RICO
Coloquei a Ritinha na minha cama e voltei para a sala onde o Rael tava me esperando.Eu não queria que ele entrasse nessa, porque uma vez dentro é papo de pesadelo pra poder sair. Mas o cara já passou por tanta coisa que tá se vendo sem opções e eu não tenho autoridade nenhuma pra julgar ou ficar contra ele. Um amigo de verdade não faria isso.E a única coisa que eu fiz foi respeitar a escolha dele e apoiar. Ele só tinha a mim, e eu a ele. E foi assim desde os quinze anos, quando a nossa mãe morreu ele se levou pro caminho certo, e eu fui certeiro no errado. Foi fácil até, ele era claro e ainda tinha algumas oportunidades, e eu que era negro não tive as mesmas chances que ele.Minha única formatura foi na boca da rua 22, enquanto ele ainda conseguiu concluir o ensino fundamental.Passamos um tempão separados, ele morando na casa de uma mulher aí no asfalto que pegou ele pra criar mesmo depois de adolescente, e eu na comunidade sendo criado pelo crime.Foi foda. Mas depois de uns três anos a gente se encontrou e não se largou mais.Ele já tava com a mulher dele esperando a Rita, tinha um emprego maneiro e me chamou até pra ser padrinho da menina. Fiquei como? Felizão pra caralho, cara.Eu tinha, e tenho o maior orgulho do meu irmão. Moleque trabalhador sempre batalhando o dele, mas a vida foi injusta pra caralho com ele. Começando por tirar a vida da mulher e do filho dele.— Vou mandar chamarem a Aninha pra ficar aqui com a Ritinha — falei enquanto ele encarava o nada.Ele tava mal pra caramba e se posso dizer, ele tava chorando de novo.Bagulho de choro me quebra maneiro, saí logo da sala e acionei o Sorriso no rádio pedindo pra ele pedir pra Aninha vir pra cá.Enquanto esperava tomei um banho frio, vesti o meu traje e ajeitei o meu cabelo que já tava precisando de um corte.Cheguei na sala e a Aninha já tava lá e eu fiquei surpreso assim que vi ela confortando o Rael. Ele já não chorava mais, e pude ver um olhar de esperança junto de um sorriso que a dias eu não via.Ela levantou do sofá e veio até mim. Abracei ela e beijei sua testa e antes dela subir as escadas, ela encarou o Rael — Deus só dá uma cruz a quem consegue carregar. Mesmo esse caminho não sendo o correto a seguir, ele com certeza ainda continuará olhando por você lá de cima — e subiu, nos deixando na sala.Até me arrepiei, filho. Do nada.— Porra — ele passou as mãos pelos braços e riu — Tô todo arrepiado, cara — e eu sorri também.— Isso é Deus, parceiro — falei e coloquei o meu boné indo até a porta.Fomos subindo o morro, e quanto mais andávamos parecia que mas longe a casa do Talibã ficava. E só pra piorar o sol tava dando moca bonito.Depois de muito chão, nós finalmente chegamos. Falei com o Neguinho e ele liberou a nossa entrada na casa grande.Assim que entramos, na sala já vi o Talibã fumando um baseado e bebendo seu velho uísque.— Coe, paizão — cumprimentei e ele retribuiu com um toque de mão.O Rael apenas acenou com a cabeça e antes que ele fosse se pronunciar o Talibã já se adiantou.— Tô ligado que tu tem uma filha pra criar e precisa de uma ajuda — soprou a fumaça do baseado e o Rael me olhou desconfiado, dei de ombros também sem entender — Tá mesmo disposto a dedicar a tua vida ao tráfico? — fez a mesma pergunta que ele havia feito pra mim alguns anos atrás, e se eu tivesse pensado antes teria dito não.O Rael pareceu pensar, mas logo falou.— Eu faço tudo pela minha filha. Prometi pra mim mesmo que ela não passaria dificuldades como eu passei. Estou disposto a qualquer coisa por ela. — o Rael falou firme.O Talibã assentiu e eu o encarei.— Qual vai ser a função dele? — perguntei e ele negou.— Ele vai passar pela prova de fogo amanhã — falou simples e sorriu perverso.Puta que pariu.RAELNaquele mesmo dia eu tive que voltar na casa da Lis e engolir o meu orgulho. Deixei a Rita lá e voltei pro morro dizendo que viria buscar ela amanhã de tarde assim que tudo ficasse bem no por aqui.Dormi na casa do Rico, e muito antes de amanhecer eu já estava de pé no meio da rua assim como todos os soldados. O Rico, o Sorriso e o Neguinho também estavam lá.— O Paulista falou que os alemão vão invadir as quatro — o Talibã começou a explicar — Metade sobe pra linha — apontou pra uns dez soldados — E vocês vão pra barreira — apontou pro restante.Assim que ele se calou os fogos começaram a estourar e todos os soldados se espalharam pelas vielas.O Neguinho me entregou um colete camuflado, um Ak-47 e meteu o pé sem falar nada.— Saí dessa vivo e você tá dentro — Talibã falou e saiu seguido do Rico que me olhou preocupado mas não falou nada.O Sorriso já tinha ido com os outros soldados e fiquei alí sozinho. O medo já tava tomando conta de mim, e aquela pergunta fodida ficou ronda
3 meses depois.RAELNunca consegui me ver nesse meio. Trabalhei desde moleque pra ter o meu certinho e não me envolver, mas não teve jeito. A dificuldade e o bem estar da minha filha falaram mais alto eu e nem pensei duas vezes. Botei a cara, mesmo.E graças ao cara lá de cima eu saí ileso naquele dia. A famosa prova de fogo. Tu só tem o direito de portar um fuzil se passar por ela, aí sim tu tá dentro.Foi ralado, mas eu consegui.Com o dinheiro que tô recebendo do tráfico eu consegui pagar todas as minhas dívidas, comprar uma casa, e ainda matrícular a Rita em colégio particular aí. Era em período integral e dava muito bom pra mim, já que eu fazia plantão o dia todo, a noite eu tava em casa pra curtir a minha filhota.Passei o dia pelo morro com os crias sempre fazendo o meu melhor, e tava tudo suave. Morrão tava na paz e eu tava tranquilinho, me preocupando só com a hora de ir buscar a Rita na escola porque aí que era foda, parceiro. Sair do morro e voltar sem nenhum arranhão, era
RICOQuando a varijeira da Carla colocou o Rael pra fora da casa, eu pedi para a Aninha ficar de olho na Ritinha pra poder resolver os problemas do Rael. Depois que resolvemos tudo, eu brotei na janela dela e a gente fez um amor gostosinho. Mas depois desse dia, parceiro... Nunca mais vi ela, só a irmã e a velha fofoqueira.Bagulho desse tava estranho demais, nem pra escola eu via ela ir. E a única coisa que eu sentia era medo de ter perdido ela, e saudades. Muitas saudades.— O dindo tá com sorvete no nariz — a Ritinha me sujou me fazendo despertar dos meus pensamentos e ficou rindo, enquanto tomava o sorvete dela.Peguei a colher do meu sorvete e sujei a bochecha dela que me olhou com raiva fazendo um bico enorme.— Estamos quites agora — falei dando risada e ela passou a mão se sujando ainda mais.— Qual é, parece criança tu — Rael reclamou comigo e pegou um guardanapo pra limpar a Ritinha e eu continuei rindo. Eu não tinha maturidade nenhuma pra lidar com crianças.Imagina se eu
RICOO Sorriso estacionou o carro de qualquer jeito, desceu pra ver se não tinha nenhum verme e assim me chamou pra sair do carro.Peguei ela no colo fui andando rápido até a porta de entrada do hospital, e desesperado começo a gritar pedindo ajuda.Eles chegam com uma cadeira de rodas e a levam lá pra dentro ainda desacordada. Eu queria acompanhá-la, mas não deixaram, e eu fiquei boladão já.— Tu não pode entrar lá, caralho — o Sorriso me segurou me pela camisa e me empurrou em das cadeiras de espera — Ela vai ficar bem, parceiro. Relaxa aí — tentou me acalmar, mas eu tava nervoso demais. O medo era o mesmo, pô.Algumas horas se passaram o Sorriso tinha ido comprar alguma coisa pra matar aquela fome de maconheiro dele e o hospital já estava ficando vazio, apenas com as pessoas que estavam internadas.Vi um médico passar pelo corredor e fui logo na reta dele, queria notícias da Aninha. Eu não aguentava mais esperar, eu precisava saber de algo.— Coe, doutor! Como tá a minha mulher? —
RICOPorra, logo agora que eu tô constituindo uma família. Bagulho era meu sonho, e vem um médico fodido querendo me arrastar. Aí não dá, parceiro.Eu tava encurralado. O corredor não tinha saída, e eu tava armado, se eu avançasse os vermes iriam me pegar no vacilo. Dei meia volta e entrei em um quarto qualquer me escondendo atrás da porta.Nele havia uma mulher que ninava um bebê em seus braços, mas ela logo colocou ele no berço.— Talvez você ficando aqui tenha um futuro melhor ao que eu tenho pra te oferecer — falava enquanto se afastava do berço e andava de costas até a porta, e não me vendo saiu do quarto.Fiquei boladasso com isso, cara. Se não tem condições não fode porra! Por falta de irresponsabilidade, bagulho assim só sobra para as crianças.E alí com a minha revolta, ouvi os vermes conversarem e assim passarem direto para o final do corredor, provavelmente até o quarto da minha mulher procurando informações sobre mim. Fiquei com medo pela Aninha que era menor e não tinha
RICOAcordei desnorteado, com uma zonzeira na cabeça. O sono ainda não tinha me deixado, meu celular não parava de tocar e eu quase deixei o moleque cair no chão.O segurei pela camisa com uma mão e ajeitei ele em cima de mim, peguei o celular no bolso da bermuda. Ele ainda dormia, então atendi o celular.— Porra, cadê você? Estamos te esperando atrás do hospital, parceiro — Sorriso falou um pouco alto e todo afobado.— Calma aí, irmãozinho — me ajeitei na cadeira — Pra quê essa afobação, a Aninha tá bem? — Perguntei com receio e levantei da cadeira ajeitando o moleque no braço.— A Aninha tá bem, caralho! Tô preocupadão com tu, pô — Falou suspirando — o Teixeira tá aí procurando a ninfeta dele. A garota teve um filho dele, mas abandonou o cria e saiu vazada — disse e eu logo liguei os pontos. O garoto ter a mesmo sobrenome nome que aquele verme não era nem de longe coincidência — pensei, ao lembrar da ficha.— Então ele não tá atrás de mim?! — dei risada.— Pelo menos hoje não. Mas s
Algumas semanas depois.RAEL- Papai, o Rian é muito feio - a Rita falava enquanto estava pendurada nos braços do padrinho babando o moleque, e eu apenas ria da folguisse dela.- Papo reto, Ritinha! Maior carinha de joelho, pô - Rico concordou dando risada enquanto brincava com o bebê.Eu estava feliz à beça pelo meu irmãozinho, mas temia que a felicidade dele não durasse por muito tempo. O Teixeira não iria deixar como está, era só questão de tempo pra ele invadir a procura do moleque e matar quem estivesse em seu caminho.E o que me impressiona, é que o Talibã aceitou tudo isso numa boa. Sem cara feia, sermões ou surtos de raiva. E aí eu já poderia esperar o pior.- Cadê o meu afilhado ein? - o Sorriso entrou carregando três caixas de cerveja, sendo seguido pelo Neguinho que trazia vários pacotes de carne e algumas garrafas de uísque e energético.- Meu papai que vai ser o dindo do Rian - a Rita deu lingua pra ele e eu ri.- Vou não, gatinha. O teu dindo nem chamou pra isso - joguei
TEIXEIRAEu e o Talibã éramos melhores amigos, aquela típica amizade que vai dá escola pra vida. Ele morava em uma comunidade e não tinha uma boa índole e mesmo meus pais enchendo meu ouvido falando que ele não era boa companhia, continuei andando ao seu lado.Mas eu deveria ter ouvido os meus pais, porque não demorou muito pra ele me colocar em um rolo errado.Começou a vender drogas, e eu só servia de aviãozinho e foi assim até os nossos dezoito anos, quando conhecemos a Samantha. Um menina linda, toda meiga e gostosinha.Nós dois ficamos de quatro por ela, mas quem a tinha avistado primeiro foi eu. Tentei uma chance com ela e não deu em porra nenhuma. Fiquei arrasado pô, e quando vi os dois juntos eu me recusei a continuar com a nossa amizade.Falei com os meus pais e eles me mandaram pra uma escola militar e já que meu pai era Tenente foi tudo mais fácil. E mesmo sabendo que eu não tinha nascido para aquilo, eu fui mesmo assim.Me formei e me tornei um policial militar, dando um o