“Evie Ashford”
O som familiar dos passos de Sebastian no corredor me faz sorrir antes mesmo de ele entrar. Como todas as manhãs deste último mês, ele chega ao quarto trazendo meu café da manhã, mas desta vez, sua energia é contagiante: abre as cortinas, cantarola…
Desde o acidente, Sebastian tem sido meu porto seguro, o único que permaneceu. Seguindo seu conselho, tenho evitado contato direto com as pessoas. A ideia de sentir a pena nos olhares alheios, mesmo sem poder vê-los, me sufoca.
Mas, às vezes, no silêncio da casa, sinto falta das minhas amigas. Das risadas, das conversas, da cumplicidade. Sebastian diz que elas me mandam mensagens, sempre com desculpas elaboradas sobre compromissos inadiáveis. É mais fácil assim, suponho. Mais fácil para elas lidarem com minha ausência do que com minha nova realidade.
Ao menos tenho Sebastian. Seu otimismo teimoso, sua presença constante. E, por enquanto, isso precisa ser suficiente.
— Bom dia, querida — Sebastian me saúda com um beijo suave. — Dormiu bem?
— Bom dia, meu amor. Sim, mas senti falta de você. Não percebi quando chegou ontem. Por que se levantou tão cedo?
— Fiquei até tarde resolvendo algumas coisas da empresa e, quando vim para o quarto, te vi dormindo tão serenamente que preferi dormir no quarto de hóspedes para não te acordar — ele responde, sentando-se ao meu lado e colocando a bandeja no meu colo.
— Sinto tanto por deixar a Majestic nas suas costas — sussurro.
— Faço isso porque te amo. Para mim, é um prazer, não um trabalho — ele responde com carinho, beijando minha bochecha. Enquanto tomo o café da manhã, ele acrescenta: — Querida, sabe que, por mim, esperava você se recuperar para voltar, mas como você insistiu, o Sr. Thompson virá daqui a pouco. Infelizmente, o conselho está pressionando.
Ao ouvir suas palavras, sinto um nó se formar na garganta, tão intenso que dificulta engolir o chá. A ideia de alguém ver minha situação atual, sem que eu mesma saiba como estou fisicamente, apenas aumenta meu desconforto.
— Não sei se estou pronta para… — corto minhas palavras, entregando-lhe a xícara. — ...ser vista assim. Pareço um monstro cego.
— Pare com isso. Você continua linda — ele diz, acariciando minha perna. — Mas, como imaginei que você se sentiria mal, ele também não sabe que você está… nessas condições. Acho um exagero você se esconder, mas disse ao Sr. Thompson que você chegou de viagem há pouco e está completamente exausta. Isso justificará seu olhar cansado, quase distante.
— Sebastian, eu não vou conseguir assinar os papéis soz…
— Também pensei nisso, querida — meu marido me corta, suspirando. — Expliquei que você sofreu uma queda durante a viagem e ainda sente dores ao realizar certos movimentos. Algo simples, mas suficiente para justificar minha ajuda para assinar. — Sebastian se levanta lentamente, segurando minha mão em seguida. — Vem, agora vou ajudá-la a trocar essa roupa. Não quero que outro homem veja o corpo que é só meu.
Sorrio diante do comentário e me levanto, aceitando sua ajuda. Após Sebastian escolher uma roupa que cubra boa parte do meu corpo, estou pronta em poucos minutos. No mesmo instante, a governanta chama, avisando sobre a chegada do Sr. Thompson, o antigo advogado do meu pai.
Com a ajuda de Sebastian, um lembrete constante das minhas novas limitações, caminho lentamente até o escritório.
— Evie, que bom vê-la novamente — a voz cansada e firme do Sr. Thompson soa assim que entramos no escritório. Sinto sua mão nas minhas costas enquanto me sento. — Fiquei preocupado com sua ausência. Por que decidiu…
— Sr. Thompson — Sebastian o interrompe rapidamente, parando ao meu lado — é um prazer vê-lo aqui. Mas não acho que devemos prolongar isso. Evie precisa descansar, não é, querida?
— Sim… minha cabeça está estourando.
— Compreendo. Trouxe os documentos necessários para que você, Sebastian, assuma a Majestic enquanto a Evie está ausente por… motivos pessoais — o velho senhor diz, hesitante. Ouço o barulho dos papéis sendo colocados à minha frente. Após alguns minutos, ele acrescenta: — Droga, esqueci minha caneta. Sebastian, você teria uma?
— Claro, deixe-me procurar — Sebastian responde, com um leve tom de frustração. Ouço o som das gavetas sendo abertas enquanto ele procura. Após alguns instantes, sua voz se torna mais impaciente. — Não estou encontrando nenhuma por aqui. Vou procurar lá fora — conclui, claramente irritado. — Não se preocupem, volto já.
— Não é irônico não haver uma única caneta aqui? — comento, fingindo olhar ao redor. O Sr. Thompson solta um suspiro profundo.
— Na verdade, eu… — Ele hesita antes de continuar. — Eu as escondi. Precisava falar com você a sós, Evie. Embora esteja aqui cumprindo seu desejo de redigir a procuração para que Sebastian assuma a Majestic, tomei algumas precauções. Aliás, por que você quer isso?
— Sr. Thompson, não seja como meu pai, por favor. Sebastian nunca faria nada errado — respondo, passando a mão no braço, impaciente. — Ele é meu marido, estava administrando a Majestic comigo. Me afastei porque preciso… descansar e… tirar esse tempo para mim — concluo, tentando soar convincente.
— Você realmente confia nele, Evie?
— Sim — respondo, convicta. — Confio em Sebastian e, sinceramente, sua desconfiança é um exagero!
— Então farei sua vontade, minha filha — ele diz, aproximando-se de mim. Acariciando meu ombro com gentileza, continua: — Mas, além de saber que seu pai iria se opor a isso, simplesmente não confio em Sebastian da mesma maneira que você.
Antes que eu possa retrucar, a porta do escritório se abre e Sebastian retorna. Ouço seus passos firmes antes de ele parar ao meu lado.
— Encontrei uma, querida — ele diz, colocando a caneta em minha mão. — Está tudo bem por aqui?
— Sim, tudo está bem — Sr. Thompson responde, com um tom formal e cauteloso. — Estava apenas explicando algumas formalidades a Evie.
— Certo. Bem, vamos, querida. Vou te ajudar a assinar — Sebastian diz, guiando minha mão até os papéis.
Sinto a caneta em minha mão e um novo nó se forma em minha garganta. A preocupação do velho senhor me faz hesitar por um momento, e minhas mãos começam a tremer. Sei que essa assinatura pode mudar muita coisa.
— Há algo errado, querida? — Sebastian pergunta, com um tom preocupado.
— Evie, se achar que precisa de mais tempo para pensar sobre isso, não há problema — o Sr. Thompson intervém, sua voz carregada de preocupação. — O conselho esperará, e posso voltar outro dia, se desejar.
— Não, não quero prolongar mais isso — respondo, imaginando o olhar de reprovação do advogado. — É necessário que isso seja feito, e eu confio em você, Sebastian.
Coloco minha mão sobre a mesa novamente e, com a ajuda de Sebastian, assino os documentos com uma caneta que parece pesar mais do que nunca.
— Pronto — digo, tentando afastar as palavras do Sr. Thompson da minha mente. — Está feito.
“Henry Blackwood”Desde as últimas notícias e, principalmente, a ligação anunciando que a disputa pelo resort em Capri seria entre a All Seasons e a Majestic, a imagem de Evie Ashford insiste em permanecer na minha mente. Com seus cabelos loiros, olhos esverdeados, corpo escultural e um atrevimento que parece grande demais para alguém tão baixinha, ela se tornou uma lembrança constante de como essa jovem CEO irritante conseguiu me desafiar mais do que eu esperava.Passei os últimos dias em um misto de ansiedade e irritação, tentando manter a cabeça fria. Torcia para que as propostas surpreendentemente parecidas fossem apenas uma coincidência infeliz, mas a verdade é que a incerteza não me dá paz. Sempre valorizei o controle e a certeza de estar no comando, no entanto, desde aquela apresentação, a sensação de traição e desconfiança paira sobre mim.Ao entrar na minha sala, solto um suspiro pesado e me jogo na cadeira. Ligo o computador, sentindo a familiar tensão no estômago. Em poucos
Levanto o olhar e vejo minha noiva entrando na sala com um sorriso suave nos lábios. Impecável como sempre, o vestido cinza abraça suas curvas tentadoras, e o cabelo castanho cai em ondas suaves, emoldurando seu rosto delicado.— Henry, está tudo bem por aqui? — Harper pergunta, lançando um olhar curioso para os papéis espalhados sobre a mesa. A desordem contrasta com a habitual organização a que ela está acostumada.— Está tudo bem. Apenas lidando com alguns problemas do trabalho — respondo, tentando soar casual.— Você sempre resolve tudo tão bem. Tenho certeza de que logo isso passará.— Espero que sim. O que está fazendo aqui? — pergunto, vendo-a se aproximar. Ela me dá um beijo na bochecha, senta-se no meu colo e passa os braços ao redor do meu pescoço.— Vim te lembrar que hoje é o coquetel anual da Associação Empresarial, lembra? — responde, enquanto seus dedos deslizam suavemente pelo meu pescoço. — Sabia que você se esqueceria.— Pensei que tinha deixado claro que não estava i
O aperto de mão entre nós dura um pouco mais do que o necessário, enquanto nossos olhares permanecem fixos. Sebastian mantém um sorriso presunçoso no rosto, como se estivesse desfrutando de uma piada interna. Meu maxilar se tensiona, mas mantenho a expressão neutra. Ao meu lado, Harper se mexe desconfortavelmente, seu olhar alternando entre mim e Sebastian, como se tentasse decifrar a estranha dinâmica que paira no ar.— Vocês… realmente se conhecem? — Harper pergunta. Solto um riso seco, desviando brevemente o olhar para ela antes de responder:— Está com algum problema auditivo, querida? — pergunto, deixando clara a ironia na minha voz. Harper pisca algumas vezes, como se processasse a pergunta, enquanto Sebastian, à minha frente, tenta esconder um sorriso.— Não precisa ser rude, Henry — ela murmura, desconfortável, soltando meu braço com um leve movimento. — Só achei… estranho.— O que há de estranho? Mas, respondendo à sua pergunta, sim, já tivemos o desprazer de nos cruzar alguma
“Sebastian Morgan” Henry e eu começamos nossas trajetórias no mesmo nível: sem herança, sem famílias ricas. Tudo o que conquistamos foi fruto de trabalho duro e inteligência. Mas, de alguma forma, o destino sorriu mais para ele. Ou talvez Henry sempre soubesse como manipular as coisas a seu favor. Desde que os problemas na minha empresa começaram, ele parecia saber exatamente onde atacar. Quando tudo finalmente desmoronou, ele foi o primeiro a se oferecer para comprá-la. Ver o homem que começou ao meu lado comprando o fruto do meu esforço foi devastador, mas o pior é a constante lembrança do meu fracasso. Henry nunca perde uma chance de esfregar isso na minha cara. O que ele não imagina é que os tempos ruins também começarão para ele, assim como foram para mim. Meus olhos seguem Harper enquanto ela anda pelo salão após a saída de Henry. Quando nossos olhares se encontram e ela sinaliza discretamente para o jardim, esboço um sorriso confiante. — Com licença, senhores. — digo, ol
“Evie Ashford” Os compromissos de Sebastian na empresa me deram a certeza de que ele chegaria tarde, como de costume. Sem nada além da companhia esporádica das empregadas, restou-me tentar ocupar a mente. Após passar o dia inteiro em silêncio, exceto pelos audiolivros que me distraíram nessas longas horas, ouvi sua voz na sala, abafada pela distância. Foi então que decidi segui-la. Com a privação da visão, meus outros sentidos parecem ter se aguçado, e a audição é um deles. Tateando as paredes enquanto caminhava pelo corredor, ouvi novamente a voz de Sebastian, agora em um sussurro. Um incômodo me atingiu no peito, fazendo-me franzir as sobrancelhas. Algo parecia diferente. — Sebastian, você está aí? — pergunto, tocando a última parede. Sinto o espaço ao meu redor quando finalmente entro na sala. — Oi, meu amor — ele responde rapidamente, ofegante. Levanto a sobrancelha. Afinal, o que está acontecendo aqui? — Está tudo bem? — Sim! — meu marido diz, aproximando-se. Sinto s
Sinto meu coração disparar, enquanto a raiva e o ciúme crescem dentro de mim. Com as mãos trêmulas, finalmente chego à porta da sala. Sebastian percebe minha presença e, em um instante, sua voz alegre se torna mais suave.— Bom dia, querida! — diz ele, se aproximando rapidamente. Antes que eu possa reagir, sinto seus lábios tocarem suavemente minha testa em um cumprimento. — Estava te esperando acordar. Venha, sente-se.Sem me dar tempo de protestar, ele segura meu braço e me conduz até o sofá. O incômodo dentro de mim só cresce com a presença de Kim, uma amiga íntima de Sebastian. Ele sabe o quanto minha condição me deixa desconfortável até mesmo entre conhecidos. Então, por que a trouxe aqui, sabendo que isso não me agradaria?— Oi, Evie. — ouço a voz de Kim novamente, desta vez acompanhada de um leve toque em minha mão. — Desculpe se te acordamos. Estávamos colocando a conversa em dia e acho que nos empolgamos um pouco.— O que você está fazendo aqui? — pergunto, ignorando sua descu
Já se passaram algumas semanas desde que permiti que Kim ficasse. No começo, sua presença era quase imperceptível. Se não fosse pelas refeições, eu nem notaria que havia alguém além de mim na casa. Ela respeitava meu espaço, nunca forçando sua presença enquanto eu me agarrava à minha necessidade de independência.Com o tempo, no entanto, as coisas começaram a mudar. Kim se aproximou de maneira sutil — um copo de suco aqui, um comentário sobre o clima ali. Ela descrevia o dia lá fora, mesmo sabendo que eu não podia ver. De alguma forma, isso me tocava.Agora, estamos sentadas na varanda. O ar fresco da tarde balança meus cabelos, e Kim, como de costume, descreve o céu, o brilho do sol, as nuvens preguiçosamente se movendo no horizonte. Ela faz isso com tanto cuidado que, por um instante, é como se eu pudesse enxergar novamente.— O céu está tão limpo hoje, Evie — comenta Kim. — Quase não vejo nuvens. É um daqueles dias perfeitos, sabe? Onde um banho de piscina cairia muito bem.Ela cont
Fico em silêncio por um momento, com a boca entreaberta em choque. As palavras de Lily reverberam em minha mente, mas, antes que eu possa responder, balanço a cabeça, tentando entender. Sebastian disse que eu não queria vê-las? Por quê? Balanço a cabeça lentamente, tentando encontrar uma justificativa. Ele sempre quis me proteger, mesmo quando eu não pedia, mas dizer isso a elas não faz sentido.— Lily... — começo hesitante, percebendo que preciso explicar tudo desde o início. — Aconteceu algo que vocês não sabem. Eu... tive um acidente. — O que... Por que ninguém nos contou?— Eu fiquei com vergonha de me verem assim e comentei isso com Sebastian — explico, tentando encontrar uma justificativa para o que Sebastian fez. — Ele pode ter levado isso a sério demais, mas nunca impedi que vocês me procurassem.— Evie, Chloe e eu viemos aqui duas ou três vezes, mas nunca fomos recebidas — ela responde, me guiando para sentarmos. — Na última vez, depois de muito insistir, sua governanta nos