4 - A Primeira Lição

Donatella Romanova - 8 anos

Moscou | Mansão Romanov

Aos oito anos, eu ainda era uma criança, inocente em muitos aspectos, mas a mansão onde cresci não permitia que essa inocência durasse muito. Enquanto brincava no corredor com minha boneca, os ecos de vozes abafadas vieram do escritório. Não era incomum ouvir conversas entre minha mãe, Anastacia, e os homens de confiança de meu pai. Mas havia algo diferente naquele tom, algo que me fez parar.

Curiosa, me aproximei da porta entreaberta, sabendo que deveria ficar longe. Eu já tinha ouvido tantas vezes que espiar assuntos dos adultos traria problemas, mas algo na tensão na voz de minha mãe me puxou irresistivelmente.

— Eu não aguento mais esperar, Nikolai! — a voz dela estava ríspida, carregada de uma impaciência que eu não costumava ouvir. — Já faz anos. Quanto mais tempo isso vai levar?

Houve uma pausa. A resposta de Nikolai veio calma, metódica, como sempre.

— Já lhe expliquei, Anastacia. Isso deve ser feito com cautela. — Sua voz soava tranquila, quase desinteressada. Ouvi um som suave, como se algo fosse colocado sobre a mesa. — Aqui estão os frascos. Apenas uma gota por semana. Quando todos estiverem vazios, o problema estará resolvido definitivamente.

Meu coração disparou, e meu corpo congelou. Não entendia o que significava, mas o tom conspirador entre eles me deixou com uma sensação de medo que eu não conseguia explicar. Me aproximei mais, espiando pela pequena abertura da porta, tentando ver o que Nikolai havia entregue à minha mãe.

Minha mãe pegou os pequenos frascos, a luz suave da sala os fazendo cintilar. Ela os observou com uma expressão de desdém, seus lábios se contorcendo em uma linha fina e insatisfeita.

— Vai levar muito tempo, Nikolai. Isso é ridículo! — sussurrou, o tom de sua voz carregado de frustração contida.

— É isso ou a morte por traição — ele respondeu, a voz gélida e sem emoção. — Você sabe o que está em jogo.

Observei enquanto minha mãe, com um gesto delicado e quase íntimo, acariciava o rosto de Nikolai, um gesto que me deixou inquieta. Havia algo de errado naquilo. Meu estômago revirou, e me movi para ver melhor, mas o som distante dos motores interrompeu o momento.

Os motores rugiam lá fora, um som que eu conhecia bem. Meu pai, o chefe da Bratva, nunca chegava sozinho. Sempre acompanhado por uma frota de carros pretos que se destacavam no inverno cinzento de Moscou. Aquele som carregava poder. Assim que os carros paravam, os soldados surgiam, silhuetas ameaçadoras e vigilantes, garantindo que cada passo de meu pai fosse protegido com uma precisão quase militar. A chegada dele sempre mudava a atmosfera da mansão. Era como se o ar ficasse mais pesado, como se todos tivessem que se preparar para o seu comando.

Minha mãe e Nikolai deixaram o escritório apressados, passando por mim sem me ver, suas expressões cuidadosamente compostas. Nikolai foi em direção ao sofá na sala de estar, sentando-se com uma calma forçada. Minha mãe, por outro lado, retomou a postura ereta e austera, como se o breve momento de conspiração tivesse sido um lapso indesejado. Ela chamou uma das empregadas com um gesto elegante, porém frio.

— Traga-me um café — ordenou, com uma voz carregada de desdém. Sua máscara de indiferença estava de volta, impenetrável.

Quando meu pai entrou, sua presença preencheu o ambiente. Ele não precisava falar; sua simples existência dominava o espaço. Os soldados o seguiam como sombras silenciosas, suas armas à mostra, mas nunca necessárias. Meu pai era uma força da natureza, e até minha mãe, com toda sua compostura, se mantinha sob seu olhar com uma certa tensão.

Ele trocou algumas palavras tranquilas com Nikolai, sem pressa, sem levantar a voz. Tudo parecia em ordem, como se o caos que eu acabara de testemunhar não existisse. Mas algo estava errado. Eu sentia isso, como um nó apertado em meu peito.

Quando a noite caiu, o peso do que eu havia visto não me deixou em paz. A mansão estava mergulhada em um silêncio pesado, e minha mente girava com as perguntas que eu ainda não sabia como fazer. Quando minha mãe veio ao meu quarto, com o pente nas mãos para arrumar meus cabelos, a curiosidade venceu.

— Mamãe? — minha voz saiu baixa, hesitante. — Por que você fez carinho no rosto do conselheiro do papai hoje mais cedo?

O pente parou por um segundo, e o silêncio que se seguiu me fez arrepender imediatamente da pergunta. O ar ao nosso redor parecia congelar, e antes que eu pudesse dizer mais nada, senti o tapa. Rápido, forte, e cheio de uma raiva que eu não esperava. Minha bochecha queimava, e olhei para ela com os olhos arregalados, sem entender completamente o que tinha acabado de acontecer.

— Nunca mais repita isso, Donatella — sua voz saiu baixa, mas havia um tom ameaçador que me fez estremecer. — Você não deve se meter em assuntos que não lhe dizem respeito. Lembre-se de quem você é.

As lágrimas ardiam em meus olhos, mas eu as segurei. Mais do que a dor física, foi o tom dela que me abalou. Ela voltou a pentear meu cabelo com mais suavidade, mas o peso de suas palavras ainda pairava no ar.

— As mulheres, Donatella, dominam os homens de outra forma — disse ela, a voz tão fria quanto o vento lá fora. — Os homens usam a força, a violência. Eles governam pelo medo. Mas nós, mulheres... nós temos outra arma. — Ela fez uma pausa, o pente deslizando pelos meus cabelos de forma calculada. — Oferecemos beijos mortais. É assim que ganhamos o nosso poder.

Aquelas palavras me confundiram, mas também me deixaram assustada. Como uma criança de oito anos poderia compreender plenamente o que minha mãe estava tentando me ensinar?

— Nunca se esqueça, Donatella — ela continuou, o tom agora mais suave, quase gentil. — Os homens podem achar que estão no controle, mas o verdadeiro poder pertence às mulheres que sabem como usá-lo.

A casa, que antes parecia tão grandiosa e cheia de vida, agora me parecia fria, sufocante. As palavras de minha mãe ainda pairavam em minha mente quando o silêncio foi rompido por um som que eu nunca esqueceria. Os gritos de meu pai ecoaram pelos corredores, carregados de fúria. Sua voz, normalmente calma e controlada, estava tingida de uma raiva profunda. Eu tentei ignorar, mas logo a voz de minha mãe se juntou à dele. Eles estavam discutindo.

Os gritos de minha mãe aumentaram, e logo foram cortados pelo som seco de algo brutal. O choque reverberou dentro de mim. Não era só uma briga, era algo muito pior. O som dos golpes inconfundíveis ecoava pelos corredores, cada um mais forte que o anterior. O pavor tomou conta de mim. Meu corpo tremia, mas minha mente ainda não conseguia aceitar o que estava acontecendo.

Eu precisava ver.

Tremendo, caminhei até o corredor. Cada passo parecia uma eternidade. Os gritos de minha mãe ficaram mais altos à medida que me aproximava. Quando cheguei à porta estava entreaberta, isso só podia significar uma coisa: a lição não era só para minha mãe, era para mim também. Eu precisava entender o que acontecia com uma mulher quando ela desobedecia. A desobediência de uma mulher desperta a violência no homem, era uma frase que o meu pai costumava repetir.

Criei coragem e espiei pela fresta, minha respiração parou.

Minha mãe estava caída na cama, o rosto desfigurado pelos golpes, o sangue manchando os lençóis. Meu pai, com o rosto endurecido, continuava a desferir os golpes com uma frieza que eu jamais imaginara.

— Se alguém descobrir o que você está fazendo, Anastacia... — ele rosnou, sua voz cheia de veneno. — Isso aqui vai parecer uma brincadeira.

Por um instante, seus olhos encontraram os meus. O medo me paralisou. Eu girei sobre os calcanhares e corri de volta para o meu quarto, o som dos gritos da minha mãe ainda ecoando em meus ouvidos. Cada passo era uma fuga desesperada daquele horror, mas eu sabia, no fundo, que aquilo não seria facilmente esquecido.

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