Envolvido | Livro 01
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Por: Ellen Souza
Prólogo

MINHA REALIDADE

Morro do Cantagalo, Rj.

RAEL

Cresci em um lugar onde a violência batia na minha porta. Não importava a hora, sempre era a mesma coisa. Um assasinato por dívidas de drogas, violência física e sexual contra a mulheres e crianças, e como era rotina, operações todos os dias com quem deveria nos proteger, matando quem viam pela frente sem se importa em saber se era um inocente ou realmente um bandido. E foi assim, desse modo, que a minha mulher morreu junto ao nosso filho que ela esperava, me deixando sozinho com a minha pequena, minha Ritinha.

— Papai, quando tu chegar a gente pode ir tomar sorvete? — Rita perguntou enquanto eu penteava seus longos cabelos loiros.

— Claro, gatinha. Vamos sim — prendi seu cabelo pra cima — bora, a Lis ta esperando tu lá na casa dela - Falei e ela pulou da cama com um sorriso de orelha a orelha.

Sorri.

Saí do quarto, arrumei a mochila dela com o lanche e fechei a porta do quintal.

Arrumei minha mochila também, peguei meu boné no armador e joguei as chaves de casa no pescoço.

— Rita, pega aí uma camisa pro pai — pedi enquanto ajustava meu boné. Coloque-o na cabeça com a aba virada para trás.

Peguei minhas havaianas e fui andando pra sala. Coloquei a mochila nas costas e fiquei esperando a Rita sair do quarto.

— Aqui papai — esticou uma camisa azul marinho pra mim, peguei a mesma e joguei no ombro.

Fechei a janela da sala e fui andando em direção a porta. A Rita já estava lá fora.

— Fica aí, vou fechar a porta e a gente já vai — falei pra ela que estava na calçada e a mesma assentiu.

Me virei alguns segundos para fechar a porta, mas logo senti a Rita vim pro meu lado e apertar o meu braço.

— Qual foi, gatinha? — olhei para ela que olhava assustada pra rua.

Levantei o meu olhar e vi o Rico atravessando a rua com o fuzil na bandoleira.

— Coe, Ritinha. Teu padrinho é tão feio assim? — Rico falou em um tom brincalhão, mas logo parou de sorrir assim que olhou para mim.

O cria era feio mesmo. Mas minha pequena tava com medo mesmo era do fuzil que à três anos atrás foi a ruína da minha família. Na época eu trabalhava e só voltava no fim da noite. A Renata estava grávida do nosso segundo filho, faltava poucos meses pra ele vim conhecer o paizão aqui, mas em uma invasão para pacificar a comunidade o amor da minha vida morreu junto do meu filho, enquanto carregava a Rita nos braços.

Uma parte de mim morreu junto com eles naquele dia. Foi doloroso pra caralho, mas tive que seguir em frente. Eu ainda tinha a Rita para cuidar, e eu prometi pra mim mesmo que nunca deixaria ela passar dificuldade.

— Pega, Neguinho — tirou o fuzil e entregou pro Neguinho que tinha acabado de chegar alí - Foi mal, princesa - Se desculpou e esticou os braços para ela.

A Rita me olhou como se pedisse permissão e eu balancei a cabeça dizendo que sim.

— Não faz mais isso — reclamou indo abraçar o Rico.

— Faço nada, princesa — prometeu.

Ele foi andando com ela no braço e eu segui atrás.

— E aí, vai entrar pro movimento quando? — Neguinho perguntou caminhando do meu lado.

Neguei com a cabeça.

— Essa vida não é pra mim, parceiro — falei — Sou trabalhador e enquanto eu tiver saúde vou tá batalhando pra ter o meu, e tu devia fazer o mesmo — falei e ele riu dando um tapinha nas minhas costas.

— Tu que sabe do teu, né não. Eu tô tranquilão — falou ajeitando a bandoleira.

Neguei. 

Continuamos descendo a rua e acionaram o rádio do Neguinho, que logo atendeu o mesmo se afastando um pouco de mim.

— Caralho, Rico! Os vermes tão lá na entrada dizendo que ninguém entra e nem saí — Neguinho correu pro lado dele.

Porra!

Andei até eles e peguei a Rita dos braços do Rico.

— Qual foi, Rael? Vai pra onde, caralho? — perguntou.

— Tô indo pro trabalho, se eu faltar vou ser demitido — falei alto e continuei andando. Mas, logo senti a mão do Rico no meu ombro.

— Com a minha afilhada tu não vai pra lugar nenhum, parceiro — tomou a Rita dos meus braços — Tá doidão? Os cana vão fazer de tudo pra te fichar e pagar de benfeitor da pátria, o herói. E se isso acontecer a Rita vai pra um orfanato, se liga — empurrou meu ombro.

Assenti.

Tirei a chave de casa do meu pescoço e entreguei a Rita, dando um beijinho em suas mãos.

— O pai volta mais tarde, falô? — ela assentiu cabisbaixa.

O Rico negou com a cabeça, e foi voltando pra outra rua.

O Neguinho me olhou — Vamos, corajoso. Te deixo perto da entrada — disse andando na frente.

O acompanhei.

Paramos uma rua antes. Eu continuei andando e ele ficou apenas observando.

— Encosta, cidadão — um policial me parou, ergui meus braços em forma de rendição e ele puxou minha mochila jogando a mesma no chão. Mandou eu virar de costas e para não piorar a situação, assim fiz. 

Vi o Neguinho, de longe negar com a cabeça e sair andando.

— Aqui, Teixeira! Olha só, maconha pra dar e vender — ouvi um deles dizer com sarcasmo.

— São todos uns vagabundos mesmo. Favelado do caralho! — acertou um chute nas minhas pernas, que fez cair de joelhos em espera dos outros golpes.

Eu não devia nada.

Eu não tinha nada, cara.

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