Ele me encara como se tivesse levado um soco no estômago.
— Atrás de mim? — Ele pergunta, ainda sem entender.
Demoro um pouco para responder. Tomo fôlego, sinto meu coração bater acelerado.
— Sim. Quando a Rose mencionou essa festa, achei que seria uma chance de falar com você, saber como você está.
Os olhos de Daniel se estreitam e uma expressão angustiada toma conta do seu rosto.
— Bem, já matou sua curiosidade. Como pode ver, estou bem — ele diz, com um sorriso forçado.
— O que você tem feito? — insisto, ignorando seu tom distante.
Ele sorri de canto, e seus olhos deslizam lentamente dos meus olhos para os meus lábios, como se estivesse tentando decifrar o que eu realmente quero. Então ele volta a olhar para mim, mais sério.
— Sério isso, Kate? — Ele questiona, levantando uma sobrancelha. — Olha, seja lá qual tenha sido sua intenção ao vir aqui, nossos mundos são bem diferentes. Dá pra ver isso no seu jeito, na sua pele macia, no seu perfume delicado. Cada detalhe diz que você não pertence a esse lugar.
— Você fala como se eu fosse rica. Estou vestida de maneira simples, sem joias. Por que você discrimina tanto o lugar de onde veio?
— Não é discriminação, Kate. Só sei que você não pertence a esse mundo. Você não está preparada pra isso. — Ele dá um passo à frente, o olhar firme no meu. — Volte pra casa, por favor.
Uma onda de frustração me invade, e sinto a raiva subir à minha garganta.
— Por que você está me tratando assim? Eu vim aqui porque me importo com você. Deveria ficar feliz por isso!
O rosto dele se fecha ainda mais. Os músculos de seu maxilar se contraem.
— Não preciso da sua preocupação. Vem, vou te levar embora.
Antes que eu possa protestar, ele segura meu braço com força e começa a me puxar em direção à rua. Tento resistir, mas ele é muito mais forte.
— Solta-me, Daniel! O que você está fazendo?
— Você vai embora agora. — Ele me encara, firme. — Não importa o que você queira, só há duas opções: ou você vem por bem ou vamos brigar por isso.
Respiro fundo, tentando manter a calma.
— Tudo bem, eu vou. Mas saiba que não é o que eu quero.
— Veio de carro? — Ele pergunta, impaciente.
— Não.
— Então vamos. Eu te levo.
Sem me soltar, ele me conduz até uma moto velha. Ele pega um capacete que estava pendurado e me entrega, colocando o outro em sua própria cabeça.
— Eu não vou embora com você nisso! — protesto, imediatamente arrependida ao perceber o que acabei de dizer, expondo a diferença entre nós.
Ele sorri com ironia.
— Coloque o capacete, Kate. É velha, mas é segura. Nunca colocaria sua vida em risco.
Resignada, coloco o capacete verde. Daniel sobe na moto, e eu, com um suspiro, me ajeito na garupa, tentando acomodar o vestido debaixo das pernas. Hesito em segurar nele.
—Para quem veio até aqui, você está muito tímida. Se segura em mim com força. — ele diz, dando uma risadinha.
Respiro fundo e o envolvo com meus braços, sentindo o calor de seu corpo contra o meu. O cheiro dele, uma mistura de colônia barata e algo único, invade meus sentidos. Ele liga a moto, o motor roncando alto, quase abafando meus pensamentos.
— Segure firme — ele avisa.
Aperto meus braços ao redor dele enquanto a moto arranca. Fecho os olhos, sentindo o vento gelado bater no rosto. Nunca tinha andado de moto antes, e a sensação de liberdade misturada ao medo é avassaladora. Estar assim, abraçada a Daniel, é uma adrenalina que eu nunca experimentei.
Ele dirige com habilidade, serpenteando entre os carros com facilidade. Alguns minutos depois, estamos no meu bairro. Ele para em frente à minha casa e eu solto o meu abraço devagar, descendo da moto com relutância. Tiro o capacete e o entrego, mas Daniel não desliga o motor. Ele está pronto para ir embora.
— Quando nos veremos de novo? — pergunto, reunindo coragem.
— Não nos veremos — ele responde, seco, sem me olhar.
Sinto os meus lábios tremerem, uma onda de decepção me invade, mas não desisto.
— Todo esse tempo que você trabalhou na minha casa, sempre quis conversar com você. Mas você sempre se manteve distante. Achei que fosse por causa do seu trabalho. Agora que você não trabalha mais para minha família, o que nos impede de sermos amigos?
Ele desliga a moto, desce e tira o capacete. Seus movimentos são lentos, calculados. Quando ele me olha, parece ainda mais alto e confiante, como se estivesse decidido a me afastar de vez.
— É amizade mesmo que você quer? — Ele pergunta, me avaliando com um olhar penetrante.
Respiro fundo, sem saber o que responder. Não tenho palavras. Ele sorri devagar, um sorriso que revela os seus dentes brancos e alinhados.
— Sei o que você quer, Kate. Você está buscando emoção, algo diferente na sua vida perfeita, não é isso?
Sinto o meu rosto esquentar de raiva.
— Não é isso! — balanço a cabeça, tentando me convencer do que estou dizendo. — Eu gosto de você, Daniel.
Ele me olha quase em choque.
—Você mal me conhece, Kate.
Meu Deus, ele está louco para me afastar dele.
—Eu te conheço o suficiente para saber o que eu quero. Sei que seu pai morreu.
Ele dá um sorriso jocoso.
—Ele não morreu, ele saiu de casa por causa de outra mulher.
Engulo em seco e continuo.
—Sei que sua mãe é alcóolatra, e que você é arrimo de família.
Ele me encara duro.
—Minha mãe morreu, faz um mês. —Ele diz, seco.
—Sinto muito.
—Melhor você entrar!
—Por que se afasta assim das pessoas?
—Das pessoas, não! De você. —Ele diz, duro.
Eu estou agora confusa e magoada. Não esperava essa reação dele. Eu engulo o caroço que se formou na minha garganta, meu coração está torcido no peito.
Fico com raiva de mim mesma por me sentir tão emocional. Então, faço uma careta para ele:
—Por que age assim comigo?
Ele dá de ombros.
—Tenho noção de realidade, coisa que você não tem. Foi sempre foi muito mimada. Também, não é para menos. Filha única, a princesinha da casa. O que você espera em se envolver com um cara como eu? Você acha que seu pai aprovaria?
Os meus lábios tremem.
— O meu pai é uma ótima pessoa. Ele respeitaria a minha decisão.
Daniel meneia a cabeça.
—E se eu te disser que ele me proibiu de olhar para você, de falar com você.
Meu queixo cai, meu coração se agita, eu ofego.
—Quando isso?
Ele me olha duro, e não responde. Balança a cabeça com um não.
—Não importa. Boa noite, Kate. —Ele diz seco.
—Importa sim. —Eu seguro o braço dele antes que ele monte na moto. —Quando foi isso?
Ele olha minha mão no seu braço e procura meus olhos.
—Desde o primeiro dia que você levou um copo de água para mim.
Parte de mim está com raiva, a outra parte confusa. Meus lábios tremem, meus olhos se enchem de lágrimas. Eu fico nesse estado de choque e raiva olhando para ele.
Daniel respira fundo.
—Vá para casa. —Ele diz suavemente.
Vou até ele e o envolvo com os meus braços. Daniel estremece. Isso agita as coisas no meu corpo. O meu coração já agitado b**e mais rápido.
Ergo o meu rosto e o encaro. Olho para ele com expectativa ansiando por seu beijo. Ele respira cada vez mais difícil. Cada parte de mim se sente mais viva, em agitação. Lambo os meus lábios e os seus olhos se estreitam na minha boca. Os minutos decorrem, os dois ofegando se olhando.
Daniel me olha transtornado. Então foca os meus lábios novamente. Ele então se inclina e roça a sua boca na minha, me dando uma passada de língua antes de se afastar, como se ele quisesse sentir o meu gosto. Foi muito breve para o meu gosto. Agora os seus lábios estão levemente longe dos meus. Posso sentir a sua respiração agitada no meu rosto.
— Daniel, me beija. — Eu imploro, cheia de desejo.
Ele ofega mais.
—Eu não deveria. — Ele murmura rouco se inclinando novamente. Sua boca cola na minha de vez. Sem quebrar o nosso beijo, eu passo meus braços em volta do seu pescoço enquanto suas mãos estão em meus quadris. Elas me puxam mais para perto dele.
Nossos lábios se abrem e nossas línguas se acariciam, envolvidas em uma dança sensual, um beijo apaixonado, quente.
Eu não quero que pare e deslizo minhas mãos pelos cabelos dele, um lugar que eu sempre sonhei em tocar. Eles são grossos como eu imaginei. Ele geme em minha boca, e eu me encosto ainda mais contra seu corpo. Eu exploro a sua boca com a minha. Estou conscientemente tentando fazê-lo perder o controle, mas ele percebe o meu plano e termina o beijo ofegante.
— Não sabe no que está se metendo — ele murmura, dando um passo para trás, como se precisasse de distância para pensar. — Você não faz ideia do que está pedindo, Kate.
— Talvez eu não saiba — admito, respirando fundo. — Mas estou disposta a descobrir.
Ele passa a mão pelo cabelo, frustrado, e solta um suspiro profundo. Nos seus olho, vejo um conflito interno, como se ele estivesse lutando contra o próprio desejo de me afastar e a vontade de me deixar ficar.
— Vai pra casa, Kate. E não volte mais aqui.
Sem esperar minha resposta, ele coloca o capacete de volta e sobe na moto, arrancando com força, deixando apenas o som do motor e uma nuvem de poeira para trás.
Fico parada, observando até ele desaparecer na escuridão da rua, com o coração acelerado e um gosto amargo de frustração na boca. Sinto que estou à beira de algo perigoso, algo que pode mudar tudo. Mas, por algum motivo, em vez de medo, tudo o que sinto é um desejo profundo de seguir em frente, de saber até onde isso pode nos levar.
Eu me afasto, evitando seus olhos, porque sei que, se olhar para ela agora, vou ceder novamente. Sem pensar muito, pego o capacete da moto. Colocá-lo me dá uma desculpa para esconder meu rosto, para bloquear a intensidade do olhar dela.Ligo a moto e acelero antes que possa mudar de ideia, o rugido do motor preenchendo o silêncio que deixei para trás. A estrada à minha frente é apenas uma fuga, mas não consigo escapar da sensação dela, do gosto dela, da lembrança de como ela fez o mundo inteiro desaparecer por alguns segundos.Enquanto me afasto, algo dentro de mim me diz que essa batalha está longe de terminar.Não voltei para a festa. Peguei a estrada sem destino, sem saber exatamente onde ir, até que algo me impulsionou a seguir para o Larry and Penny Thompson. Estacionei minha moto na frente do parque, tirei o capacete e o de Kate do meu braço, colocando-os no banco da moto, como se fosse possível deixar toda a confusão ali. Mas, não. A noite cai e, no silêncio, eu caminho até a p
KateDepois de uma noite mal dormida, sem conseguir afastar os pensamentos sobre Daniel, aproveito as férias da faculdade para descansar. Estou sentada na espreguiçadeira em frente ao jardim, lendo Crepúsculo. Embora o livro seja maravilhoso, minha mente está distante, perdida em lembranças daquela noite. A decisão de ir atrás de Daniel ainda ressoa dentro de mim, me deixando inquieta.À tarde, meu pai chega do trabalho. Dou-lhe um sorriso e um beijo carinhoso no rosto, e ele me abraça, beijando minha testa. Ele sempre foi assim, afetuoso, mas ao mesmo tempo distante, preso à sua própria tristeza. Mesmo com a agitação que sinto por causa de Daniel, eu disfarço. Aprendi com meu pai a esconder meus verdadeiros sentimentos, a mostrar serenidade em qualquer situação. Ele busca meus olhos, e mesmo com a ansiedade me consumindo, dou-lhe um sorriso tranquilo.Olho para ele, naquele terno negro, parecendo mais um CEO poderoso do que um simples vendedor de carros. Mas há algo em sua postura qu
Vestindo apenas um short de corrida e tênis surrados, corro pela calçada, mas o crepúsculo à minha frente passa despercebido. O céu vai escurecendo, mas nem mesmo o brilho laranja do sol se põe consegue desviar minha atenção do turbilhão que toma conta de mim. Hoje é um daqueles dias em que a inquietação me consome, como se todo o peso do mundo estivesse sobre meus ombros. Então, corro. Corro para afastar os pensamentos que não param de se amontoar, corro para afogar minhas mágoas, para exorcizar essa raiva e essa solidão que me cercam. Corro até meus músculos doerem, até os pulmões gritarem por ar.Pauso, ofegante, e apoio as mãos nas pernas, puxando o ar com força, tentando recuperar o fôlego. O calor me envolve, a camisa grudada nas costas, o suor escorrendo pelo rosto. Olho para a rua e ela parece tão vazia quanto minha alma. Não há ninguém por perto. Só o som da minha respiração pesada quebrando o silêncio da noite que começa a cair.Depois de um tempo, sigo novamente. Continuo c
Eu já esperava uma reação como a dele, mas isso não significa que não me afete. Ao vê-lo parado, estático, o seu olhar fixo em mim com aquela expressão de conflito, eu fico corada. Meus lábios se entreabrem e uma respiração ofegante escapa sem querer. Ele não se move, como se as palavras que estou prestes a dizer pesassem mais que qualquer gesto.— Você sabe o que eu quero. Você! — Minha voz sai mais suave do que eu gostaria, mas a intensidade que sinto dentro de mim me faz parecer mais vulnerável do que o normal.Daniel continua parado, com os olhos em mim, sem conseguir desviar o olhar. Ele parece tão... distante, como se estivesse em guerra consigo mesmo, tentando entender o que está acontecendo. E então, ele fala, e suas palavras me cortam.— Eu? — Ele solta, sua voz carregada de incredulidade. — Dê uma olhada em tudo. É isso que eu sou e tenho a oferecer.Eu respiro fundo, como se aquelas palavras não me tocassem, mas elas me fazem questionar. Quando olho ao redor, vejo o que ele
— Eu sei. — Minha voz sai calma, quase como uma resposta que não precisa de mais palavras.Eu sei o que ele está dizendo, e, de algum modo, isso só me faz querer mais. Quero entrar no seu mundo, quero entender. Mesmo que ele ache que não tem nada a oferecer, eu sei que há mais nele do que qualquer lugar ou condição poderia mostrar.— Sabe? O que faz aqui então? Sexo? É isso que quer de mim? É esse tipo de emoção que veio procurar? — Ele questiona, os olhos se fixando nos meus, procurando alguma resposta que ele provavelmente teme encontrar.Suas palavras me ferem, me desafiam, mas não me afastam. Pelo contrário. Elas só me fazem mais determinada.— Não. Eu gosto de você e te levo a sério, apesar de toda essa feiura ao seu redor. — Digo, a intensidade da minha voz revelando a verdade que eu mesma mal consigo acreditar.Eu vejo a surpresa no rosto dele, o modo como ele parece atordoado, como se não soubesse o que fazer com as palavras que saem da minha boca. Ele balança a cabeça em nega
DanielÉ difícil ter força de vontade e lembrar por que não quero me envolver com Kate quando ela me beija desse jeito. Sinto meu corpo todo reagir; meus lábios, que deveriam afastá-la, acabam cedendo. Liberto minha boca dela por um segundo, tentando colocar algum espaço entre nós, mas antes que eu consiga expressar meu arrependimento, ela me puxa de volta, colando nossos corpos outra vez. Suas mãos firmes me envolvem, e eu sinto meu desejo crescer, latejando de uma maneira que chega a doer.Seus lábios são quentes, úmidos, e se movem sobre os meus com uma necessidade que me desarma. Mesmo louco de desejo, luto contra isso. Tento reunir argumentos para afastá-la, mas minha mente está um caos. Droga! Ela é jovem, recém-saída da adolescência, ingênua demais para entender no que está se metendo. Mesmo que eu tenha apenas dois anos a mais, já vivi o suficiente para saber que essa vida é uma selva. Eu não posso me iludir com ela, nem deixá-la se iludir comigo.Seguro seus braços e a afasto
Quando ele me manda embora, o chão simplesmente desaparece sob os meus pés. O meu coração não está acelerado pelo desejo, mas pela dor que dilacera, uma dor que vem das palavras cruéis dele. Ele está ali, parado, com o olhar fechado, quase gélido, e eu vejo os ombros tensos, a respiração entrecortada, como se estivesse se contendo para não explodir em algo que pudesse destruir ainda mais o que restou.A minha voz sai trêmula, mas faço questão de que ela soe firme, tentando disfarçar a ferida que sangra dentro de mim.— Você é um covarde, Daniel — eu atiro, sem esconder a dor e a raiva que queimam por dentro. — É isso o que você é. Está se escondendo atrás de desculpas, me afastando porque é mais fácil do que admitir que você tem medo. Medo de se entregar, medo de sentir, medo de que eu veja quem você realmente é. — as minhas palavras são lâminas afiadas, e eu sei que estou ferindo, porque é a única defesa que me resta contra a dor que ele me causou.Ele fecha os olhos, respirando fund
DanielMe deito cedo hoje. São dez da noite, e já estou na cama, exausto. Mas exausto de verdade! Sempre ouvi dizer que o que está ruim pode piorar, e é exatamente isso que tenho vivido. Por sorte — e muita luta — consegui pagar o aluguel este mês. Foi uma batalha, literalmente. Meu rosto, que por semanas pareceu o de um monstro, começa a se recuperar. Antes eu estava mais parecido com o filho do Frankenstein. Agora, os hematomas estão mais claros, num tom esverdeado feio, mas pelo menos melhorando.O dono do restaurante onde trabalho começou a implicar comigo. Ele me julga um arruaceiro por causa das marcas no rosto. Precisei explicar que luto em ringues improvisados para ganhar um extra e conseguir pagar as contas. Francisco Valverde, o chefe, é um homem grosso. Me mandou ficar escondido na cozinha e sair pelos fundos quando terminasse o serviço, para não assustar os clientes.Fecho os olhos, e o pensamento inevitavelmente vai para Kate. Ela tem estado nos meus pensamentos o tempo t