Dias atuais...
Roman Ostrov – 28 anos O tempo dentro das paredes frias da prisão havia me moldado de formas que eu jamais poderia prever. Dez anos. Dez longos anos desde que entrei aqui com uma única missão. Mas, ao longo desses anos, aprendi que o verdadeiro poder não reside apenas em sobreviver, mas em dominar. E foi exatamente isso que fiz. Ao lado do velho, que no início todos subestimavam, nos tornamos os senhores desse lugar infernal. O velho, com sua sabedoria acumulada por décadas de experiência nas sombras da Bratva, e eu, com minha juventude e ambição, fizemos da prisão o nosso império. Os guardas nos respeitavam — ou, mais frequentemente, nos temiam. E os prisioneiros, antes desorganizados e violentos, agora se reportavam a nós como soldados fiéis. Sob o comando do velho e minha liderança emergente, controlávamos o tráfico, o contrabando, e cada negócio que movia poder e dinheiro atrás dessas grades. Para muitos, essa prisão era um pesadelo; para nós, era um reino. Mas, como em qualquer reino, sempre existem traidores. Certa noite, soube que algo estava errado. Um garoto novo, recém-chegado, começou a se aproximar do velho com uma frequência que me deixou desconfiado. Suas conversas eram curtas, aparentemente inofensivas, mas algo no jeito nervoso e ansioso do garoto me alertava. Ele parecia inquieto demais, como se estivesse esperando o momento certo para agir. A desconfiança cravou suas garras em mim, e comecei a observá-lo de perto, como um lobo à espreita de uma presa frágil. A traição se revelou durante uma madrugada abafada, enquanto o silêncio sombrio da prisão era rompido apenas pelo som ocasional de passos ecoando pelos corredores. Fiquei à espreita, observando. O garoto, movido pela intenção oculta, entrou furtivamente na cela do velho, com uma lâmina improvisada escondida sob suas roupas. Era claro o que ele tinha vindo fazer. E eu, silencioso como a própria morte, me aproximei. Antes que ele pudesse cravar a faca no coração do velho, eu estava sobre ele. Com um movimento rápido e certeiro, agarrei o pescoço do traidor por trás e, num instante, torci sua cabeça com força suficiente para ouvir o som seco de ossos se partindo. O corpo do garoto desabou como uma marionete sem cordas. O velho, que até então havia permanecido imóvel, se levantou lentamente da cama. Seus olhos, embora marcados pelo cansaço de anos, carregavam um brilho de reconhecimento e gratidão. Ele se aproximou, os passos lentos, e olhou para o corpo sem vida do traidor aos nossos pés. Sabia que algo assim estava para acontecer. Alguém sempre tenta tomar o topo, e ele, como sobrevivente de inúmeras lutas pelo poder, não seria ingênuo o suficiente para ignorar as ameaças ao seu redor. — Mais uma vez você me salvou, Roman — disse o velho, a voz baixa e rouca, mas carregada de peso e sinceridade. Eu apenas assenti. Proteger o velho havia se tornado quase instintivo para mim. Ele me ensinara mais do que qualquer outro mentor na minha vida, e nossa aliança era, ao mesmo tempo, um pacto de sobrevivência e de lealdade. O velho se sentou na beirada da cama, as rugas profundas em seu rosto iluminadas pela luz fraca da cela. O ar estava pesado, carregado de significados não ditos, como se o próprio ambiente sentisse que algo mais estava por vir. — Preciso confessar algo — ele começou, sua voz agora trêmula, mas resoluta. — Eu realmente sou da Bratva, como todos sempre suspeitaram. — Ele fez uma pausa, como se estivesse pesando cada palavra que diria a seguir. — E eu sei quem você é, Roman. Sempre soube. Minhas mãos se apertaram levemente, e senti meu corpo enrijecer. Havia algo na voz do velho que me fazia ficar alerta. — Suas feições — ele continuou, os olhos estudando meu rosto com uma intensidade que eu nunca havia percebido antes. — Você me lembra alguém que conheci há muito tempo. Sua mãe, Polina Trofimova. — Ao mencionar o nome de minha mãe, a sombra de um sorriso triste apareceu em seus lábios. — Ela era uma mulher forte, com o mesmo olhar implacável. Eu sabia que você era o filho dela desde o primeiro momento em que vi seu rosto. As palavras dele me atingiram como um soco no estômago. Não era só que ele conhecia minha mãe. Ele sabia exatamente quem eu era desde o início. A magnitude do que ele estava revelando começou a se solidificar em minha mente. Com um gesto que me surpreendeu, o velho — o homem que todos temiam, que governava com punhos de ferro e sabedoria — ajoelhou-se lentamente diante de mim. Aquela cena parecia impossível. Aquele homem, temido por tantos, agora estava ajoelhado aos meus pés, como se reconhecesse algo maior do que qualquer título ou posição. Ele se levantou com dignidade, o peso dos anos claramente em seus ombros, e caminhou até o canto mais escuro da cela. Ali, puxou uma pequena caixa de madeira envelhecida, guardada com reverência. Seus dedos calejados abriram a caixa com cuidado, revelando agulhas, tinta e instrumentos rústicos, que ele manejava com a destreza de um artesão que entende o valor de seu ofício. — Rasgue a calça — ele ordenou, apontando para o meu joelho, sem deixar espaço para questionamentos. Com um gesto rápido, saquei a faca e rasguei o tecido da calça, expondo a pele acima do joelho. O velho, em um silêncio concentrado, começou a trabalhar. A agulha perfurava minha pele com precisão, mas a dor física era insignificante diante do peso simbólico do que aquilo representava. Enquanto ele desenhava meticulosamente a estrela de cinco pontas em minha pele, sua voz grave começou a ecoar na cela, carregada de um significado ancestral. — Esta estrela — ele começou, sem tirar os olhos do trabalho — não é só um símbolo. É mais do que poder, mais do que lealdade. Ela diz ao mundo que você é um вор в законе (vor v zakone), um homem sem lei, alguém que não responde às regras comuns, mas ao código inquebrável da Bratva. Um homem que não se dobra diante de ninguém. Cada linha traçada na minha pele era um juramento silencioso, cada ponto uma promessa de sangue e ferro. Eu sabia o que significava carregar essa estrela. Os homens que a possuíam eram uma elite, temidos e respeitados em igual medida, e seus nomes eram sussurrados com reverência e temor. — Esta estrela te coloca acima até do chefe da Bratva — o velho continuou, sua voz quase como um cântico. — Apenas aqueles que a carregam podem concedê-la. E agora, você faz parte de algo maior, mais antigo do que qualquer um de nós. Os vor v zakone são os guardiões da verdadeira essência da Bratva, aqueles que mantêm seu espírito vivo. Onde quer que você vá, esta tatuagem dirá ao mundo que você não responde a ninguém... exceto ao código. A tatuagem estava quase completa, e o silêncio na cela era interrompido apenas pelo som da agulha trabalhando, como uma música sombria e solene. — Lembre-se, Roman — o velho disse, parando para me encarar com os olhos firmes. — Esta estrela não é apenas um símbolo de privilégio. É um fardo. Você não a carrega por escolha. Agora, você pertence à Bratva... e a Bratva pertence a você. Quando ele terminou, limpou a pele marcada pela tinta e sangue, dando um passo para trás para observar seu trabalho. Eu olhei para a estrela recém-tatuada em meu joelho, sentindo seu peso não apenas na pele, mas na alma. — Agora — concluiu ele, sua voz impregnada de gravidade — você não é apenas Roman Ostrov. Você é um "homem sem lei". Enquanto o velho guardava os instrumentos com a calma que só a experiência traz, eu observava a estrela em minha pele, sentindo a ardência dela — não a dor física, mas o peso do juramento silencioso que havia feito. Os vor v zakone eram lendas. E agora, eu era um deles.Roman Ostrov O telefone tocou uma vez. O som ecoou pela cela como um presságio. Quando atendi, a voz fria e metódica de Nikolai me atingiu com a mesma precisão de sempre. — O alvo chegou — ele disse, sem rodeios. — Está em uma cela isolada. Chegou o momento de provar sua lealdade ao conselho. Eu ouvi em silêncio, deixando que suas palavras mergulhassem na minha mente. Tinha esperado por esse momento por muito tempo, mas agora, as circunstâncias eram diferentes. Não era apenas o Roman que entrou nessa prisão anos atrás. Muito havia mudado. — Cumprirei a missão, como me foi ordenado — respondi, minha voz calma, controlada. Desliguei o telefone e fiquei em silêncio por alguns instantes. Eu tinha uma nova missão, uma tarefa que deveria provar minha lealdade à Bratva diante do conselho. Mas havia algo que eles não sabiam, algo que eu guardaria em segredo por enquanto. Antes de ser iniciado formalmente, antes de fazer o juramento "Pelo Sangue e Pela Bratva", eu já havia me pr
Roman Ostrov Olhei em volta, estudando o estado da cela. As roupas do homem estavam sujas e rasgadas, indicando que houve uma luta antes de sua morte. Então, algo chamou minha atenção. Uma tatuagem no peito do homem, parcialmente coberta pelo sangue. Uma águia... usando uma coroa. Meus olhos se arregalaram enquanto a realidade me atingia como um golpe bem cravado no coração. Aquele homem... não era apenas o alvo. Ele era o chefe da Bratva. A águia coroada era um símbolo sagrado, reservado apenas para o líder supremo. A revelação me fez cambalear para trás, o coração disparado no peito. Um turbilhão de pensamentos inundou minha mente. Nikolai e meu pai, Ivan, não estavam testando minha lealdade... eles estavam conspirando contra a Bratva. Por isso eu nunca fui apresentado à cúpula da organização. Por isso, meu juramento de lealdade havia sido adiado por tanto tempo. Eles não queriam que eu soubesse a verdade, que eu entendesse a profundidade de sua traição. Eles queriam que
Roman Ostrov Houve um burburinho entre os capitães presentes. Olhei em volta, ainda amarrado e mudo, mas pude perceber os rostos de homens que nunca tinha visto pessoalmente, mas cujas reputações os precediam. Estes eram os homens mais poderosos da Bratva, cada um com um território e uma legião de seguidores leais. Nikolai fez questão de apresentar todos eles, mas os seus nomes já haviam sido citados na prisão, assim como os seus feitos. Sergei Volkov, Capitão de São Petersburgo, era um homem de meia-idade, corpulento e com olhos frios e calculadores. Ele estava sentado com os braços cruzados, seus dedos acariciando distraidamente a tatuagem de uma caveira em sua mão. Ao seu lado, Dmitry Kozlov, o líder brutal de uma das maiores facções de Moscou, observava Ivan com desconfiança. Dmitry era conhecido por ser impiedoso, seus olhos eram como punhais, sempre prontos para perfurar quem se metesse em seu caminho. No canto mais distante da mesa, Boris Petrov, um homem magro e de ol
Roman Ostrov Os capitães se entreolharam, e a votação começou. As vozes eram graves, cada uma carregando o peso de decisões que mudariam o futuro da Bratva. Eu observava tudo, na prisão eu aprendi muito, aprendi a ler o jogo por inteiro, e tudo naquele cenário me pareceu deslocado, fora de lugar. Poderia ser um grande movimento dos traidores, mas não era o último e se dependesse de mim o último movimento de Nikolai e Ivan seriam no inferno. Conforme a votação prosseguia, o resultado se tornava evidente: havia um empate. Sergei Volkov, Boris Petrov, e Alexei Sokolov votaram em Nikolai, enquanto outros capitães mais próximos a meu pai votaram nele. O equilíbrio era frágil, e agora tudo dependia do último voto. Dmitry Kozlov, o único a mesa que parecia possuir algum entendimento sobre a gravidade do que estava acontecendo ali, se levantou lentamente, seus olhos pesados enquanto observava meu pai. Ele era um homem de poucas palavras. Todos na sala o observavam, aguardando sua dec
Dias atuais... Donatella Romanova - 18 anos O silêncio na mansão Romanov era ensurdecedor, interrompido apenas pelo som distante dos passos suaves de Anastacia, minha mãe, atravessando o corredor como uma sombra. Ela apareceu à minha frente, seu rosto sem emoção, mas seus olhos brilhando com algo que eu não conseguia definir. Talvez fosse satisfação disfarçada, talvez fosse o alívio que ela vinha esperando por tanto tempo. — Donatella — ela disse, sua voz controlada, com uma tranquilidade quase perturbadora. — Seu pai... foi morto, na prisão. Eu senti meu estômago revirar, o chão parecia se desintegrar sob meus pés. As palavras dela caíram sobre mim como uma onda gélida. Uma dor forte me atingiu o peito, me fazendo curvar o corpo pra frente, em um movimento nada gracioso. — Mas não se preocupe — ela continuou, sem esperar uma resposta, enquanto atravessava a sala com a mesma elegância fria de sempre. — Nós estamos protegidas. Nikolai vai cuidar de tudo. — Ela tentou dar um
Roman Ostrov A reunião terminou, mas o peso dos olhares dos outros capitães permaneceu cravado em mim enquanto eu saía do prédio. Aqueles homens, que haviam dado suas vidas à Bratva, me encaravam como se eu fosse uma incógnita, um mistério que não conseguiam decifrar. Achavam que eu não pertencia a esse mundo? Eles não podiam estar mais enganados. Dmitry foi o único que teve coragem de me cumprimentar. Seus olhos, embora tranquilos, carregavam uma mensagem sutil. Ele sabia algo. Provavelmente, informações sobre o Sistema Prisional Russo, o suficiente para entender que eu, Roman Ostrov, jamais cometeria o erro de matar o chefe supremo da Bratva por engano. O seu gesto discreto confirmava o que eu já suspeitava — ele sabia que havia mais nessa história do que os outros imaginavam. No carro, a volta para casa se desenrolava em um silêncio pesado. Ivan Ostrov, ao meu lado, parecia perdido nos labirintos de seus próprios pensamentos. Eu, por outro lado, mantinha meus olhos fixos na escur
Donatella Romanova Era madrugada quando fui acordada por um som distante, abafado, que no começo achei ser parte de algum sonho. Mas, conforme minha mente saía do torpor, os barulhos se tornaram mais claros, mais reais. Tiros. Muitos tiros. Meu coração disparou, e me sentei na cama, atordoada, tentando entender o que estava acontecendo. A mansão, normalmente envolta em silêncio, agora parecia um campo de batalha. Meus pensamentos corriam, confusos e desorientados, mas uma coisa era clara: estávamos sob ataque. Levantei-me da cama de um salto, meus pés descalços tocando o chão frio enquanto tentava chegar à porta, mas antes que eu pudesse sequer fazer algo, a porta do meu quarto foi arrombada com um estrondo que fez todo o meu corpo tremer. Três homens vestidos de preto, armados e com o rosto coberto, invadiram o quarto. Antes que eu pudesse reagir, senti uma mão áspera agarrando meus cabelos com brutalidade, puxando-me de volta. — Não! — Gritei, lutando contra o aperto fero
Donatella Romanova Ivan manteve seus olhos fixos nos meus, esperando por uma reação, mas tudo o que ele encontrou foi um silêncio inabalável. Eu podia ver o brilho de frustração crescer por trás daquele olhar gélido, como se não conseguisse entender o motivo da minha apatia. A verdade é que, por dentro, algo em mim já estava morto há muito tempo. Só que ninguém havia percebido. — Todos vocês, saiam. — A voz de Ivan soou firme, cortando o silêncio da sala com uma autoridade que não deixava margem para questionamentos. Ivan relaxou o aperto no meu braço, mas não se afastou. Seus olhos percorreram meu rosto com uma mistura de curiosidade e apreciação. O silêncio entre nós se alongou por alguns instantes antes que ele quebrasse com um tom quase pensativo, como se estivesse refletindo em voz alta. — É curioso... — Ele murmurou, inclinando a cabeça levemente, avaliando cada detalhe. — Com essa sua beleza angelical, esse rosto delicado... — Ele tocou meu queixo com dedos ásperos,