Eu me afasto, evitando seus olhos, porque sei que, se olhar para ela agora, vou ceder novamente. Sem pensar muito, pego o capacete da moto. Colocá-lo me dá uma desculpa para esconder meu rosto, para bloquear a intensidade do olhar dela.
Ligo a moto e acelero antes que possa mudar de ideia, o rugido do motor preenchendo o silêncio que deixei para trás. A estrada à minha frente é apenas uma fuga, mas não consigo escapar da sensação dela, do gosto dela, da lembrança de como ela fez o mundo inteiro desaparecer por alguns segundos.
Enquanto me afasto, algo dentro de mim me diz que essa batalha está longe de terminar.
Não voltei para a festa. Peguei a estrada sem destino, sem saber exatamente onde ir, até que algo me impulsionou a seguir para o Larry and Penny Thompson. Estacionei minha moto na frente do parque, tirei o capacete e o de Kate do meu braço, colocando-os no banco da moto, como se fosse possível deixar toda a confusão ali. Mas, não. A noite cai e, no silêncio, eu caminho até a praia, tentando encontrar algo que me acalme, que me traga algum tipo de clareza. Mas tudo que tenho são ecos das palavras dela, ecoando na minha mente, confundindo-me, me desestabilizando.
Ela me procurou. Kate me procurou. E eu? Eu estou perdido em meio a isso. O que significa tudo isso? Perigo, desilusão. Eu me prometi, desde o momento em que a vi pela primeira vez, que não deixaria essas coisas entrarem na minha vida. Mas ela... Ela está quebrando todas as barreiras que eu construí, desafiando tudo que sempre foi claro e seguro para mim.
Meu corpo, agora, não está mais sob o controle que sempre tive. Os hormônios correm soltos, dominando cada parte de mim. Desde o início, eu sempre vi esse abismo entre nós, um abismo que me impediu de ceder ao desejo que eu sentia. Mas ela... Ela tem algo. Algo que me desafia a todo instante. Ela chega, exala feminilidade, sensualidade, e tudo em mim se contorce, se agita. Linda, sim, linda de um jeito doce e suave, que machuca, que me faz querer mais.
Por anos, eu mantive tudo sob controle. Mas agora, estou aqui. Confuso. Desorientado.
Deus! Eu me vi sem ação quando ela me abraçou. Quando me olhou daquele jeito, fiquei paralisado. Não sei dizer o que senti, só sei que foi algo forte e incontrolável. Raiva, talvez, por estar tão atraído por ela, e aquela luta interna que eu mantinha em silêncio, que eu controlava com tanta habilidade, de repente, desapareceu. Quando vi aqueles lábios se aproximando, algo dentro de mim quebrou. Aquele beijo que eu sempre sonhei, que eu sempre imaginei... Quando aconteceu, foi como se o chão desaparecesse. A força do sentimento foi tão grande que eu não consegui resistir. Ele me dominou de uma maneira que eu não esperava.
Passo a mão pelos meus cabelos, com raiva de mim mesmo, com raiva do abismo entre nós, que ela nunca irá perceber. Um abismo que o pai dela fez questão de me mostrar logo que comecei a trabalhar na casa deles. Eu sabia que ela olhava para mim de um jeito que não era apenas amizade, mas o pai dela, ele sabia disso também. E, por isso, me mandou embora e colocou outro em meu lugar. Como eu percebi, por que ele não perceberia?
Curso? Eu não faço curso nenhum. Não tenho dinheiro para isso. Trabalho? Faço o que posso. Lavo pratos, me jogo em lutas improvisadas, disputo trocados em ringues. Isso é o que eu sou agora. E, mesmo assim, eu estou aqui, pensando nela, imaginando o que será de mim depois de tudo isso.
KateDepois de uma noite mal dormida, sem conseguir afastar os pensamentos sobre Daniel, aproveito as férias da faculdade para descansar. Estou sentada na espreguiçadeira em frente ao jardim, lendo Crepúsculo. Embora o livro seja maravilhoso, minha mente está distante, perdida em lembranças daquela noite. A decisão de ir atrás de Daniel ainda ressoa dentro de mim, me deixando inquieta.À tarde, meu pai chega do trabalho. Dou-lhe um sorriso e um beijo carinhoso no rosto, e ele me abraça, beijando minha testa. Ele sempre foi assim, afetuoso, mas ao mesmo tempo distante, preso à sua própria tristeza. Mesmo com a agitação que sinto por causa de Daniel, eu disfarço. Aprendi com meu pai a esconder meus verdadeiros sentimentos, a mostrar serenidade em qualquer situação. Ele busca meus olhos, e mesmo com a ansiedade me consumindo, dou-lhe um sorriso tranquilo.Olho para ele, naquele terno negro, parecendo mais um CEO poderoso do que um simples vendedor de carros. Mas há algo em sua postura qu
Vestindo apenas um short de corrida e tênis surrados, corro pela calçada, mas o crepúsculo à minha frente passa despercebido. O céu vai escurecendo, mas nem mesmo o brilho laranja do sol se põe consegue desviar minha atenção do turbilhão que toma conta de mim. Hoje é um daqueles dias em que a inquietação me consome, como se todo o peso do mundo estivesse sobre meus ombros. Então, corro. Corro para afastar os pensamentos que não param de se amontoar, corro para afogar minhas mágoas, para exorcizar essa raiva e essa solidão que me cercam. Corro até meus músculos doerem, até os pulmões gritarem por ar.Pauso, ofegante, e apoio as mãos nas pernas, puxando o ar com força, tentando recuperar o fôlego. O calor me envolve, a camisa grudada nas costas, o suor escorrendo pelo rosto. Olho para a rua e ela parece tão vazia quanto minha alma. Não há ninguém por perto. Só o som da minha respiração pesada quebrando o silêncio da noite que começa a cair.Depois de um tempo, sigo novamente. Continuo c
Eu já esperava uma reação como a dele, mas isso não significa que não me afete. Ao vê-lo parado, estático, o seu olhar fixo em mim com aquela expressão de conflito, eu fico corada. Meus lábios se entreabrem e uma respiração ofegante escapa sem querer. Ele não se move, como se as palavras que estou prestes a dizer pesassem mais que qualquer gesto.— Você sabe o que eu quero. Você! — Minha voz sai mais suave do que eu gostaria, mas a intensidade que sinto dentro de mim me faz parecer mais vulnerável do que o normal.Daniel continua parado, com os olhos em mim, sem conseguir desviar o olhar. Ele parece tão... distante, como se estivesse em guerra consigo mesmo, tentando entender o que está acontecendo. E então, ele fala, e suas palavras me cortam.— Eu? — Ele solta, sua voz carregada de incredulidade. — Dê uma olhada em tudo. É isso que eu sou e tenho a oferecer.Eu respiro fundo, como se aquelas palavras não me tocassem, mas elas me fazem questionar. Quando olho ao redor, vejo o que ele
— Eu sei. — Minha voz sai calma, quase como uma resposta que não precisa de mais palavras.Eu sei o que ele está dizendo, e, de algum modo, isso só me faz querer mais. Quero entrar no seu mundo, quero entender. Mesmo que ele ache que não tem nada a oferecer, eu sei que há mais nele do que qualquer lugar ou condição poderia mostrar.— Sabe? O que faz aqui então? Sexo? É isso que quer de mim? É esse tipo de emoção que veio procurar? — Ele questiona, os olhos se fixando nos meus, procurando alguma resposta que ele provavelmente teme encontrar.Suas palavras me ferem, me desafiam, mas não me afastam. Pelo contrário. Elas só me fazem mais determinada.— Não. Eu gosto de você e te levo a sério, apesar de toda essa feiura ao seu redor. — Digo, a intensidade da minha voz revelando a verdade que eu mesma mal consigo acreditar.Eu vejo a surpresa no rosto dele, o modo como ele parece atordoado, como se não soubesse o que fazer com as palavras que saem da minha boca. Ele balança a cabeça em nega
DanielÉ difícil ter força de vontade e lembrar por que não quero me envolver com Kate quando ela me beija desse jeito. Sinto meu corpo todo reagir; meus lábios, que deveriam afastá-la, acabam cedendo. Liberto minha boca dela por um segundo, tentando colocar algum espaço entre nós, mas antes que eu consiga expressar meu arrependimento, ela me puxa de volta, colando nossos corpos outra vez. Suas mãos firmes me envolvem, e eu sinto meu desejo crescer, latejando de uma maneira que chega a doer.Seus lábios são quentes, úmidos, e se movem sobre os meus com uma necessidade que me desarma. Mesmo louco de desejo, luto contra isso. Tento reunir argumentos para afastá-la, mas minha mente está um caos. Droga! Ela é jovem, recém-saída da adolescência, ingênua demais para entender no que está se metendo. Mesmo que eu tenha apenas dois anos a mais, já vivi o suficiente para saber que essa vida é uma selva. Eu não posso me iludir com ela, nem deixá-la se iludir comigo.Seguro seus braços e a afasto
Quando ele me manda embora, o chão simplesmente desaparece sob os meus pés. O meu coração não está acelerado pelo desejo, mas pela dor que dilacera, uma dor que vem das palavras cruéis dele. Ele está ali, parado, com o olhar fechado, quase gélido, e eu vejo os ombros tensos, a respiração entrecortada, como se estivesse se contendo para não explodir em algo que pudesse destruir ainda mais o que restou.A minha voz sai trêmula, mas faço questão de que ela soe firme, tentando disfarçar a ferida que sangra dentro de mim.— Você é um covarde, Daniel — eu atiro, sem esconder a dor e a raiva que queimam por dentro. — É isso o que você é. Está se escondendo atrás de desculpas, me afastando porque é mais fácil do que admitir que você tem medo. Medo de se entregar, medo de sentir, medo de que eu veja quem você realmente é. — as minhas palavras são lâminas afiadas, e eu sei que estou ferindo, porque é a única defesa que me resta contra a dor que ele me causou.Ele fecha os olhos, respirando fund
DanielMe deito cedo hoje. São dez da noite, e já estou na cama, exausto. Mas exausto de verdade! Sempre ouvi dizer que o que está ruim pode piorar, e é exatamente isso que tenho vivido. Por sorte — e muita luta — consegui pagar o aluguel este mês. Foi uma batalha, literalmente. Meu rosto, que por semanas pareceu o de um monstro, começa a se recuperar. Antes eu estava mais parecido com o filho do Frankenstein. Agora, os hematomas estão mais claros, num tom esverdeado feio, mas pelo menos melhorando.O dono do restaurante onde trabalho começou a implicar comigo. Ele me julga um arruaceiro por causa das marcas no rosto. Precisei explicar que luto em ringues improvisados para ganhar um extra e conseguir pagar as contas. Francisco Valverde, o chefe, é um homem grosso. Me mandou ficar escondido na cozinha e sair pelos fundos quando terminasse o serviço, para não assustar os clientes.Fecho os olhos, e o pensamento inevitavelmente vai para Kate. Ela tem estado nos meus pensamentos o tempo t
Dançamos até nossas pernas cederem. O som alto, as luzes piscando, tudo parece perfeito para fugir um pouco da realidade. Karen, por outro lado, está ocupada se deixando levar pelo charme de Jake. Eles logo se afastam para um canto, conversando animadamente. Preciso avisá-la sobre ele, mas sinto que ela não vai querer me ouvir agora. Jake troca de mulheres como troca de roupa, e eu não quero vê-la magoada.Ela acena para mim, chamando. Vou até lá, tentando disfarçar a preocupação.— Eu já estou indo embora — digo.— Já? — Karen pergunta, surpresa.— Está cedo ainda — Jake sorri para mim, aquele sorriso casual que ele sempre usa. — Como dizem, a noite é uma criança.— Então é uma criança levada — respondo, forçando um sorriso.Karen franze a testa e comenta:— Você está sem carro, esqueceu? Eu que te trouxe.Droga. Esqueci completamente disso. Sinto o olhar de Jake passando de mim para Karen, como se avaliasse a situação.— Por que não empresta o carro para Kate e eu te levo para casa?