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3 - Pela Bratva e Pelo Sangue

Roman Ostrov – 18 anos

 Sicília | Máfia Italiana

 O homem que me encarava do outro lado do espelho não era mais o garoto que deixara a Rússia seis anos atrás. Aos 12 anos, quando Ivan me trouxe para a Sicília, eu era moldado por promessas, preparado para ser uma arma letal, o orgulho da Bratva. Mas aquele menino tinha desaparecido. O reflexo à minha frente agora era algo muito mais perigoso, mais frio, mais implacável.

 Meus olhos, que antes vibravam com curiosidade e fervor juvenil, agora estavam calmos, gélidos. O semblante sereno que eu exibia poderia facilmente enganar qualquer um que não entendesse o verdadeiro peso do mundo em que eu vivia. A superficialidade da juventude ainda me cercava, mas apenas na aparência. A profundidade das sombras que me moldaram estavam impressas em minha alma. Aos olhos dos outros, eu era jovem demais para ser uma figura tão envolvida nos jogos de poder e sangue. Mas isso era apenas a superfície.

 A máfia italiana tinha me quebrado, me destruído em pedaços pequenos e insignificantes, e então me reconstruído, peça por peça, em algo mais puro e perigoso. Eu me curvara à Cosa Nostra, aceitei a dor e o fardo de me tornar um uomo d’onore. Sangue, suor, ossos quebrados – o processo foi brutal, mas necessário. A dor havia me moldado, e eu a aceitara como uma companheira fiel. Fui forjado pelo caos, e agora, a serenidade antes da tempestade se refletia em meus olhos.

 Eu havia sido treinado por eles. Agora, estava pronto para ser o braço direito do Capo, uma posição que eu havia conquistado não apenas por habilidade, mas por lealdade. A hierarquia dentro da Cosa Nostra era algo que eu respeitava profundamente, uma irmandade esculpida com sangue e violência, uma família que me acolheu quando meu próprio pai me abandonou. Mas agora... Ivan estava aqui.

 Era a primeira vez que o via em seis anos. Seis longos anos desde que ele me entregara aos cuidados de seus "amigos" italianos, para que fosse testado, endurecido, lapidado como uma lâmina prestes a ser usada. Ele sabia que era necessário. Eu sabia que era inevitável. Mas enquanto ele entrava na sala, atravessando a porta com passos deliberados, percebi que algo em seus olhos havia mudado. Talvez ele não esperasse que eu fosse... tão diferente.

 Ivan não disse nada a princípio, apenas me mediu com aquele olhar calculado que eu conhecia desde que era criança. Mas agora, algo dentro de mim havia mudado também. Eu o encarava de volta, não como o filho que ansiava por aprovação, mas como um homem que compreendia as regras deste jogo mortal. Agora, eu também o avaliava. Não havia mais a expectativa infantil, apenas a frieza que o mundo exigia de mim.

 Levantei-me lentamente, sentindo o terno italiano se ajustar perfeitamente ao meu corpo. O tecido fino, feito sob medida, era um símbolo sutil do poder que eu agora possuía.

 — Pai — a palavra saiu estranha, depois de tanto tempo, quase um eco distante. — Quanto tempo, não é?

 Ele não respondeu de imediato. Em vez disso, se aproximou, analisando-me com ainda mais atenção. Eu sabia o que ele estava pensando. Ele não me reconhecia mais. Como poderia? O garoto que ele deixara aqui havia desaparecido, enterrado sob camadas de morte e treinamento. O homem que agora estava diante dele era uma criação dos italianos.

 — Está na hora de você voltar, Roman — ele finalmente disse, a voz baixa, mas cheia de um propósito inescapável. — Sei que jurou lealdade à Cosa Nostra e que a Omertá te protegerá. Mas seu sangue é da Bratva. Nem mesmo os italianos poderão postergar o seu retorno.

 Antes que eu pudesse responder, a porta se abriu, revelando a imponente figura de Don Salvatore. Seus passos eram lentos, firmes, como se carregassem o peso de uma vida inteira de decisões difíceis. Havia algo nos olhos dele, uma tristeza velada, misturada à aceitação do inevitável. Don Salvatore, com sua presença robusta, era quase tão imponente quanto Ivan, mas de uma maneira diferente. Enquanto meu pai exalava uma frieza cruel, o Capo trazia consigo o peso de uma sabedoria que só o tempo podia conferir.

 — Roman — começou ele, a voz grave, arrastada por um misto de pesar e resignação. — Eu sabia que esse dia chegaria, mas isso não torna a despedida mais fácil.

 Ele parou à minha frente, seus olhos carregando um afeto paternal que cresceu ao longo dos anos. Ele não era apenas o Capo para mim. Era um mentor, um segundo pai. E eu sabia que ele havia me preparado para ser seu sucessor. Havia planos para mim na Cosa Nostra. Mas com a chegada de Ivan, tudo isso fora desfeito em um único golpe.

 — Você se tornou um homem, Roman — disse Don Salvatore, seu olhar firme. — Forte, letal... e mais importante, leal. Sei que seria o braço direito que eu preciso. Talvez até mais que isso. — Ele suspirou, a tensão em suas palavras clara. — Mas eu não posso me indispor com a Bratva. Não seria inteligente.

 Eu assenti. Sabia que ele estava certo. Meu destino estava traçado muito antes de eu pisar em solo siciliano. Mas, ainda assim, a lealdade que eu tinha construído aqui, com Don Salvatore e os homens da Cosa Nostra, não era algo que eu podia simplesmente abandonar sem um pesar profundo.

 — Sabe que eu faria qualquer coisa pelo senhor, Don Salvatore — minha voz era calma, mas carregada de respeito. — Mas meu sangue... meu sangue pertence à Bratva.

 Ele assentiu, aceitando a verdade com um suspiro pesado.

 — Lamento perder você, garoto. Lamento muito. — Sua voz, antes grave e imponente, suavizou-se. — Mas entendo. Você é um Ostrov. Seu destino sempre esteve ligado à Bratva. Espero que, quando nossos caminhos se cruzarem novamente, ainda possamos manter a paz entre nossas famílias.

 Ivan, que até então permanecera em silêncio, deu um passo à frente, sua presença dominando a sala como uma tempestade iminente. Seus olhos estavam fixos em mim, carregando o peso do destino que eu não podia mais evitar.

 — Roman — disse ele, a voz carregada de uma autoridade inquestionável — chegou a hora. Você será iniciado na Bratva. O que aprendeu aqui será útil, mas o que está por vir será o verdadeiro teste.

 Nossos olhares se cruzaram. Eu sabia que ele tinha razão. Não havia como escapar do que estava predestinado. Por mais que eu tivesse encontrado uma vida na Sicília, o chamado da Bratva sempre esteve lá, sussurrando nas sombras. Agora, ele era impossível de ignorar.

 — Pela Bratva... e pelo Sangue — meu pai murmurou, como se recitasse um juramento antigo. — Você nasceu para isso, Roman. Agora, é hora de cumprir seu destino.

 Repeti essas palavras em minha mente, sentindo o peso delas penetrar em minhas entranhas. Pela Bratva e pelo Sangue. Não havia outra escolha. O caminho à minha frente era inevitável.

 Mesmo sem querer, eu voltaria.

 Pela Bratva... e pelo Sangue.

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