4. Um Passo de Cada Vez

“Alguns dias depois… Por Henry Blackwood”

Após três horas de reunião com os acionistas, permaneço na cadeira enquanto os outros membros deixam a sala. Junto o relatório em cima da mesa, observando Benjamin, que me lança o mesmo olhar de todo o tempo da reunião.

— Então? — pergunto assim que a porta se fecha, deixando-nos a sós. Benjamin arqueia as sobrancelhas, fingindo não entender. — Você estava inquieto durante toda a reunião.

— Estava ansioso para te mostrar isso — ele sorri, abrindo uma revista de negócios sobre minha mesa. — Parece que dessa vez você estava errado sobre Sebastian.

Franzo o cenho ao ver as reportagens. São fotos de Evie Ashford em aparições recentes. Em uma delas, ela sorri em um café próximo à Torre Eiffel. Em outra, posa elegantemente diante da Galleria Vittorio Emanuele II, em Milão.

— Paris, Milão… Talvez a pressão tenha sido demais, afinal — Benjamin comenta com um tom debochado. — E a querida CEO da Majestic decidiu se rebelar.

— Interessante — murmuro, afastando a revista. — No fim, ela se mostrou exatamente como todos no meio imaginaram: apenas mais uma herdeira mimada. — Balanço a cabeça em negativa, rindo da minha própria ingenuidade por acreditar que ela fosse diferente. — Tão previsível.

— Você não parece satisfeito — Ben observa, ajustando os óculos.

— Satisfeito? — solto uma risada seca. — Só sinto pelo pai dela. Charles Ashford confiou o trabalho de uma vida nas mãos da filha. Quando tudo ruir sob a administração de Sebastian, ele certamente vai se revirar no caixão.

— Preciso continuar de olho? Estamos falando de Sebastian sendo seu concorrente, Henry. Isso muda algumas coisas — ele comenta, ajeitando os óculos. — Vai fazer algo a respeito? 

— Por enquanto, não — dou de ombros, recostando-me na cadeira. — Mas você sabe, Ben. Sempre que tiver a mínima oportunidade, farei de tudo para piorar a vida de Sebastian. E tudo o que eu fizer ainda será pouco comparado ao que ele fez à minha…

O toque do meu celular interrompe minha fala. Pego o aparelho e encontro uma mensagem de Harper.

“Vamos jantar na casa dos meus pais hoje? Você não compareceu ao último convite…”

Reviro os olhos, irritado.

— Algo errado? — Benjamin pergunta, observando minha reação.

— Parece que Harper esqueceu nosso acordo e voltou a levar esse relacionamento a sério — passo a mão no rosto, exausto. — Está me convidando para jantar com os pais pela terceira vez em menos de uma semana.

— E qual o problema nisso? — ele questiona, inclinando a cabeça. — Harper ocupa um ótimo título, Henry. É óbvio que ela começaria a fantasiar algo mais sério.

— Sim, ela ocupa, mas nunca prometi amor, muito menos casamento. O título é pura conveniência — murmuro, já achando que tudo isso está indo longe demais. — O pai dela já deixou claras suas intenções com a All Seasons, e isso está fora de cogitação. Que ele encontre outro para se encostar.

Olho mais uma vez para a revista sobre minha mesa, para a foto de Evie Ashford sorrindo em Paris. Por mais que as provas estejam literalmente à minha frente, a sensação de que algo está errado continua a me incomodar. Afinal, se tem uma coisa que aprendi nesses anos é que, quando Sebastian está envolvido, nada é o que parece.

— Você ficou quieto de repente — Benjamin observa, me estudando com atenção.

— Apenas pensando — respondo vagamente, fechando a revista. — Mas, dessa vez, nada disso é problema meu. Que Evie Ashford se divirta com o que ela mesma escolheu.

[…]

“Evie Ashford”

Minhas mãos tateiam a superfície da penteadeira enquanto tento chegar ao banheiro, mas acabo derrubando algo que faz um som metálico ao cair. Provavelmente meu frasco de perfume. Antes, eu saberia com certeza, mas, há quase um mês, desde o acidente, tudo tem sido um eterno ciclo de incertezas e adaptações.

Abaixo-me lentamente, procurando pelo objeto no chão. O silêncio da casa é perturbador; nunca prestei tanta atenção aos sons como agora. O tic-tac do relógio, o vento contra a janela, minha própria respiração…

Quando finalmente encontro e reconheço o frasco, seu cheiro me transporta para outro momento. O perfume que usei em Genebra, escolhido especialmente para aquela ocasião. E, de repente, não estou mais no escuro.

Dois meses atrás — Genebra.

O salão do Hotel Beau-Rivage estava repleto dos nomes mais importantes do ramo hoteleiro mundial para a licitação de um novo resort em Capri. O burburinho das conversas em diferentes idiomas preenchia o ambiente, mas minha atenção estava focada nos últimos detalhes da minha apresentação.

— Evie Ashford — uma voz grave me fez erguer os olhos dos papéis em minhas mãos. — Então, essa é a jovem CEO que está agitando o mercado europeu.

Alto, porte imponente, olhar penetrante. Henry Blackwood dispensava apresentações, mas, ainda assim, estendeu a mão com um sorriso presunçoso que me irritou imediatamente.

— Sr. Blackwood — apertei sua mão com firmeza, sustentando seu olhar. — Confesso que esperava alguém mais… intimidante.

— E eu esperava alguém menos… atrevida — ele respondeu, sorrindo de lado.

— Bom, então ambos estamos ligeiramente decepcionados — retruquei. Não seria ele quem me desestabilizaria naquela apresentação, e eu sabia exatamente que era isso que ele queria.

Ainda com seu sorriso irritante, ele se afastou, e logo começaram as apresentações. Quando chegou a minha vez, senti seus olhos me estudando, analisando cada palavra e gesto. Quando ele teve a chance de questionar, foi implacável, como se soubesse exatamente o que eu ia dizer.

Quando Henry apresentou sua proposta, entendi o porquê. Cada detalhe… era como se tivéssemos pensado da mesma forma. Ele desceu do palco e nossos olhares se encontraram novamente. Desta vez, havia uma mistura de respeito e algo mais… um entendimento silencioso de que nenhum de nós cederia facilmente.

Presente…

Um arrepio me traz de volta à realidade. À escuridão.

É engraçado como a memória funciona; um simples aroma pode nos transportar no tempo, nos fazer reviver momentos com tanta clareza que quase podemos vê-los novamente. Naquele dia, provei que não era apenas a filha de Charles Ashford. Era Evie Ashford, CEO da Majestic por mérito próprio.

Coloco o frasco de volta na penteadeira, desta vez com mais cuidado. Afasto-me devagar, contando os passos até a cama. Sete. Antes, eu atravessava este quarto sem nem pensar. Agora, cada movimento é calculado. Por enquanto, estou aprendendo a redescobrir meu próprio mundo. Um passo de cada vez. Sete passos até a cama. Doze até o banheiro. Vinte até a porta.

E quem sabe quantos até voltar a ser quem eu era.

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