Donatella Romanova - 8 anos
Já faz meses que papai anda doente. Os médicos, figuras de jaleco branco e olhares clínicos, insistem que seu coração está fraco. Mas minha mãe, Anastacia, tem pouco tempo e menos paciência para as explicações desses homens. "Seu coração é fraco demais para liderar a Bratva," ela diz, sua voz cortante como uma lâmina de gelo. As palavras dela, tão cheias de desprezo, reverberam em minha mente como um eco perturbador. Há uma verdade amarga nelas, uma verdade que me incomoda profundamente, mesmo que eu não entenda completamente o que isso significa. Papai, o homem outrora temido por todos, não é mais o mesmo. Ele está mais frágil, suas mãos tremem, seus passos são mais lentos. Até as surras que costumavam ecoar pelas paredes da mansão pararam. Era estranho não ouvir mais o som das cintas, dos gritos abafados e dos olhos suplicantes. Eu sabia, no fundo do meu coração, que ele estava fraco demais até para impor sua fúria sobre as desobediências de minha mãe. Ainda assim, ele se recusa a ceder ao inevitável. Ele tenta, com todas as forças que restam, manter as aparências. Sua postura ereta, os olhares desafiadores e as ordens gritadas... mas seus olhos não mentem. Aqueles olhos, antes tão firmes e aterradores, agora estão carregados de sombras. Cada vez que olho para eles, vejo o medo se instalando. Ele está perdendo o controle, e ele sabe disso. Uma tarde fria, enquanto eu brincava no jardim da mansão — as folhas secas caindo ao meu redor, a brisa gelada que prenunciava o fim do outono —, papai me chamou. Sua voz, embora mais fraca, ainda carregava aquela nota de comando que fazia com que todos ao redor se calassem imediatamente. — Donatella — ele chamou, com um sorriso que parecia mais uma tentativa de esconder a dor. — Quero que venha comigo. Vamos viajar, apenas nós dois. Fiquei surpresa. Papai nunca me chamava para ir com ele em viagens. Meu coração, tão acostumado a temer sua presença, acelerou de empolgação. Talvez, pela primeira vez em muito tempo, ele estivesse querendo passar tempo comigo. Sem pensar duas vezes, assenti. Eu ansiava por aquele momento, pela chance de ter o meu pai para mim, sem as sombras da Bratva nos rodeando. A viagem seria para uma casa isolada, longe dos olhos vigilantes da mansão, longe das tensões que pairavam sobre nosso lar como uma nuvem de tempestade. Na minha cabeça, imaginei uma aventura — talvez seria como os dias de antes, quando ele era o herói da minha infância. A estrada que cortava a vasta paisagem russa era interminável. O carro avançava em silêncio, enquanto as árvores nuas passavam como borrões sombrios. A escolta, sempre presente, nos seguia a uma distância segura. Eu olhava pela janela, o céu cinzento refletindo a inquietação que sempre senti ao lado de papai. Mas então, algo mudou. A escolta, que sempre nos seguia como sombras inabaláveis, começou a desaparecer. Primeiro, os carros começaram a se afastar. E, em minutos, simplesmente não estavam mais lá. Papai notou antes de mim. Sua expressão mudou, os lábios se apertaram, o semblante que antes se esforçava para manter a serenidade agora estava tomado por uma nuvem de preocupação. Ele murmurou algo em russo, algo que não consegui entender. — Papai? — perguntei, com a voz trêmula de medo. — Onde estão os outros? Ele não respondeu de imediato. Seus olhos, que antes carregavam uma autoridade inquestionável, agora estavam cheios de tensão. Suas mãos, aquelas mesmas que tantas vezes seguraram o poder da Bratva, estavam trêmulas sobre o volante. De repente, o som estridente de sirenes rasgou o silêncio da estrada. Meu coração disparou. O som era crescente, as luzes vermelhas e azuis piscavam no retrovisor como presságios. Papai praguejou, as palavras saindo com veneno enquanto apertava o volante com força. — Segure-se, Donatella — ele ordenou, sua voz carregada de uma urgência que eu nunca havia ouvido antes. Mesmo doente, mesmo frágil, meu pai acelerou o carro. O motor rugiu enquanto a paisagem ao nosso redor se transformava em um borrão. A perseguição começou. O asfalto diante de nós se esticava como uma serpente traiçoeira, e eu mal conseguia respirar. Olhei para ele — o suor escorria por sua testa, seu rosto estava pálido, mas a determinação em seus olhos era aterradora. As curvas da estrada se tornaram mais fechadas, perigosas. Mas ele não diminuía a velocidade. Sabia que, se fosse capturado, não haveria volta. Seu corpo mal conseguia aguentar, sua respiração era pesada, cada suspiro uma batalha. Mas ele se recusava a parar. Era um líder até o último instante. Os carros da polícia começavam a se afastar, mas o esforço estava cobrando seu preço. Após o que pareceu uma eternidade, conseguimos despistá-los. Papai desacelerou, estacionando o carro em uma clareira isolada. O vento soprava entre as árvores, o único som além do motor do carro que começava a esfriar. Ele respirava com dificuldade, o rosto pálido como um cadáver. — Papai... — murmurei, a preocupação crescendo dentro de mim. Ele ergueu a mão, pedindo silêncio. Seus olhos estavam fechados, sua respiração ofegante. Ficamos assim por longos minutos, até que ele finalmente conseguiu recuperar o fôlego. Mas quando abriu os olhos, não havia alívio — apenas uma fúria fria, cortante. — Vamos voltar para casa — ele disse, sua voz tão gelada quanto a noite que caía ao nosso redor. — Isso não vai ficar assim. Pegou o telefone com mãos ainda trêmulas, mas sua determinação era inquebrável. Ele discou rapidamente, o som do sinal chamando reverberava no silêncio da clareira. Fiquei observando, ainda tremendo pela perseguição, mas o medo foi lentamente substituído pela admiração. Mesmo à beira da morte, ele ainda era o chefe. Ainda era meu pai. — Nikolai — ele rosnou, quando a ligação foi atendida. Sua voz era rouca, desgastada pela corrida, mas ainda carregava o peso de um líder. — Fomos traídos. Do outro lado, pude ouvir a voz abafada de Nikolai, tentando explicar, justificar. Mas papai não o deixou falar. — Eu não me importo com suas desculpas — ele interrompeu, a voz endurecida pela fúria. — Quem quer que tenha nos traído, eu quero essa pessoa morta. Não importa o custo. Houve uma breve pausa. A mão de papai apertou o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. — Enquanto eu estiver vivo, Nikolai, essa cadeira ainda é minha. A Bratva ainda é minha. E enquanto minha esposa e minha filha respirarem, essa cadeira continuará pertencendo a um Romanov.Roman Ostrov - 18 anos O som abafado da prisão já havia se tornado um ruído familiar, quase um companheiro silencioso. O eco constante de vozes distantes, o ranger das camas de metal enferrujado e o silêncio pesado que preenchia as lacunas entre as paredes de concreto... tudo isso fazia parte do cenário que me envolvia. A cela, pequena e opressora, era o meu território agora. Ou, pelo menos, era assim que precisava pensar para manter a sanidade. Mas a cada dia que passava, a espera se tornava uma tortura lenta, o tique-taque invisível da minha paciência sendo corroído a cada segundo. Sabia que estava ali por um motivo maior — uma missão. Um alvo. Um teste. Mas mesmo com esse conhecimento, a incerteza e o tédio me consumiam como um fogo que queimava silenciosamente por dentro. Foi numa tarde cinzenta e claustrofóbica que a ligação chegou. Como um som dissonante no caos rotineiro da prisão, o guarda veio me chamar. Eu sabia, antes mesmo de pegar o telefone, que algo importante esta
Dias atuais... Roman Ostrov – 28 anos O tempo dentro das paredes frias da prisão havia me moldado de formas que eu jamais poderia prever. Dez anos. Dez longos anos desde que entrei aqui com uma única missão. Mas, ao longo desses anos, aprendi que o verdadeiro poder não reside apenas em sobreviver, mas em dominar. E foi exatamente isso que fiz. Ao lado do velho, que no início todos subestimavam, nos tornamos os senhores desse lugar infernal. O velho, com sua sabedoria acumulada por décadas de experiência nas sombras da Bratva, e eu, com minha juventude e ambição, fizemos da prisão o nosso império. Os guardas nos respeitavam — ou, mais frequentemente, nos temiam. E os prisioneiros, antes desorganizados e violentos, agora se reportavam a nós como soldados fiéis. Sob o comando do velho e minha liderança emergente, controlávamos o tráfico, o contrabando, e cada negócio que movia poder e dinheiro atrás dessas grades. Para muitos, essa prisão era um pesadelo; para nós, era um reino. M
Roman Ostrov O telefone tocou uma vez. O som ecoou pela cela como um presságio. Quando atendi, a voz fria e metódica de Nikolai me atingiu com a mesma precisão de sempre. — O alvo chegou — ele disse, sem rodeios. — Está em uma cela isolada. Chegou o momento de provar sua lealdade ao conselho. Eu ouvi em silêncio, deixando que suas palavras mergulhassem na minha mente. Tinha esperado por esse momento por muito tempo, mas agora, as circunstâncias eram diferentes. Não era apenas o Roman que entrou nessa prisão anos atrás. Muito havia mudado. — Cumprirei a missão, como me foi ordenado — respondi, minha voz calma, controlada. Desliguei o telefone e fiquei em silêncio por alguns instantes. Eu tinha uma nova missão, uma tarefa que deveria provar minha lealdade à Bratva diante do conselho. Mas havia algo que eles não sabiam, algo que eu guardaria em segredo por enquanto. Antes de ser iniciado formalmente, antes de fazer o juramento "Pelo Sangue e Pela Bratva", eu já havia me pr
Roman Ostrov Olhei em volta, estudando o estado da cela. As roupas do homem estavam sujas e rasgadas, indicando que houve uma luta antes de sua morte. Então, algo chamou minha atenção. Uma tatuagem no peito do homem, parcialmente coberta pelo sangue. Uma águia... usando uma coroa. Meus olhos se arregalaram enquanto a realidade me atingia como um golpe bem cravado no coração. Aquele homem... não era apenas o alvo. Ele era o chefe da Bratva. A águia coroada era um símbolo sagrado, reservado apenas para o líder supremo. A revelação me fez cambalear para trás, o coração disparado no peito. Um turbilhão de pensamentos inundou minha mente. Nikolai e meu pai, Ivan, não estavam testando minha lealdade... eles estavam conspirando contra a Bratva. Por isso eu nunca fui apresentado à cúpula da organização. Por isso, meu juramento de lealdade havia sido adiado por tanto tempo. Eles não queriam que eu soubesse a verdade, que eu entendesse a profundidade de sua traição. Eles queriam que
Roman Ostrov Houve um burburinho entre os capitães presentes. Olhei em volta, ainda amarrado e mudo, mas pude perceber os rostos de homens que nunca tinha visto pessoalmente, mas cujas reputações os precediam. Estes eram os homens mais poderosos da Bratva, cada um com um território e uma legião de seguidores leais. Nikolai fez questão de apresentar todos eles, mas os seus nomes já haviam sido citados na prisão, assim como os seus feitos. Sergei Volkov, Capitão de São Petersburgo, era um homem de meia-idade, corpulento e com olhos frios e calculadores. Ele estava sentado com os braços cruzados, seus dedos acariciando distraidamente a tatuagem de uma caveira em sua mão. Ao seu lado, Dmitry Kozlov, o líder brutal de uma das maiores facções de Moscou, observava Ivan com desconfiança. Dmitry era conhecido por ser impiedoso, seus olhos eram como punhais, sempre prontos para perfurar quem se metesse em seu caminho. No canto mais distante da mesa, Boris Petrov, um homem magro e de ol
Roman Ostrov Os capitães se entreolharam, e a votação começou. As vozes eram graves, cada uma carregando o peso de decisões que mudariam o futuro da Bratva. Eu observava tudo, na prisão eu aprendi muito, aprendi a ler o jogo por inteiro, e tudo naquele cenário me pareceu deslocado, fora de lugar. Poderia ser um grande movimento dos traidores, mas não era o último e se dependesse de mim o último movimento de Nikolai e Ivan seriam no inferno. Conforme a votação prosseguia, o resultado se tornava evidente: havia um empate. Sergei Volkov, Boris Petrov, e Alexei Sokolov votaram em Nikolai, enquanto outros capitães mais próximos a meu pai votaram nele. O equilíbrio era frágil, e agora tudo dependia do último voto. Dmitry Kozlov, o único a mesa que parecia possuir algum entendimento sobre a gravidade do que estava acontecendo ali, se levantou lentamente, seus olhos pesados enquanto observava meu pai. Ele era um homem de poucas palavras. Todos na sala o observavam, aguardando sua dec
Dias atuais... Donatella Romanova - 18 anos O silêncio na mansão Romanov era ensurdecedor, interrompido apenas pelo som distante dos passos suaves de Anastacia, minha mãe, atravessando o corredor como uma sombra. Ela apareceu à minha frente, seu rosto sem emoção, mas seus olhos brilhando com algo que eu não conseguia definir. Talvez fosse satisfação disfarçada, talvez fosse o alívio que ela vinha esperando por tanto tempo. — Donatella — ela disse, sua voz controlada, com uma tranquilidade quase perturbadora. — Seu pai... foi morto, na prisão. Eu senti meu estômago revirar, o chão parecia se desintegrar sob meus pés. As palavras dela caíram sobre mim como uma onda gélida. Uma dor forte me atingiu o peito, me fazendo curvar o corpo pra frente, em um movimento nada gracioso. — Mas não se preocupe — ela continuou, sem esperar uma resposta, enquanto atravessava a sala com a mesma elegância fria de sempre. — Nós estamos protegidas. Nikolai vai cuidar de tudo. — Ela tentou dar um
Roman Ostrov A reunião terminou, mas o peso dos olhares dos outros capitães permaneceu cravado em mim enquanto eu saía do prédio. Aqueles homens, que haviam dado suas vidas à Bratva, me encaravam como se eu fosse uma incógnita, um mistério que não conseguiam decifrar. Achavam que eu não pertencia a esse mundo? Eles não podiam estar mais enganados. Dmitry foi o único que teve coragem de me cumprimentar. Seus olhos, embora tranquilos, carregavam uma mensagem sutil. Ele sabia algo. Provavelmente, informações sobre o Sistema Prisional Russo, o suficiente para entender que eu, Roman Ostrov, jamais cometeria o erro de matar o chefe supremo da Bratva por engano. O seu gesto discreto confirmava o que eu já suspeitava — ele sabia que havia mais nessa história do que os outros imaginavam. No carro, a volta para casa se desenrolava em um silêncio pesado. Ivan Ostrov, ao meu lado, parecia perdido nos labirintos de seus próprios pensamentos. Eu, por outro lado, mantinha meus olhos fixos na escur