Jéssica
—Jess, não acredito que você esperou eu voltar pro Brasil pra me contar essa bomba.Fernanda havia chegado de viagem na noite passada. Minha amiga retornou dois dias antes da formatura da Valentina. Com presentes para minha filha e as novidades da sua última loucura na Inglaterra. Valentina brincava no quintal de casa, enquanto nós duas conversávamos bebendo o chocolate que minha amiga trouxe da França. Era sábado e a formatura aconteceria na segunda-feira na parte da tarde na escolinha. Eu havia reservado minha passagem e da minha filha para o próximo final de semana. Duas semanas se passaram desde a ligação do Pedro. Dias depois foi Sofia que me ligou, implorando que eu voltasse. Que minha tia havia melhorado depois que Pedro contou que eu decidi retornar.—Nanda, sabe que voltar inclui lembrar de tudo, encontrar pessoas que não desejo. Preciso fingir que não ligo, quando chegar naquela comunidade com uma menina na barra do vestido.—Hey garota! Nada de falar assim da minha sobrinha tá me ouvindo? O que tem você chegar em Estrela Guia com Valentina do lado? Até onde eu sei a senhora não deve nada para ninguém. Não custa ficar lá até a situação se resolver. Sua tia vai morrer logo, então não tem por que ficar desesperada.Ouvir Fernanda falando assim da vida da minha tia, deveria me deixar chateada. Só que não é o que sinto. Voltaria apenas para ouvir o que ela tinha a me dizer. Não queria viver com a consciência pesada por não ter estado presente em seus últimos dias de vida e muito menos me sentir culpada por algo assim.—Eu sei que você tem razão. Só que mesmo assim eu prometi nunca, mas retornar.—Jess acorda! O gostosão nem deve frequentar a comunidade, mas. Agora o homem é governador do Estado. Acha mesmo que ele vai ficar perdendo tempo, visitando gente pobre.Fernanda estava certa novamente. Leonardo com toda certeza não gastava seu tempo em Estrela Guia. Deveria ter coisas muito mais importantes para resolver do que ficar ouvindo lamentação de morador de comunidade.—Você fica até quando? Eu bem que queria ficar para o Natal e ano novo. Contudo eu acho que não rola, porque viajo já no próximo sábado e logo vem as festas. Havia decido ir para São Paulo logo. Não podia parar minha vida aqui por conta da doença da titia.—Amiga, fico até o carnaval. Sabe que essa época é a melhor no país. Sem contar que consegui umas meninas da última vez que andam rendendo bastante dinheiro para a agência.—Nanda, não é hora de parar com isso? Vai chegar um momento que você vai acabar se enrolando com esse tipo de gente. Já juntou dinheiro, mas do que suficiente.—Juntei, porém não é o meu objetivo final — ela se cala quando Valentina se aproxima de nós duas correndo com sua nova boneca.—Tia, a mamãe disse que vai deixar meu cabelo todo cacheado e meu vestido de formatura é de princesa.Valentina se senta no colo da tia, contando o que desejava para a festa. Ela era como uma mini- adulta. Sua fala não era de uma criança de seis anos e a inteligência que minha filha tinha, era herdada do pai. Isso era fato já que Leonardo por mais cretino que fosse era um homem estudado ao contrário de mim. Se um dia minha filha descobrisse toda a verdade, com toda certeza jamais me perdoaria. Principalmente por ter negado uma vida diferente que eu proporcionava a ela. Avisei que deixaria as canecas na cozinha, enquanto as duas continuavam a falar sobre a formatura a e festa.***LeonardoMeu único dia de folga, se resumia sempre a trabalho. Por, mas que eu prometesse a mim mesmo ou aos meus pais que tentaria tirar o final de semana para descanso eu acabava enfurnado no meu escritório trabalhando. Depois de almoçar com meus pais, voltei para a casa me trancando em meio a papeis e pastas que precisavam serem analisadas. Morar nesse palácio enorme era mais solitário ainda do que na mansão que morei por quase um ano com Viviane. Meus seguranças faziam a ronda e eu as vezes desejava apenas ficar sozinho sem ter olhos me vigiando. Larissa quis se juntar a mim com a desculpa de que me ajudaria, porém eu queria ter tempo para analisar tudo melhor longe de qualquer distração. Me sentia ansioso e ao mesmo tempo nervoso pelo lançamento da primeira escola construída em Estrela Guia. No meu encontro com Pedro naquela semana, o homem me afirmou que estava sendo tudo preparado para que nada saísse errado. Sobre segurança e organização eu sabia que ele realmente cumpria o que prometia. Porém eu sentia algo totalmente diferente das outras vezes. Não sei se era pelo fato de que depois de quase 10 anos eu voltava a Estrela Guia agora como Governador. Um sentimento de dever cumprido era o que sentia nesse momento. Saber que de certa forma eu consegui melhorar a vida de outras pessoas e a comunidade continuou sendo um exemplo a ser seguido em outros Estados. Teríamos música, diversão para as crianças e a fita vermelha sendo cortada para dar início ao ano letivo em algumas semanas. Anexo a escola a creche para crianças menores de 6 anos construída em parceria com o Prefeito também seria inaugurada.Olhava as fotos do antes e depois de pronto na tela do meu notebook. Por motivo de viagem, mamãe não poderia comparecer então eu iria sozinho. Larissa com toda certeza daria um jeito de ficar ao meu lado. Nos últimos dias eu andava trabalhando demais e ficando tempo de menos ao lado dela. Era como se o encanto e o tesão que sentia por ela estivesse acabando. Depois de assinar alguns documentos para a próxima semana, guardo tudo e vou até a cozinha verificar o que teria para o jantar. Regina era a chefe de cozinha e governanta. Cuidava de tudo com mãos de ferros e Joana era sua assistente. Depois do divórcio a mulher continuou trabalhando para mim, indo para a residência oficial do governador logo depois que fui eleito.—Espero que a comida dessa noite seja algo leve, porque minha mãe preparou massa em pleno domingo — falo assim que adentro a cozinha encontrando as duas mexendo nas panelas.—Doutor, dona Regina me avisou que o senhor provavelmente iria jantar algo leve. Então eu estou preparando uma sopa pra aproveitar o frio que faz nesse fim de domingo.Me sento em uma das banquetas, me servindo de um pouco de chá para esperar até a hora do jantar. Aprendi a beber com Viviane quando erámos casados. O chá me acalmava, depois de um dia estressante e cansativo.—Essa semana vai ser de muito trabalho, então eu acredito que nem jante em casa todos os dias — aviso enquanto sinto o líquido quente descendo pela garganta.—Senhor, a sua mãe nos avisou que viaja na quinta-feira. Então já sei que o restante da semana o senhor deve jantar em casa todos os dias.Um hábito que não perdi com o passar dos anos, foi ter a refeição na casa dos meus pais. Só quando era praticamente impossível que eu jantava sozinho.—No sábado é a inauguração da escola lá em Estrela Guia — conto depois de terminar meu chá, coloco a xicara em cima da bancada, logo Joana pega a louça e coloca em cima da pia.—Eu tenho é certeza que será um grande evento pra fechar o segundo ano do mandato do senhor com chave de ouro. Dona Viviane é que vai tá feliz hein, já que a comunidade continua prosperando.—Viviane e o Pedro. Não vamos esquecer do marido dela — assim que eu acabo de falar eu vejo o rosto envergonhado da mulher.—O jantar demora mais uns 20 minutos para ficar pronto? Podem servir aqui na cozinha mesmo. Vou só trocar essa roupa e volto logo para jantar. Preciso dormir cedo que amanhã o dia será cheio.Aviso, pedindo licença indo para o meu quarto. No caminho o celular vibra no meu bolso e vejo a mensagem recebidaVocê vai mesmo me dispensar essa noite?Olho a imagem que veio em anexo a mensagem e apenas respondo com um “sim”. Larissa sempre tentava me convencer usando suas artimanhas, porém essa noite eu realmente não estava a fim de sexo e meu pensamento se encontrava na festa em Estrela Guia e da certeza de que encerrava meu segundo ano com nota máxima e com praticamente todas as obras de campanha que havia prometido durante a eleição.JéssicaSentada na sala de casa, esperava Fernanda sair do quarto. Nossas coisas estavam prontas em uma única mala de viagem. Decidi levar pouquíssimas coisas já que eu tinha certeza que ficaria ali no máximo uma semana. Fernanda acabou decidindo ir comigo, depois de ter me encontrado chorando na varanda na noite da formatura da minha filha. Enquanto a maioria das meninas dançaram com os pais, Valentina foi a única da sala que não e mesmo demonstrando tá tudo bem com isso, não consegui esconder por muito tempo a tristeza depois que minha filha dormiu. Chorei de raiva e ódio por ter que esconder a verdade dela. Fernanda me disse que eu precisava ter a coragem de procurar Leonardo e contar sobre a filha. Porém eu nunca faria algo assim. Ser tratada com desprezo por ele, como na noite em que Valentina foi concebida era algo que não desejava outra vez.—Jess, demorei porque aproveitei para lavar o cabelo, já que nosso voo é depois do almoço — Fernanda se senta ao meu lado. Minha amiga era
JessicaEu deveria ter confiado na minha intuição, que me dizia para não trazer Valentina comigo. Mal desembarquei nesta cidade m*****a e coloquei os pés novamente nesta comunidade, minha filha some da minha vista por causa de uma brincadeira. Pensei que ela estava falando por falar quando viu toda aquela agitação de pessoas e a entrada de Estrela Guia decorada com balões e outros enfeites. Não tinha ideia de que estava acontecendo um evento nesta tarde, e agora, ao lado da Nanda, procurávamos minha filha como duas loucas. Saí perguntando a alguns moradores desconhecidos, vi os conhecidos me olhando surpresos ao me verem ali novamente, já que eu estava mais velha e muito mudada. — Amiga, fica calma, tudo bem? Vamos encontrar aquela mocinha. Eu vou por esta rua, e você segue na frente, onde tem aqueles carros parados. Viu como tem um monte de gente ao redor? Nanda me diz e, carregando a mala de viagem numa mão, ando apressada, me aproximando daquela multidão que se encontrava perto de
LeonardoEla teve uma filha! A surpresa que tive ao encontrar Jéssica depois de anos foi justamente no dia da inauguração da nova escola em Estrela Guia. O nosso rápido reencontro apenas de olhares mostrou que ela, de certa forma, ainda mexia comigo. A garotinha encantadora era filha dela? E me perguntava, curioso, quem seria o pai?Enquanto as pessoas ali conversavam sobre política e os moradores da comunidade, entre outras coisas, meu pensamento se encontrava nela e em como mudou em anos. Mais velha, porém, o olhar de desprezo por mim permanecia o mesmo. Jéssica realmente me odiava por tudo que fiz no passado. Fui um canalha ao ter acreditado no que mamãe me disse e descobrir pela Sofia que a tia foi quem fez toda a negociação para conseguir dinheiro usando o que eu e a sobrinha tínhamos me pegou de surpresa. Em um dos encontros com Sofia, minha amiga contou que Maria confessou no hospital que Deus a castigava por ter se aproveitado da sobrinha por anos. Sofia não conseguia entender
Jessica—Tia Jess a mamãe comprou esse doce para mim!Ao ouvir Valentina me chamando de tia Jess, solto um suspiro de alívio. Minha filha era esperta e inteligente demais. Leonardo olhou confuso para mim, depois para Fernanda que se encontrava parada ao meu lado e por último para minha filha.— Como assim tia? Ela não é sua filha?Leonardo pergunta e antes que eu possa responder, Fernanda saí na frente e se apresenta para ele.—O governador aqui na porta da casa da tia da minha amiga. Nossa me sinto honrada com isso, o senhor é muito mais bonito pessoalmente que na televisão.Fernanda diz sem pudor algum, sorrindo para Leonardo e para um homem alto, barbudo e de óculos escuros que estava parado como uma estátua ao lado dele.—Me chamo Fernanda e essa mocinha aqui é a Valentina a minha filha.Minha amiga, estende a mão para ele, deixando- o confuso com essa informação.—É... o prazer é meu! Senhora!—Senhora não, por favor. Assim o senhor me faz parecer uma velha.Assisto a cena sem ac
LeonardoPedi para Fábio dirigir pelas ruas de São Paulo, antes de chegar até a mansão. Eu precisava organizar as ideias depois de descobrir que a menina não era sua filha e sim da amiga dela. A mulher que se apresentou como Fernanda lembrava muito uma das garotas que participavam das festas que o Marcelo organizava. Será que Jéssica não omitia que a menina era sua filha, com medo de que eu pensasse o pior dela? A garotinha chamada Valentina lembrava muito Jéssica. O mesmo sorriso e postura. As vezes era a convivência que faziam com que semelhanças aparecessem.—Senhor eu posso seguir para a mansão agora?Fábio pergunta me tirando do transe e respondo que sim. Assim que chegasse em casa, ligaria para um amigo pedindo que procurasse qualquer informação sobre Jéssica a amiga e a criança que acompanhava as duas.Como aquela garota se encontrava tão diferente. Mas bonita, que meu corpo não pôde deixar de reagir a presença dela. Eu desejava conversar a sós com ela. Porém Jéssica foi irred
JéssicaAcordei cedo, deixei o café da manhã pronto. Fernanda e Valentina ainda dormiam e na noite anterior avisei minha filha que precisaria sair bem cedinho. Mesmo sendo domingo, me encontraria com Pedro no escritório dele. Era melhor resolver o que era preciso. Pediria para que ele vendesse a casa da titia. Pretendia voltar apenas para o velório. Quando contei isso para Fernanda minha amiga disse que eu estava certa. Não poderia ser hipócrita ao ponto de chorar pela tia Maria. Só eu sei o que passei desde criança. Os homens que ela levava para casa, a exploração que vivi desde quando me entendi por gente e passei a ter corpo de mulher. Enquanto eu andava até o escritório dei de cara com alguns conhecidos. Descobri que Dona Noca faleceu 4 anos atrás. Encontrei Livia que agora era uma moça ao lado da mãe dona Carmem, que estava aposentada depois de sofrer um acidente de trabalho e ficar impossibilitada de trabalhar. Livia era mais nova que eu uns seis anos e fiquei feliz por saber qu
JéssicaO carro de aplicativo se aproximava da entrada do hospital em que minha tia se encontrava internada. As visitas estavam liberadas durante o dia inteiro e achei melhor ir antes do almoço. Depois de conversar e dizer com todas as letras que meu lugar não era mais em Estrela Guia, me despedi do Pedro, chamei um Uber e vim para o hospital. Paguei a corrida e agradeci ao motorista. Me encontrava na entrada e respirei fundo antes de entrar e pedir informação sobre o quarto que tia Maria ficava. No caminho liguei para Nanda que me disse que em casa Valentina já havia tomado café e agora assistia desenho na televisão. Ela compraria o almoço e perguntou se eu chegaria muito tarde. Avisei que era apenas o tempo de falar com tia Maria, ficar alguns minutos e voltar. Não queria me arriscar andando por aí, com medo de dar de cara com Leonardo novamente.Fui até a recepcionista e disse o nome completo da minha tia e meu grau de parentesco.—A paciente já aguardava a visita da senhorita — a
LeonardoFinal de domingo bastante produtivo. Acordei no horário de sempre, tomei o café e me tranquei no gabinete só saindo para almoçar e depois retornei. Entre papeis e assinaturas eu aguardava a resposta sobre a vida da Jessica no Rio de Janeiro. Vi a hora no relógio em meu pulso e era um pouco mais de seis da tarde. Joana e Regina saíram de folga assim que eu almocei. As duas mulheres intercalavam os finais de semana e como viram que eu trabalharia o dia inteiro em casa, me deixaram sozinho no palácio. Larissa não me mandou nem mensagem ou ligou para falar sobre a noite passada. Meus pais por vídeo- chamada me parabenizaram depois de assistir ao canal de notícias sobre política. Os comentários positivos sobre a inauguração da escola, me deixaram satisfeito e feliz ao mesmo tempo. Dei por encerrado meu trabalho. Fechei o notebook, guardei os papeis nas pastas e subi para o meu quarto. A residência oficial era enorme, com tantos quartos que no começo eu me perdia entre os corredore