagar o dinheiro de volta. Não sei como, mas vou dar um jeito.Ele soltou uma risada curta, áspera, que parecia mais um reflexo do que uma reação genuína.– Não precisa se preocupar com isso agora.A forma como ele disse aquilo, como se o assunto fosse insignificante, me irritou.– Não me preocupar? Meu pai foi sequestrado por pegar dinheiro emprestado com um criminoso, e agora eu tenho uma dívida com outro criminoso. Claro que vou me preocupar!Bufei, cruzan
GUTEMBERGMe sentei na beira do colchão enquanto o peso da noite passada pairava como um nevoeiro sufocante. A boate, KJ, o caos... Tudo uma bagunça que eu sabia que acabaria em um confronto inevitável com meu pai. A madrugada tinha sido longa, e o relógio já marcava quase oito da manhã. Eu não dormi nem um minuto. Como poderia?Só que isso era o de menos. O que realmente queimava em mim era outra coisa. Pryia.KJ tinha traficado minha ex, o pior, é que havia uma chance real de meu pai estar envolvido. Não podia falar o nome dela, nem mesmo cogitar que ele soubesse sobre nossa ligação. Eu precisava descobrir se foi um golpe consciente ou apenas coincidência.Encostei na bancada da cozinha, em um dos poucos móveis que eu mesmo tinha escolhido. O esconderijo era funcional, discreto, mas nada aqui parecia meu. Fiz um café e bebi, então tomei um banho e troquei de roupa, escolhendo algo que não chamasse atenção. Olhei rapidamente para o espelho rachado do banheiro. Meus olhos estavam fund