Roman Ostrov - 12 anos
A sensação de puxar o gatilho sempre fora algo familiar para mim. O leve recuo da arma, o som seco do disparo ecoando na floresta enevoada, tudo isso fazia parte do que eu era. O primeiro pássaro caiu quase no instante seguinte, uma mancha escura contra o céu cinzento e nebuloso. O segundo logo o seguiu, um tiro limpo, preciso. Não havia hesitação. Não podia haver. No mundo de meu pai, o erro era um luxo que não se podia cometer. Mais um disparo. O terceiro pássaro despencou, seus últimos momentos interrompidos no ar. Não desviei o olhar enquanto os corpos das pequenas aves caíam, imóveis, em meio à vegetação densa. O silêncio que se seguiu era tão denso quanto a neblina que nos cercava, sufocante. Olhei para meu pai, esperando, quase ansiando por algum sinal de aprovação. Seus olhos, duros e calculistas, fixaram-se em mim por um momento que pareceu durar uma eternidade. Mesmo sem palavras, eu sabia. Ele estava satisfeito. Ele não precisava dizer, o brilho gelado em seus olhos falava por si. — Impressionante — murmurou Nikolai, sua voz tingida com uma surpresa que nunca soava genuína. — Ainda assim, não posso imaginar como ele nos será útil. O sorriso que se seguiu foi enigmático, um daqueles sorrisos que sempre me deixava inquieto, nunca certo do que ele realmente estava pensando. Ele olhou para mim por mais um instante, antes de se voltar para Nikolai, pegando a arma das minhas mãos com um gesto calmo, mas carregado de autoridade. Tudo o que meu pai fazia era uma lição, uma demonstração de poder. Sem dizer uma única palavra, ele começou a caminhar mais fundo na floresta. A neblina densa nos envolvia como um manto, abafando os sons e transformando o mundo em uma paisagem fantasmagórica. Nikolai o seguiu, ainda cético, seus olhos brilhando com dúvidas não ditas, como se tentasse decifrar o quebra-cabeça que meu pai representava. Os dois seguranças de Nikolai vieram logo atrás de nós, suas presenças imponentes e ameaçadoras, mas ao mesmo tempo desnecessárias naquela situação. Quando meu pai parou abruptamente, o silêncio da floresta pareceu pesar sobre nós como uma cortina espessa. Ele girou a arma em suas mãos com a habilidade de quem conhecia o objeto intimamente, e então lançou um olhar para Nikolai, seus olhos tão frios quanto as longas noites de inverno na Rússia. — Me diga, Nikolai — começou ele, sua voz tranquila, mas com um subtexto sombrio que era impossível ignorar — por que, depois de todos esses anos de amizade, você ainda sente a necessidade de manter esses seguranças dentro da minha casa? Você acha que precisa de proteção... de mim? Nikolai forçou um sorriso, tenso, suas feições endurecidas pela situação desconfortável. Ele balançou a cabeça lentamente, como se a ideia fosse absurda, embora claramente não o fosse. — Você conhece os tempos, Ivan — respondeu ele, a tensão em sua voz agora perceptível. — Não é uma questão de confiança. Apenas... precaução. Nada pessoal. Meu pai assentiu, o sorriso enigmático ainda nos lábios. Ele olhou para mim, e naquele olhar — frio e calculado — eu soube exatamente o que ele queria. Era um entendimento silencioso entre nós, como se as palavras fossem desnecessárias. Eu sabia o que fazer. Me movi sem hesitar. Meus passos foram rápidos, controlados. O primeiro segurança não teve tempo de reagir. Minha mão deslizou para a faca que meu pai havia me dado no meu quinto aniversário, a lâmina brilhando à luz difusa da névoa. Com um movimento certeiro, cravei a faca em sua garganta. O sangue jorrou quente, pulsante, enquanto ele agarrava o próprio pescoço em um reflexo inútil, os olhos arregalados em um choque que já era tarde demais para ser revertido. Seu corpo tombou pesadamente no chão, sem vida. Sem perder tempo, agarrei a arma presa ao coldre dele, fria e pesada em minhas mãos pequenas. O segundo segurança, agora alarmado, deu um passo para trás, sua mão indo rapidamente para o cinto, onde sua própria arma descansava. Mas ele era lento, muito lento. Levantei a arma, os movimentos fluidos como se tivessem sido ensaiados inúmeras vezes, e mirei diretamente em seu peito. O primeiro disparo ressoou seco, o recuo familiar em minhas mãos já não me perturbava. Ele foi atingido, o corpo cambaleando para trás, os olhos arregalados em surpresa e dor. Antes que pudesse sacar sua arma, apertei o gatilho novamente. O segundo disparo acertou diretamente o coração. O eco do tiro reverberou na floresta antes de desaparecer, engolido pela névoa que tudo envolvia. Ele caiu de joelhos, o olhar vidrado fixo em algum ponto distante antes de desabar completamente. O silêncio voltou, pesado, quase sufocante. Meus ouvidos ainda zumbavam dos disparos, mas minha mente estava fria, clara. Me levantei lentamente, limpando a faca na minha roupa, os movimentos automáticos. Olhei para meu pai. Ele estava parado ao lado de Nikolai, a expressão impassível. Mas seus olhos, sempre seus olhos — frios, calculistas — tinham aquele brilho particular que só eu conseguia reconhecer. Ele estava satisfeito. Ele sabia que eu havia aprendido a lição. Nikolai, por outro lado, estava imóvel, os olhos fixos nos corpos de seus seguranças caídos. Sua respiração estava rápida, irregular, e seu rosto perdera a cor. Finalmente, ele entendeu. Papai não estava apenas me escondendo do mundo. Ele estava me moldando, me treinando para ser a arma que ninguém jamais esperaria. — Como eu disse, Nikolai — a voz de meu pai era casual, quase indiferente, enquanto olhava para os corpos no chão. — Roman é o nosso plano. E quando a hora chegar, ele fará o que for preciso. Nikolai finalmente rompeu o silêncio, sua voz vacilante. — Ivan... Roman é a peça que faltava. Mas você sabe tão bem quanto eu que o que aconteceu aqui... — ele fez uma pausa, respirando fundo — isso não pode acontecer com outras pessoas por perto. Se eu vi, outros também podem ver. Roman precisa sair daqui. É perigoso mantê-lo aqui. Meu pai permaneceu imóvel, seu sorriso de antes desaparecido, mas o olhar ainda calculista. Ele assentiu lentamente, como se já tivesse considerado todas as implicações. — Sim, você está certo — ele respondeu, sua voz baixa, mas cheia de autoridade. — Roman será levado para longe. Para um lugar onde ninguém o verá. Onde poderá ser treinado sem que ninguém desconfie. Nikolai assentiu, ainda com um ar de preocupação, mas satisfeito com a resposta. — Não se preocupe, Nikolai. Roman estará pronto quando for necessário. — Ele virou-se para mim por um breve momento, o olhar intenso, como se estivesse me desafiando a interiorizar suas palavras. — Ele nasceu com esse dom. Ele nasceu para ser um assassino. Nikolai ficou em silêncio, claramente ponderando o que acabara de ouvir. Meu pai sempre fora um homem de palavras calculadas, e naquele momento, eu sabia que ele estava falando a verdade. — Ele foi criado para ser letal. Não por escolha, mas por destino. Ele será o golpe final, o fio da espada que cortará todos os nossos inimigos. Ele foi moldado desde o nascimento para esse papel. Seu primeiro crime foi matar a mulher que eu amava, e seu último será trazer a paz à nossa Bratva... ou destruí-la, se for necessário. Eu não era apenas um herdeiro. Eu era uma arma moldada pelo destino.Roman Ostrov – 18 anos Sicília | Máfia Italiana O homem que me encarava do outro lado do espelho não era mais o garoto que deixara a Rússia seis anos atrás. Aos 12 anos, quando Ivan me trouxe para a Sicília, eu era moldado por promessas, preparado para ser uma arma letal, o orgulho da Bratva. Mas aquele menino tinha desaparecido. O reflexo à minha frente agora era algo muito mais perigoso, mais frio, mais implacável. Meus olhos, que antes vibravam com curiosidade e fervor juvenil, agora estavam calmos, gélidos. O semblante sereno que eu exibia poderia facilmente enganar qualquer um que não entendesse o verdadeiro peso do mundo em que eu vivia. A superficialidade da juventude ainda me cercava, mas apenas na aparência. A profundidade das sombras que me moldaram estavam impressas em minha alma. Aos olhos dos outros, eu era jovem demais para ser uma figura tão envolvida nos jogos de poder e sangue. Mas isso era apenas a superfície. A máfia italiana tinha me quebrado, me destruído e
Donatella Romanova - 8 anos Moscou | Mansão Romanov Aos oito anos, eu ainda era uma criança, inocente em muitos aspectos, mas a mansão onde cresci não permitia que essa inocência durasse muito. Enquanto brincava no corredor com minha boneca, os ecos de vozes abafadas vieram do escritório. Não era incomum ouvir conversas entre minha mãe, Anastacia, e os homens de confiança de meu pai. Mas havia algo diferente naquele tom, algo que me fez parar. Curiosa, me aproximei da porta entreaberta, sabendo que deveria ficar longe. Eu já tinha ouvido tantas vezes que espiar assuntos dos adultos traria problemas, mas algo na tensão na voz de minha mãe me puxou irresistivelmente. — Eu não aguento mais esperar, Nikolai! — a voz dela estava ríspida, carregada de uma impaciência que eu não costumava ouvir. — Já faz anos. Quanto mais tempo isso vai levar? Houve uma pausa. A resposta de Nikolai veio calma, metódica, como sempre. — Já lhe expliquei, Anastacia. Isso deve ser feito com cautela. —
Roman Ostrov - 18 anos São Petersburgo O frio de São Petersburgo não era apenas uma presença física; ele cortava como lâminas invisíveis, entrando por cada poro, se infiltrando nos ossos. Mas aquilo não me incomodava. Estar de volta à Rússia era mais que uma mudança geográfica, era um retorno ao meu destino inevitável. Durante os anos que passei na Sicília, fui moldado, endurecido pela Cosa Nostra, e agora estava pronto para cumprir o papel que a Bratva exigia de mim. A hora de provar minha lealdade havia chegado. A reunião seria o primeiro passo. Esperava encontrar o Conselho da Bratva, onde seria formalmente apresentado como o filho de Ivan Ostrov, o Capitão, e finalmente fazer o juramento que eu já havia ensaiado tantas vezes em minha mente: Pelo Sangue e Pela Bratva. Mas o que me esperava não era o Conselho, e sim duas figuras isoladas na penumbra da sala. O local era uma construção antiga, suas paredes de pedra tão velhas quanto os segredos que guardavam. Ao entrar, senti
Donatella Romanova - 8 anos Já faz meses que papai anda doente. Os médicos, figuras de jaleco branco e olhares clínicos, insistem que seu coração está fraco. Mas minha mãe, Anastacia, tem pouco tempo e menos paciência para as explicações desses homens. "Seu coração é fraco demais para liderar a Bratva," ela diz, sua voz cortante como uma lâmina de gelo. As palavras dela, tão cheias de desprezo, reverberam em minha mente como um eco perturbador. Há uma verdade amarga nelas, uma verdade que me incomoda profundamente, mesmo que eu não entenda completamente o que isso significa. Papai, o homem outrora temido por todos, não é mais o mesmo. Ele está mais frágil, suas mãos tremem, seus passos são mais lentos. Até as surras que costumavam ecoar pelas paredes da mansão pararam. Era estranho não ouvir mais o som das cintas, dos gritos abafados e dos olhos suplicantes. Eu sabia, no fundo do meu coração, que ele estava fraco demais até para impor sua fúria sobre as desobediências de minha mãe.
Roman Ostrov - 18 anos O som abafado da prisão já havia se tornado um ruído familiar, quase um companheiro silencioso. O eco constante de vozes distantes, o ranger das camas de metal enferrujado e o silêncio pesado que preenchia as lacunas entre as paredes de concreto... tudo isso fazia parte do cenário que me envolvia. A cela, pequena e opressora, era o meu território agora. Ou, pelo menos, era assim que precisava pensar para manter a sanidade. Mas a cada dia que passava, a espera se tornava uma tortura lenta, o tique-taque invisível da minha paciência sendo corroído a cada segundo. Sabia que estava ali por um motivo maior — uma missão. Um alvo. Um teste. Mas mesmo com esse conhecimento, a incerteza e o tédio me consumiam como um fogo que queimava silenciosamente por dentro. Foi numa tarde cinzenta e claustrofóbica que a ligação chegou. Como um som dissonante no caos rotineiro da prisão, o guarda veio me chamar. Eu sabia, antes mesmo de pegar o telefone, que algo importante esta
Dias atuais... Roman Ostrov – 28 anos O tempo dentro das paredes frias da prisão havia me moldado de formas que eu jamais poderia prever. Dez anos. Dez longos anos desde que entrei aqui com uma única missão. Mas, ao longo desses anos, aprendi que o verdadeiro poder não reside apenas em sobreviver, mas em dominar. E foi exatamente isso que fiz. Ao lado do velho, que no início todos subestimavam, nos tornamos os senhores desse lugar infernal. O velho, com sua sabedoria acumulada por décadas de experiência nas sombras da Bratva, e eu, com minha juventude e ambição, fizemos da prisão o nosso império. Os guardas nos respeitavam — ou, mais frequentemente, nos temiam. E os prisioneiros, antes desorganizados e violentos, agora se reportavam a nós como soldados fiéis. Sob o comando do velho e minha liderança emergente, controlávamos o tráfico, o contrabando, e cada negócio que movia poder e dinheiro atrás dessas grades. Para muitos, essa prisão era um pesadelo; para nós, era um reino. M
Roman Ostrov O telefone tocou uma vez. O som ecoou pela cela como um presságio. Quando atendi, a voz fria e metódica de Nikolai me atingiu com a mesma precisão de sempre. — O alvo chegou — ele disse, sem rodeios. — Está em uma cela isolada. Chegou o momento de provar sua lealdade ao conselho. Eu ouvi em silêncio, deixando que suas palavras mergulhassem na minha mente. Tinha esperado por esse momento por muito tempo, mas agora, as circunstâncias eram diferentes. Não era apenas o Roman que entrou nessa prisão anos atrás. Muito havia mudado. — Cumprirei a missão, como me foi ordenado — respondi, minha voz calma, controlada. Desliguei o telefone e fiquei em silêncio por alguns instantes. Eu tinha uma nova missão, uma tarefa que deveria provar minha lealdade à Bratva diante do conselho. Mas havia algo que eles não sabiam, algo que eu guardaria em segredo por enquanto. Antes de ser iniciado formalmente, antes de fazer o juramento "Pelo Sangue e Pela Bratva", eu já havia me pr
Roman Ostrov Olhei em volta, estudando o estado da cela. As roupas do homem estavam sujas e rasgadas, indicando que houve uma luta antes de sua morte. Então, algo chamou minha atenção. Uma tatuagem no peito do homem, parcialmente coberta pelo sangue. Uma águia... usando uma coroa. Meus olhos se arregalaram enquanto a realidade me atingia como um golpe bem cravado no coração. Aquele homem... não era apenas o alvo. Ele era o chefe da Bratva. A águia coroada era um símbolo sagrado, reservado apenas para o líder supremo. A revelação me fez cambalear para trás, o coração disparado no peito. Um turbilhão de pensamentos inundou minha mente. Nikolai e meu pai, Ivan, não estavam testando minha lealdade... eles estavam conspirando contra a Bratva. Por isso eu nunca fui apresentado à cúpula da organização. Por isso, meu juramento de lealdade havia sido adiado por tanto tempo. Eles não queriam que eu soubesse a verdade, que eu entendesse a profundidade de sua traição. Eles queriam que