Sete

RICO

Coloquei a Ritinha na minha cama e voltei para a sala onde o Rael tava me esperando.

Eu não queria que ele entrasse nessa, porque uma vez dentro é papo de pesadelo pra poder sair. Mas o cara já passou por tanta coisa que tá se vendo sem opções e eu não tenho autoridade nenhuma pra julgar ou ficar contra ele. Um amigo de verdade não faria isso.

E a única coisa que eu fiz foi respeitar a escolha dele e apoiar. Ele só tinha a mim, e eu a ele. E foi assim desde os quinze anos, quando a nossa mãe morreu ele se levou pro caminho certo, e eu fui certeiro no errado. Foi fácil até, ele era claro e ainda tinha algumas oportunidades, e eu que era negro não tive as mesmas chances que ele.

Minha única formatura foi na boca da rua 22, enquanto ele ainda conseguiu concluir o ensino fundamental.

Passamos um tempão separados, ele morando na casa de uma mulher aí no asfalto que pegou ele pra criar mesmo depois de adolescente, e eu na comunidade sendo criado pelo crime.

Foi foda. Mas depois de uns três anos a gente se encontrou e não se largou mais.

Ele já tava com a mulher dele esperando a Rita, tinha um emprego maneiro e me chamou até pra ser padrinho da menina. Fiquei como? Felizão pra caralho, cara.

Eu tinha, e tenho o maior orgulho do meu irmão. Moleque trabalhador sempre batalhando o dele, mas a vida foi injusta pra caralho com ele. Começando por tirar a vida da mulher e do filho dele.

— Vou mandar chamarem a Aninha pra ficar aqui com a Ritinha — falei enquanto ele encarava o nada.

Ele tava mal pra caramba e se posso dizer, ele tava chorando de novo.

Bagulho de choro me quebra maneiro, saí logo da sala e acionei o Sorriso no rádio pedindo pra ele pedir pra Aninha vir pra cá.

Enquanto esperava tomei um banho frio, vesti o meu traje e ajeitei o meu cabelo que já tava precisando de um corte.

Cheguei na sala e a Aninha já tava lá e eu fiquei surpreso assim que vi ela confortando o Rael. Ele já não chorava mais, e pude ver um olhar de esperança junto de um sorriso que a dias eu não via.

Ela levantou do sofá e veio até mim. Abracei ela e beijei sua testa e antes dela subir as escadas, ela encarou o Rael — Deus só dá uma cruz a quem consegue carregar. Mesmo esse caminho não sendo o correto a seguir, ele com certeza ainda continuará olhando por você lá de cima  — e subiu, nos deixando na sala.

Até me arrepiei, filho. Do nada.

— Porra — ele passou as mãos pelos braços e riu — Tô todo arrepiado, cara — e eu sorri também.

— Isso é Deus, parceiro — falei e coloquei o meu boné indo até a porta.

Fomos subindo o morro, e quanto mais andávamos parecia que mas longe a casa do Talibã ficava. E só pra piorar o sol tava dando moca bonito.

Depois de muito chão, nós finalmente chegamos. Falei com o Neguinho e ele liberou a nossa entrada na casa grande.

Assim que entramos, na sala já vi o Talibã fumando um baseado e bebendo seu velho uísque.

— Coe, paizão — cumprimentei e ele retribuiu com um toque de mão.

O Rael apenas acenou com a cabeça e antes que ele fosse se pronunciar o Talibã já se adiantou.

— Tô ligado que tu tem uma filha pra criar e precisa de uma ajuda — soprou a fumaça do baseado e o Rael me olhou desconfiado, dei de ombros também sem entender — Tá mesmo disposto a dedicar a tua vida ao tráfico? — fez a mesma pergunta que ele havia feito pra mim alguns anos atrás, e se eu tivesse pensado antes teria dito não.

O Rael pareceu pensar, mas logo falou.

— Eu faço tudo pela minha filha. Prometi pra mim mesmo que ela não passaria dificuldades como eu passei. Estou disposto a qualquer coisa por ela. — o Rael falou firme.

O Talibã assentiu e eu o encarei.

— Qual vai ser a função dele? — perguntei e ele negou.

— Ele vai passar pela prova de fogo amanhã — falou simples e sorriu perverso.

Puta que pariu.

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