Eu já esperava uma reação como a dele, mas isso não significa que não me afete. Ao vê-lo parado, estático, o seu olhar fixo em mim com aquela expressão de conflito, eu fico corada. Meus lábios se entreabrem e uma respiração ofegante escapa sem querer. Ele não se move, como se as palavras que estou prestes a dizer pesassem mais que qualquer gesto.
— Você sabe o que eu quero. Você! — Minha voz sai mais suave do que eu gostaria, mas a intensidade que sinto dentro de mim me faz parecer mais vulnerável do que o normal.
Daniel continua parado, com os olhos em mim, sem conseguir desviar o olhar. Ele parece tão... distante, como se estivesse em guerra consigo mesmo, tentando entender o que está acontecendo. E então, ele fala, e suas palavras me cortam.
— Eu? — Ele solta, sua voz carregada de incredulidade. — Dê uma olhada em tudo. É isso que eu sou e tenho a oferecer.
Eu respiro fundo, como se aquelas palavras não me tocassem, mas elas me fazem questionar. Quando olho ao redor, vejo o que ele quer que eu veja. E não é difícil perceber que a casa de Daniel reflete a vida difícil que ele leva. A cozinha, sem azulejos, é um reflexo claro de um ambiente que nunca soube o que era conforto. O único lugar que tem algum azulejo é a pia, e mesmo assim está desbotado, com manchas de umidade que parecem ter sido absorvidas pelas paredes. Elas estão mal pintadas, e em vários pontos é possível ver onde o tempo e a negligência deixaram suas marcas, com partes da parede inchadas pela umidade que nunca parece desaparecer.
O cheiro, de algum modo, está misturado ao ar pesado da casa, como se fosse parte da estrutura, como se cada canto carregasse um fardo invisível. Não há luxo aqui, mas ainda assim, tudo parece limpo de uma maneira que eu não consigo ignorar. O fogão, a geladeira antiga, o armário amarelado, tudo parece ter sido escolhido por necessidade, não por opção. A mesa de madeira escura, simples, duas cadeiras desconfortáveis, tudo isso faz parte do cenário que me foi apresentado. Nada é belo, mas há uma honestidade crua na simplicidade deste lugar.
Volto meus olhos para ele, e ele está ali, com os braços cruzados, numa postura defensiva. Está encostado na parede, seu olhar atento e implacável, como se me desafiasse a julgar tudo aquilo, a olhar para ele e decidir o que eu sou capaz de ver.
— Você é bem organizado. — Digo, tentando aliviar a tensão, tentando encontrar uma forma de quebrar a barreira entre nós.
Ele solta uma risada que faz meu estômago se apertar. E, por um momento, meu corpo inteiro congela.
— Organizado? — Ele meneia a cabeça, rindo, mas com um toque amargo. Ele se move em minha direção, e a forma como ele faz isso me tira a estabilidade. — Venha cá.
Ele segura meu braço com firmeza, me puxando para a sala. Eu dou alguns passos atrás dele, meus olhos seguindo-o enquanto me conduz para um espaço que já havia visto antes. A sala é tão simples quanto o resto da casa: um sofá pequeno e uma televisão minúscula, quase como se fosse um luxo impensável, algo que ele não pudesse sequer usufruir adequadamente. Ele não parece dar importância a isso, como se aquilo fosse só uma parte da história, e não o ponto principal.
Então, ele me leva para o quarto. Quando entro, meu olhar se depara com a cama de casal, desfeita e bagunçada, e um guarda-roupa castanho-escuro que está tão empilhado de coisas amontoadas que parece mais um depósito improvisado do que um lugar de descanso. A falta de cuidado com o ambiente é quase palpável, e eu sinto meu peito apertar com a sensação de que, por mais que ele esteja tentando esconder isso, ele está à deriva em uma vida que não escolheu.
Eu o encaro por um momento, e ele me olha de volta com uma expressão tão imponente, tão cheia de dor reprimida, que algo em mim se quebra. Ele está em conflito, lutando contra algo que eu nem posso compreender, mas que posso sentir em cada linha de seu rosto.
— Tudo bem, a cama precisa ser arrumada. Está um pouco bagunçado. — Ele diz, sua voz rouca, mas sincera.
O momento se arrasta em silêncio, e eu continuo observando-o, notando cada pequeno detalhe. Ele ainda me observa, com as sobrancelhas franzidas, e seus olhos continuam me analisando. Sinto como se ele estivesse me julgando e, ao mesmo tempo, me permitindo uma janela para entender sua vida. Ele toma uma respiração profunda e, com um gesto que parece tão íntimo quanto doloroso, ele pega meus ombros e me vira para ele. Eu estremeço ao sentir o toque, ao ser puxada para mais perto dele. O cheiro de sabonete, limpo e simples, me envolve e quase me derruba.
— Minha vida é malditamente feia. — Ele diz, sua voz carregada de uma amargura tão profunda que me faz querer abraçá-lo, mesmo sem saber o que dizer. — Eu não cresci com as mesmas oportunidades que você. Eu mal me sustento. Você não conhece o meu mundo, linda. Eu luto duro, e será assim até eu morrer. Não tenho nenhum pai para me pegar pelas mãos e me oferecer um caminho melhor.
Eu tremo. Cada palavra dele parece atravessar meu peito como uma flecha. Sinto sua dor, sua frustração, sua ansiedade. E, ainda assim, minhas mãos se estendem involuntariamente, como se eu quisesse tocar a ferida aberta que ele carrega.
— Eu sei. — Minha voz sai calma, quase como uma resposta que não precisa de mais palavras.Eu sei o que ele está dizendo, e, de algum modo, isso só me faz querer mais. Quero entrar no seu mundo, quero entender. Mesmo que ele ache que não tem nada a oferecer, eu sei que há mais nele do que qualquer lugar ou condição poderia mostrar.— Sabe? O que faz aqui então? Sexo? É isso que quer de mim? É esse tipo de emoção que veio procurar? — Ele questiona, os olhos se fixando nos meus, procurando alguma resposta que ele provavelmente teme encontrar.Suas palavras me ferem, me desafiam, mas não me afastam. Pelo contrário. Elas só me fazem mais determinada.— Não. Eu gosto de você e te levo a sério, apesar de toda essa feiura ao seu redor. — Digo, a intensidade da minha voz revelando a verdade que eu mesma mal consigo acreditar.Eu vejo a surpresa no rosto dele, o modo como ele parece atordoado, como se não soubesse o que fazer com as palavras que saem da minha boca. Ele balança a cabeça em nega
DanielÉ difícil ter força de vontade e lembrar por que não quero me envolver com Kate quando ela me beija desse jeito. Sinto meu corpo todo reagir; meus lábios, que deveriam afastá-la, acabam cedendo. Liberto minha boca dela por um segundo, tentando colocar algum espaço entre nós, mas antes que eu consiga expressar meu arrependimento, ela me puxa de volta, colando nossos corpos outra vez. Suas mãos firmes me envolvem, e eu sinto meu desejo crescer, latejando de uma maneira que chega a doer.Seus lábios são quentes, úmidos, e se movem sobre os meus com uma necessidade que me desarma. Mesmo louco de desejo, luto contra isso. Tento reunir argumentos para afastá-la, mas minha mente está um caos. Droga! Ela é jovem, recém-saída da adolescência, ingênua demais para entender no que está se metendo. Mesmo que eu tenha apenas dois anos a mais, já vivi o suficiente para saber que essa vida é uma selva. Eu não posso me iludir com ela, nem deixá-la se iludir comigo.Seguro seus braços e a afasto
Quando ele me manda embora, o chão simplesmente desaparece sob os meus pés. O meu coração não está acelerado pelo desejo, mas pela dor que dilacera, uma dor que vem das palavras cruéis dele. Ele está ali, parado, com o olhar fechado, quase gélido, e eu vejo os ombros tensos, a respiração entrecortada, como se estivesse se contendo para não explodir em algo que pudesse destruir ainda mais o que restou.A minha voz sai trêmula, mas faço questão de que ela soe firme, tentando disfarçar a ferida que sangra dentro de mim.— Você é um covarde, Daniel — eu atiro, sem esconder a dor e a raiva que queimam por dentro. — É isso o que você é. Está se escondendo atrás de desculpas, me afastando porque é mais fácil do que admitir que você tem medo. Medo de se entregar, medo de sentir, medo de que eu veja quem você realmente é. — as minhas palavras são lâminas afiadas, e eu sei que estou ferindo, porque é a única defesa que me resta contra a dor que ele me causou.Ele fecha os olhos, respirando fund
DanielMe deito cedo hoje. São dez da noite, e já estou na cama, exausto. Mas exausto de verdade! Sempre ouvi dizer que o que está ruim pode piorar, e é exatamente isso que tenho vivido. Por sorte — e muita luta — consegui pagar o aluguel este mês. Foi uma batalha, literalmente. Meu rosto, que por semanas pareceu o de um monstro, começa a se recuperar. Antes eu estava mais parecido com o filho do Frankenstein. Agora, os hematomas estão mais claros, num tom esverdeado feio, mas pelo menos melhorando.O dono do restaurante onde trabalho começou a implicar comigo. Ele me julga um arruaceiro por causa das marcas no rosto. Precisei explicar que luto em ringues improvisados para ganhar um extra e conseguir pagar as contas. Francisco Valverde, o chefe, é um homem grosso. Me mandou ficar escondido na cozinha e sair pelos fundos quando terminasse o serviço, para não assustar os clientes.Fecho os olhos, e o pensamento inevitavelmente vai para Kate. Ela tem estado nos meus pensamentos o tempo t
Dançamos até nossas pernas cederem. O som alto, as luzes piscando, tudo parece perfeito para fugir um pouco da realidade. Karen, por outro lado, está ocupada se deixando levar pelo charme de Jake. Eles logo se afastam para um canto, conversando animadamente. Preciso avisá-la sobre ele, mas sinto que ela não vai querer me ouvir agora. Jake troca de mulheres como troca de roupa, e eu não quero vê-la magoada.Ela acena para mim, chamando. Vou até lá, tentando disfarçar a preocupação.— Eu já estou indo embora — digo.— Já? — Karen pergunta, surpresa.— Está cedo ainda — Jake sorri para mim, aquele sorriso casual que ele sempre usa. — Como dizem, a noite é uma criança.— Então é uma criança levada — respondo, forçando um sorriso.Karen franze a testa e comenta:— Você está sem carro, esqueceu? Eu que te trouxe.Droga. Esqueci completamente disso. Sinto o olhar de Jake passando de mim para Karen, como se avaliasse a situação.— Por que não empresta o carro para Kate e eu te levo para casa?
Jason nos conta sobre a sua fazenda, chamada Caminho do Céu. Achei hilário, porque a primeira coisa que me vem à mente é um cemitério, mas consigo disfarçar e apenas dou uma risadinha.— Todo mundo tem essa reação — ele comenta, percebendo o meu sorriso contido. — As pessoas sempre acham que parece nome de cemitério.— E não é para menos — admito, rindo.Olho ao redor e percebo que Karen não voltou ainda. Parece que ela gostou de estar na companhia de Jake.— Então, Jake e Jason, o que vocês fazem? — Karen pergunta, assim que retorna à mesa.Jake toma um gole de sua vodca e responde:— Sou advogado.— Hum, linda profissão — Karen comenta, sorrindo. Ela se vira para Jason. — E você, Jason? Pelo visto, é capataz.Jake gargalha, surpreso com a ingenuidade dela.— Na verdade, ele é o dono da fazenda, ele administra tudo por lá — explica Jake, rindo e tomando mais um gole.Jason dá um sorriso modesto.— Mas sou capataz também, faço de tudo um pouco por lá. Quando você tem uma fazenda, prec
Abro os meus olhos, ainda sonolenta. A claridade da manhã invade o meu quarto, mas não me apresso a levantar. Hoje é sábado, o dia da tão comentada festa na casa de Jake. Meu pai, empolgado como nunca, quase flutua pela casa com a ideia de que talvez haja algo entre eu e Jake. Mal sabe ele que Jake provavelmente estará com Karen hoje à noite.Decido não esclarecer nada para ele. Para quê? Para ele me atormentar com perguntas e comentários? E, sinceramente, nem sei se Jake estará mesmo com Karen. É bem capaz de ele aparecer com outra acompanhante. Karen me ligou ontem de novo para confirmar se vamos juntas. Na verdade, passamos a semana inteira conversando sobre a festa. Ou melhor, ela passou a semana inteira falando. Especulou sobre como seria a casa de Jake, os pais dele, e tudo mais. Ela está tão animada... Bem diferente de mim.Não que eu esteja desanimada, mas me sinto em um meio termo. Talvez por ainda carregar aquele gosto amargo de quando não deu certo com Daniel. Meu coração p
Provo o ponche e sou surpreendida pelo sabor intenso de abacaxi, com pequenos pedaços da fruta que se misturam delicadamente ao frescor da hortelã. O açúcar está na medida certa, doce sem ser enjoativo.— Hum, aprovado! Está realmente muito bom! — digo, lambendo os lábios.Jason abre um sorriso satisfeito.— Que bom que gostou. Fui eu que fiz.— Sério? — Olho para ele com surpresa e admiração.Karen, que até então estava ao nosso lado, parece perceber o clima entre nós e decide se afastar.— Vou dar uma circulada — ela diz, tentando sorrir.Assinto, entendendo que ela precisa de um momento sozinha.Jason me observa, intrigado.— O que há com ela? Não parece muito animada.— Ah, impressão sua — respondo, não querendo entrar em detalhes. Sei que ela ainda está processando a cena de Jake com outra garota.Jason se aproxima um pouco mais, os olhos cor de mel fixos em mim.— Você está linda — diz ele, analisando meu visual. — Adorei esse estilo roqueira.— Verdade? Mesmo quando estamos rod