Um

RAEL

Eles me acusaram, me humilharam e me agrediram sem motivo. E se eu reagisse, seria pior, parcero. Me deixei ser tratado como bicho por aqueles filhos da puta.

Aquela manhã foi a mais ralada da minha vida.

Horrível, cara. Me esculacharam bonito, e depois me largaram no pé do morro, em uma rua entre o asfalto e a favela. Eu tava todo fodido, braço quebrado e os caralho.

Todos que passavam ali faziam pouco-caso e nem me direcionavam o olhar, passavam rente. Papo de não ter amor ao próximo, tá ligado.

Me arastei até a calçada de uma casa e caí por lá, o sol tava dando moca, calor tava foda e sem ao menos perceber eu apaguei.

RICO

- Dindo, o meu papai vai voltar né? - perguntou enquanto rabiscava alguns papéis.

Fiquei calado. Eu nem sabia o que dizer. Eu não tinha o que dizer nessa porra.

Respirei fundo, passei a mão pelo meu rosto e me sentei no sofá que tinha alí na salinha.

Eu tava nervosão, parcero. Se ele rodasse eu não teria condições e nem estrutura pra criar a Ritinha. Maior responsabilidade, pô. Sem as chances.

- Patrão, acharam o Rael desacordado lá na pista - um dos soldados chegou na porta da sala.

A Rita direcionou a sua atenção para ele e logo me encarou com cara de choro.

- O papai morreu, dindo? - neguei com a cabeça e mandei o soldado meter o pé.

Peguei a mochila dela e coloquei a Ritinha no braço.

- Vem, Ritinha! O dindo vai te deixar na casa de uma amiga dele, e depois vai buscar seu paizão - fiz cócegas na barriga dela, e ela enxugou os olhinhos e sorriu.

Abri a porta e caminhei pelo corredor saindo do qg.

Fui andando mesmo, a casa da Aninha não era tão longe daqui. A mina era responsa, de casa pra escola e da escola pra casa. Só dava pra confiar a minha afilhada a ela.

Encontrei o neguinho no caminho e pedi pra ele ir na frente sem vacilo, que eu ia logo depois.

Assim que brotei na frente da casa avistei ela e a irmã saindo pra escola. Empatei logo.

- Que é, tá doido querido? - a menor perguntou toda posuda.

Tu deu atenção? Nem eu, pô. Fui logo na reta da Aninha, com cara de cachorro sem dono.

- Fica com ela aí, Aninha? Tô com um b.o pra resolver, pô - pedi um pouco desesperado, enquanto a Ritinha brincava com os meus cordões.

Ela não disse nada, só estendeu os braços e pegou a Ritinha que agarrou no meu pescoço e não queria soltar de jeito nenhum.

- Vai lá, princesa! Eu vou voltar logo, pô, e na melhor forma, teu pai vai tá comigo - tirei as mãozinhas dela do meu pescoço e beijei sua testa.

Segui reto sem olhar pra trás. Acionei o Neguinho no rádio e ele passou o nome da rua que estavam.

Chamei o Sorriso e partimos cortando caminho entre os becos. Chegamos ao pé do morro e eu já avistei alguns dos meus soldados ao redor do Rael que ainda estava desacordado.

- Saí do meio, porra! - empurrei todos que estavam na minha frente.

Olhando pro meu parceiro assim me fez lembrar que eu já passei por isso quando menor, mas o que os canas fizeram com ele foi pior, ficou com o rosto inchadasso, pô. Até com o braço quebrado o parceiro tava. O cara era trabalhador, não merecia isso não.

Eu e meus crias pegamos ele e colocamos em cima da minha caminhonete e logo seguimos pro postinho.

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