PARTE I - PODER
Moscou | Mansão Ostrov Roman Ostrov - 12 anos — Roman, concentre-se — a voz de minha professora ecoava como um som distante, abafado, enquanto meus olhos permaneciam fixos na janela. Lá fora, as árvores altas se curvavam suavemente ao toque do vento, mas meu coração batia acelerado por outro motivo. Meu pai estava em casa. A expectativa me consumia, como sempre fazia quando ele retornava. Eu não tinha tempo para as palavras rabiscadas no caderno à minha frente. Nada importava além de vê-lo. Num movimento abrupto, empurrei a cadeira para trás, o som das pernas arranhando o mármore polido da sala fez a professora saltar. Antes que ela pudesse me conter, eu já estava de pé, marchando em direção ao escritório. — Roman! — A voz dela, mais incisiva agora, me seguiu pela sala. — Seu pai está ocupado! Por favor, volte para sua cadeira. Ignorei. A ideia de recuar me causava um mal-estar que eu odiava sentir, um frio que gelava o estômago. Quando alcancei a porta maciça do escritório, hesitei por um breve segundo. O silêncio atrás daquela madeira pesada era quase sufocante, carregado de uma autoridade invisível que sempre me fazia pensar duas vezes antes de entrar. Mas se eu ficasse ali parado, minha coragem evaporaria. Com um empurrão decisivo, abri a porta e entrei. — Pai! O silêncio que se seguiu era quase tangível, espesso como a neblina que se agarrava às árvores da propriedade. As vozes cessaram instantaneamente. Meu pai estava sentado atrás da grande mesa de carvalho, e o homem ao lado dele me encarou com olhos de aço. O estranho se levantou com uma lentidão calculada, como se estivesse deliberadamente marcando o tempo, medindo o impacto de cada movimento. Ele era alto, sua figura impassível e intimidante. Os cabelos loiros quase prateados brilhavam sob a luz suave do escritório, meticulosamente penteados para trás, como se nenhum fio ousasse desobedecer. Seus olhos, frios e clínicos, me avaliaram com uma atenção desconcertante, como se ele estivesse julgando não apenas minha presença, mas minha essência. Ele caminhou em minha direção, seus sapatos italianos produzindo um som ritmado contra o mármore, cada passo amplificando o nó no meu estômago. Era como se o ar tivesse mudado, se tornado mais denso com sua aproximação. Apesar de sentir o olhar furioso do meu pai queimando em mim, eu não consegui desviar os olhos do homem à minha frente. — Qual é o seu nome, garoto? — Sua voz era grave, afiada como uma lâmina fria. Não havia hostilidade clara, mas a curiosidade enervante em seu tom me fez enrijecer. Parecia que ele esperava algo de mim, como um teste cujo propósito ainda me era desconhecido. Tentei falar, mas minha garganta estava seca. Engoli em seco e, finalmente, consegui sussurrar: — Roman... Roman Ostrov. O silêncio após minha fala parecia se estender além do que era confortável. O som do meu próprio coração batendo ecoava nos meus ouvidos. Ele arqueou uma sobrancelha, como se minha resposta fosse mais intrigante do que ele esperava. Seus olhos cortantes se voltaram para meu pai, que permaneceu imóvel, exceto pelo olhar duro que me atravessava. — Ostrov? — O estranho repetiu, sua voz agora tingida de uma curiosidade mais sombria. Ele se virou novamente para meu pai, Ivan Ostrov, o implacável capitão da Bratva. — Então este é o seu filho, Ivan? Um herdeiro legítimo de sua linhagem? A tensão na sala era palpável. O homem deu mais um passo em minha direção, parando à minha frente. Ele me olhava de perto, seus olhos analisando cada traço do meu rosto, como se estivesse procurando algo que apenas ele sabia identificar. O ar entre nós estava carregado de uma energia quase opressiva, e eu podia sentir sua presença pairando sobre mim, ameaçadora, mas contida. — Como posso confiar em alguém que esconde o próprio filho da cúpula? — O tom dele mudou, agora mais incisivo, suas palavras atingindo meu pai com precisão cirúrgica. — Um plano tão audacioso... e você sequer foi honesto sobre sua família? Meu pai finalmente falou, sua voz como uma lâmina afiada, cortando o ar pesado da sala: — Nikolai... — Ele fez uma pausa, seus olhos tão frios quanto o vento que soprava do lado de fora. — Roman faz parte do plano. É exatamente por isso que o mantenho fora da cúpula, longe dos olhos de todos. Ele é a minha arma secreta. O homem — Nikolai — permaneceu em silêncio por um instante, seus olhos ainda cravados em mim. Então, ele soltou uma risada curta, seca, desprovida de qualquer humor verdadeiro. — Arma secreta, Ivan? — Ele balançou a cabeça, descrente. — Ele mal tem idade para entender o mundo que você comanda, quanto mais fazer parte dele. — Ele entenderá apenas o que for necessário. — Meu pai respondeu, sua voz baixa e cortante. — E quando chegar a hora, Roman será mais do que uma peça nesse jogo. Ele será o golpe final. Nikolai cruzou os braços, seu olhar voltando-se novamente para mim, cheio de ceticismo. Ele balançou a cabeça mais uma vez, e com uma última olhada em mim, virou-se para meu pai. — Prove que ele está preparado, Ivan. Mostre que não está apenas protegendo o garoto do futuro que o aguarda. Foi então que meu pai se levantou, seus movimentos decididos e calculados. Seus olhos, agora gelados, se fixaram em mim com a frieza de um general diante de seu soldado. — Roman — sua voz era inabalável, como uma ordem que eu sabia que não poderia recusar. — Pegue sua arma. Vamos caçar. O peso da expectativa se abateu sobre mim como um manto, e sem hesitar, me dirigi ao armário de armas. A madeira escura do móvel parecia absorver a luz da sala, como um portal para um mundo sombrio ao qual eu já estava destinado. Minhas mãos tocaram a pistola que usava nos treinos, o metal frio oferecendo uma estranha sensação de segurança. O caminho para a floresta ao redor da mansão era envolto em névoa. O ar gelado cortava minha pele, e as árvores antigas pareciam se inclinar sobre nós, como se estivessem testemunhando algo que não deveriam. A tensão entre nós era palpável, com Nikolai caminhando ao lado de meu pai, ambos figuras imponentes e cheias de mistério. Quando meu pai parou abruptamente, seus olhos se voltaram para o céu cinzento antes de se fixarem em mim com uma intensidade que me deixou paralisado. — Roman — ele disse, sua voz tão fria quanto o ar ao nosso redor. — Mostre ao nosso convidado do que você é capaz.Roman Ostrov - 12 anos A sensação de puxar o gatilho sempre fora algo familiar para mim. O leve recuo da arma, o som seco do disparo ecoando na floresta enevoada, tudo isso fazia parte do que eu era. O primeiro pássaro caiu quase no instante seguinte, uma mancha escura contra o céu cinzento e nebuloso. O segundo logo o seguiu, um tiro limpo, preciso. Não havia hesitação. Não podia haver. No mundo de meu pai, o erro era um luxo que não se podia cometer. Mais um disparo. O terceiro pássaro despencou, seus últimos momentos interrompidos no ar. Não desviei o olhar enquanto os corpos das pequenas aves caíam, imóveis, em meio à vegetação densa. O silêncio que se seguiu era tão denso quanto a neblina que nos cercava, sufocante. Olhei para meu pai, esperando, quase ansiando por algum sinal de aprovação. Seus olhos, duros e calculistas, fixaram-se em mim por um momento que pareceu durar uma eternidade. Mesmo sem palavras, eu sabia. Ele estava satisfeito. Ele não precisava dizer, o brilho
Roman Ostrov – 18 anos Sicília | Máfia Italiana O homem que me encarava do outro lado do espelho não era mais o garoto que deixara a Rússia seis anos atrás. Aos 12 anos, quando Ivan me trouxe para a Sicília, eu era moldado por promessas, preparado para ser uma arma letal, o orgulho da Bratva. Mas aquele menino tinha desaparecido. O reflexo à minha frente agora era algo muito mais perigoso, mais frio, mais implacável. Meus olhos, que antes vibravam com curiosidade e fervor juvenil, agora estavam calmos, gélidos. O semblante sereno que eu exibia poderia facilmente enganar qualquer um que não entendesse o verdadeiro peso do mundo em que eu vivia. A superficialidade da juventude ainda me cercava, mas apenas na aparência. A profundidade das sombras que me moldaram estavam impressas em minha alma. Aos olhos dos outros, eu era jovem demais para ser uma figura tão envolvida nos jogos de poder e sangue. Mas isso era apenas a superfície. A máfia italiana tinha me quebrado, me destruído e
Donatella Romanova - 8 anos Moscou | Mansão Romanov Aos oito anos, eu ainda era uma criança, inocente em muitos aspectos, mas a mansão onde cresci não permitia que essa inocência durasse muito. Enquanto brincava no corredor com minha boneca, os ecos de vozes abafadas vieram do escritório. Não era incomum ouvir conversas entre minha mãe, Anastacia, e os homens de confiança de meu pai. Mas havia algo diferente naquele tom, algo que me fez parar. Curiosa, me aproximei da porta entreaberta, sabendo que deveria ficar longe. Eu já tinha ouvido tantas vezes que espiar assuntos dos adultos traria problemas, mas algo na tensão na voz de minha mãe me puxou irresistivelmente. — Eu não aguento mais esperar, Nikolai! — a voz dela estava ríspida, carregada de uma impaciência que eu não costumava ouvir. — Já faz anos. Quanto mais tempo isso vai levar? Houve uma pausa. A resposta de Nikolai veio calma, metódica, como sempre. — Já lhe expliquei, Anastacia. Isso deve ser feito com cautela. —
Roman Ostrov - 18 anos São Petersburgo O frio de São Petersburgo não era apenas uma presença física; ele cortava como lâminas invisíveis, entrando por cada poro, se infiltrando nos ossos. Mas aquilo não me incomodava. Estar de volta à Rússia era mais que uma mudança geográfica, era um retorno ao meu destino inevitável. Durante os anos que passei na Sicília, fui moldado, endurecido pela Cosa Nostra, e agora estava pronto para cumprir o papel que a Bratva exigia de mim. A hora de provar minha lealdade havia chegado. A reunião seria o primeiro passo. Esperava encontrar o Conselho da Bratva, onde seria formalmente apresentado como o filho de Ivan Ostrov, o Capitão, e finalmente fazer o juramento que eu já havia ensaiado tantas vezes em minha mente: Pelo Sangue e Pela Bratva. Mas o que me esperava não era o Conselho, e sim duas figuras isoladas na penumbra da sala. O local era uma construção antiga, suas paredes de pedra tão velhas quanto os segredos que guardavam. Ao entrar, senti
Donatella Romanova - 8 anos Já faz meses que papai anda doente. Os médicos, figuras de jaleco branco e olhares clínicos, insistem que seu coração está fraco. Mas minha mãe, Anastacia, tem pouco tempo e menos paciência para as explicações desses homens. "Seu coração é fraco demais para liderar a Bratva," ela diz, sua voz cortante como uma lâmina de gelo. As palavras dela, tão cheias de desprezo, reverberam em minha mente como um eco perturbador. Há uma verdade amarga nelas, uma verdade que me incomoda profundamente, mesmo que eu não entenda completamente o que isso significa. Papai, o homem outrora temido por todos, não é mais o mesmo. Ele está mais frágil, suas mãos tremem, seus passos são mais lentos. Até as surras que costumavam ecoar pelas paredes da mansão pararam. Era estranho não ouvir mais o som das cintas, dos gritos abafados e dos olhos suplicantes. Eu sabia, no fundo do meu coração, que ele estava fraco demais até para impor sua fúria sobre as desobediências de minha mãe.
Roman Ostrov - 18 anos O som abafado da prisão já havia se tornado um ruído familiar, quase um companheiro silencioso. O eco constante de vozes distantes, o ranger das camas de metal enferrujado e o silêncio pesado que preenchia as lacunas entre as paredes de concreto... tudo isso fazia parte do cenário que me envolvia. A cela, pequena e opressora, era o meu território agora. Ou, pelo menos, era assim que precisava pensar para manter a sanidade. Mas a cada dia que passava, a espera se tornava uma tortura lenta, o tique-taque invisível da minha paciência sendo corroído a cada segundo. Sabia que estava ali por um motivo maior — uma missão. Um alvo. Um teste. Mas mesmo com esse conhecimento, a incerteza e o tédio me consumiam como um fogo que queimava silenciosamente por dentro. Foi numa tarde cinzenta e claustrofóbica que a ligação chegou. Como um som dissonante no caos rotineiro da prisão, o guarda veio me chamar. Eu sabia, antes mesmo de pegar o telefone, que algo importante esta
Dias atuais... Roman Ostrov – 28 anos O tempo dentro das paredes frias da prisão havia me moldado de formas que eu jamais poderia prever. Dez anos. Dez longos anos desde que entrei aqui com uma única missão. Mas, ao longo desses anos, aprendi que o verdadeiro poder não reside apenas em sobreviver, mas em dominar. E foi exatamente isso que fiz. Ao lado do velho, que no início todos subestimavam, nos tornamos os senhores desse lugar infernal. O velho, com sua sabedoria acumulada por décadas de experiência nas sombras da Bratva, e eu, com minha juventude e ambição, fizemos da prisão o nosso império. Os guardas nos respeitavam — ou, mais frequentemente, nos temiam. E os prisioneiros, antes desorganizados e violentos, agora se reportavam a nós como soldados fiéis. Sob o comando do velho e minha liderança emergente, controlávamos o tráfico, o contrabando, e cada negócio que movia poder e dinheiro atrás dessas grades. Para muitos, essa prisão era um pesadelo; para nós, era um reino. M
Roman Ostrov O telefone tocou uma vez. O som ecoou pela cela como um presságio. Quando atendi, a voz fria e metódica de Nikolai me atingiu com a mesma precisão de sempre. — O alvo chegou — ele disse, sem rodeios. — Está em uma cela isolada. Chegou o momento de provar sua lealdade ao conselho. Eu ouvi em silêncio, deixando que suas palavras mergulhassem na minha mente. Tinha esperado por esse momento por muito tempo, mas agora, as circunstâncias eram diferentes. Não era apenas o Roman que entrou nessa prisão anos atrás. Muito havia mudado. — Cumprirei a missão, como me foi ordenado — respondi, minha voz calma, controlada. Desliguei o telefone e fiquei em silêncio por alguns instantes. Eu tinha uma nova missão, uma tarefa que deveria provar minha lealdade à Bratva diante do conselho. Mas havia algo que eles não sabiam, algo que eu guardaria em segredo por enquanto. Antes de ser iniciado formalmente, antes de fazer o juramento "Pelo Sangue e Pela Bratva", eu já havia me pr