Leonardo
Ela teve uma filha! A surpresa que tive ao encontrar Jéssica depois de anos foi justamente no dia da inauguração da nova escola em Estrela Guia. O nosso rápido reencontro apenas de olhares mostrou que ela, de certa forma, ainda mexia comigo. A garotinha encantadora era filha dela? E me perguntava, curioso, quem seria o pai?Enquanto as pessoas ali conversavam sobre política e os moradores da comunidade, entre outras coisas, meu pensamento se encontrava nela e em como mudou em anos. Mais velha, porém, o olhar de desprezo por mim permanecia o mesmo. Jéssica realmente me odiava por tudo que fiz no passado. Fui um canalha ao ter acreditado no que mamãe me disse e descobrir pela Sofia que a tia foi quem fez toda a negociação para conseguir dinheiro usando o que eu e a sobrinha tínhamos me pegou de surpresa. Em um dos encontros com Sofia, minha amiga contou que Maria confessou no hospital que Deus a castigava por ter se aproveitado da sobrinha por anos. Sofia não conseguia entender do que a mulher falava, até que Maria explicou que o dinheiro que ganhou foi por ter procurado minha mãe e contado que diria tudo para a imprensa se minha família não pagasse pelo seu silêncio. Quando descobri, não fui atrás de pedir explicações para minha mãe, já que nada faria com que o tempo voltasse e eu pudesse pedir desculpas pelo que fiz a Jéssica. Talvez até mesmo a minha relação com ela teria sido diferente, e eu nunca teria me casado com Viviane.
Pedro conversava com o secretário de saúde, e Viviane estava ao seu lado com Ester. Francisco brincava com outras crianças, e o garoto com o tempo acabou se afastando de mim. Não quis forçar nenhuma aproximação por entender que a mãe dele tinha muitos motivos para me querer longe dela e dos filhos.
— Leonardo, você está de parabéns pela estrutura da escola e de como as salas foram bem projetadas — voltei minha atenção para um dos homens que se encontravam ali como convidados. Sorri ao receber o elogio, e fomos interrompidos pela aproximação de Pedro junto da esposa e da filha.
— Doutor, a festa foi perfeita e seu discurso bem falado. Agora preciso ir com minha família — Pedro não perdia o costume de chamar de doutor. Só que agora ele não pronunciava a palavra com deboche.
— Leonardo, tudo foi muito bem-feito e espero que as crianças que venham estudar aqui possam aprender e ter um bom futuro — Viviane disse com um sorriso sincero para mim. Ester estava em seu colo, e toquei o rosto da menina com carinho sendo observado por Pedro. Com o passar dos anos, passamos a nos tratar com educação e respeito. O que houve ficou no passado e não misturamos as coisas que aconteceram anos atrás.
— Eu preciso ir. Tenho algum trabalho para finalizar em casa — digo me despedindo de todos. Pedro junto com Viviane saem primeiro, vejo quando Larissa vem para perto de mim e teria que cancelar o nosso encontro daquela noite.
— Vou dispensar todos aqui e sigo com você para mansão — ela diz bem próximo de mim. Eu disfarço já que os olhos de muitos ali estão em direção a nós dois. Larissa andava forçando uma aproximação que me incomodava. Era como se ela quisesse que todos soubessem do nosso caso e me obrigasse a assumir o que tínhamos de certa forma.
— Hoje não vai ser possível — aviso e vejo o rosto dela ficar vermelho de raiva ao ouvir isso.
— Por qual motivo? Será que é só você aparecer e encontrar com sua ex-mulher que tudo muda de uma hora para outra — Larissa diminui o tom de voz quando vê que meu olhar para ela não é dos melhores.
— Eu tenho que resolver um assunto pessoal agora. Você pode ir com o vice-governador que agora preciso ir.
Antes de sair ela me impediu segurando meu braço e me soltei discretamente para que ninguém perceba a nossa discussão.
— Assunto pessoal ou você não consegue ficar bem depois que reencontrar sua Ex-mulher feliz com o marido e filhos?
— Preciso ir agora. Você sabe como voltar para casa.
Digo chamando Diego para explicar o que ele deveria fazer assim que eu fosse embora. Depois de passar as instruções ao chefe da segurança, chamo pelo Fábio e passo um endereço a ele.
Sei que é errado o que pretendo fazer. Na verdade, é loucura dada a posição que tenho e o lugar em que estou. Porém, a curiosidade em saber como ela estava, quem era o pai daquela menina, e se ela havia retornado de vez para São Paulo falava muito, mas alto do que as notícias que provavelmente sairiam na imprensa em poucas horas.
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Jéssica
Sozinha em casa, arrumava algumas coisas no quarto da minha tia, que agora seria ocupado por mim e pela Valentina. Fernanda e minha filha saíram para fazer compras assim que chegamos. Muita coisa mudou aqui, e meu quarto seguia como deixei. Sofia havia me enviado mensagem avisando que titia me esperava no dia seguinte no hospital que ficava perto daqui. Pedro ligou perguntando se a viagem foi boa, tranquila e se eu precisava de algo. Recusei qualquer ajuda vinda dele. Para Sofia, respondi que iria para a visita no horário marcado e desliguei para não dar muita conversa para nenhum dos dois. Minha mente ainda martelava o reencontro com Leonardo e o medo de que ele pudesse descobrir meu segredo. Fernanda me acalmou, e eu tive que conversar com Valentina outra vez sobre não contar que eu era sua mãe. Antes das duas irem até o mercado, repassamos o roteiro e, para os conhecidos e desconhecidos, ela era filha da Fernanda. Tirava algumas coisas da dispensa, conferindo produtos já vencidos, e pelo que percebi, titia seguia descuidada como sempre. Ela se encontrava internada há 3 meses, assim Sofia me contou, que o tratamento era muito mais agressivo do que antes. Ironicamente, uma mulher como ela não se cuidou e muito menos teve acompanhamento ginecológico. Já que ela sempre me ensinava desde criança que eu precisava me prevenir contra uma gravidez indesejada e DSTs. Pelo jeito, os conselhos não serviram para ela mesma. Depois de jogar tantos pacotes no lixo, peguei as panelas para lavar quando ouço uma batida na porta.
— Será que o Pedro acabou vindo aqui comigo dizendo que não era preciso?
Falo, enquanto largo a panela do arroz em cima da mesa. Passo a mão na minha calça e blusa para tirar a poeira que caiu e amarro meu cabelo num rabo de cavalo. Vou até a porta e ao abrir encontro a pessoa que nunca mais desejava rever na vida. Ao dar de cara com aquele homem acompanhado dos seguranças, eu senti o chão se abrindo e me engolindo. Minha primeira reação foi fechar a porta, contudo ele foi mais rápido e segurou me impedindo de fechar na cara dele.
— Sei que você me odeia, só que precisamos conversar e você precisa me explicar o motivo de ter sumido por tantos anos.
Assim que ele se cala, ouço barulho vindo do portão, e Valentina vem correndo com um saco de doces na mão e Fernanda gritando para que ela parasse atrás.
Se minha filha abrisse a boca na frente dele, eu não estaria apenas ferrada, como perderia minha filha de vez para ele.
Jessica—Tia Jess a mamãe comprou esse doce para mim!Ao ouvir Valentina me chamando de tia Jess, solto um suspiro de alívio. Minha filha era esperta e inteligente demais. Leonardo olhou confuso para mim, depois para Fernanda que se encontrava parada ao meu lado e por último para minha filha.— Como assim tia? Ela não é sua filha?Leonardo pergunta e antes que eu possa responder, Fernanda saí na frente e se apresenta para ele.—O governador aqui na porta da casa da tia da minha amiga. Nossa me sinto honrada com isso, o senhor é muito mais bonito pessoalmente que na televisão.Fernanda diz sem pudor algum, sorrindo para Leonardo e para um homem alto, barbudo e de óculos escuros que estava parado como uma estátua ao lado dele.—Me chamo Fernanda e essa mocinha aqui é a Valentina a minha filha.Minha amiga, estende a mão para ele, deixando- o confuso com essa informação.—É... o prazer é meu! Senhora!—Senhora não, por favor. Assim o senhor me faz parecer uma velha.Assisto a cena sem ac
LeonardoPedi para Fábio dirigir pelas ruas de São Paulo, antes de chegar até a mansão. Eu precisava organizar as ideias depois de descobrir que a menina não era sua filha e sim da amiga dela. A mulher que se apresentou como Fernanda lembrava muito uma das garotas que participavam das festas que o Marcelo organizava. Será que Jéssica não omitia que a menina era sua filha, com medo de que eu pensasse o pior dela? A garotinha chamada Valentina lembrava muito Jéssica. O mesmo sorriso e postura. As vezes era a convivência que faziam com que semelhanças aparecessem.—Senhor eu posso seguir para a mansão agora?Fábio pergunta me tirando do transe e respondo que sim. Assim que chegasse em casa, ligaria para um amigo pedindo que procurasse qualquer informação sobre Jéssica a amiga e a criança que acompanhava as duas.Como aquela garota se encontrava tão diferente. Mas bonita, que meu corpo não pôde deixar de reagir a presença dela. Eu desejava conversar a sós com ela. Porém Jéssica foi irred
JéssicaAcordei cedo, deixei o café da manhã pronto. Fernanda e Valentina ainda dormiam e na noite anterior avisei minha filha que precisaria sair bem cedinho. Mesmo sendo domingo, me encontraria com Pedro no escritório dele. Era melhor resolver o que era preciso. Pediria para que ele vendesse a casa da titia. Pretendia voltar apenas para o velório. Quando contei isso para Fernanda minha amiga disse que eu estava certa. Não poderia ser hipócrita ao ponto de chorar pela tia Maria. Só eu sei o que passei desde criança. Os homens que ela levava para casa, a exploração que vivi desde quando me entendi por gente e passei a ter corpo de mulher. Enquanto eu andava até o escritório dei de cara com alguns conhecidos. Descobri que Dona Noca faleceu 4 anos atrás. Encontrei Livia que agora era uma moça ao lado da mãe dona Carmem, que estava aposentada depois de sofrer um acidente de trabalho e ficar impossibilitada de trabalhar. Livia era mais nova que eu uns seis anos e fiquei feliz por saber qu
JéssicaO carro de aplicativo se aproximava da entrada do hospital em que minha tia se encontrava internada. As visitas estavam liberadas durante o dia inteiro e achei melhor ir antes do almoço. Depois de conversar e dizer com todas as letras que meu lugar não era mais em Estrela Guia, me despedi do Pedro, chamei um Uber e vim para o hospital. Paguei a corrida e agradeci ao motorista. Me encontrava na entrada e respirei fundo antes de entrar e pedir informação sobre o quarto que tia Maria ficava. No caminho liguei para Nanda que me disse que em casa Valentina já havia tomado café e agora assistia desenho na televisão. Ela compraria o almoço e perguntou se eu chegaria muito tarde. Avisei que era apenas o tempo de falar com tia Maria, ficar alguns minutos e voltar. Não queria me arriscar andando por aí, com medo de dar de cara com Leonardo novamente.Fui até a recepcionista e disse o nome completo da minha tia e meu grau de parentesco.—A paciente já aguardava a visita da senhorita — a
LeonardoFinal de domingo bastante produtivo. Acordei no horário de sempre, tomei o café e me tranquei no gabinete só saindo para almoçar e depois retornei. Entre papeis e assinaturas eu aguardava a resposta sobre a vida da Jessica no Rio de Janeiro. Vi a hora no relógio em meu pulso e era um pouco mais de seis da tarde. Joana e Regina saíram de folga assim que eu almocei. As duas mulheres intercalavam os finais de semana e como viram que eu trabalharia o dia inteiro em casa, me deixaram sozinho no palácio. Larissa não me mandou nem mensagem ou ligou para falar sobre a noite passada. Meus pais por vídeo- chamada me parabenizaram depois de assistir ao canal de notícias sobre política. Os comentários positivos sobre a inauguração da escola, me deixaram satisfeito e feliz ao mesmo tempo. Dei por encerrado meu trabalho. Fechei o notebook, guardei os papeis nas pastas e subi para o meu quarto. A residência oficial era enorme, com tantos quartos que no começo eu me perdia entre os corredore
Jessica—Mãezinha, quando eu vou poder visitar a sua tia?Valentina estava abraçada a mim no sofá da sala. Fernanda tratou de sair, logo depois que cheguei do hospital. Pediu desculpas, disse que não dava para ficar perdendo tempo trancada em casa, quando existiam muitas garotas com potencial para trabalhar. Minha amiga saiu um pouco depois das seis horas da tarde. Avisou que dormiria fora e fiquei sozinha com Valentina. Agora nós duas assistíamos ao desenho no canal fechado. Minha filha fez perguntas sobre minha tia, queria saber por que não a levei comigo ao hospital e se ela precisava continuar com o segredo por quanto tempo.—Não acho bom a senhorita visitar hospital. Então saiba que vai continuar aqui com sua tia Nanda quando eu precisar sair para resolver as coisas.Afirmo de forma que Valentina nem pense em discutir comigo.Conversaria com Fernanda sobre minha decisão de permanecer em São Paulo até quando desse. Na realidade até a morte da minha tia essa era a verdade. Teria qu
Jéssica Valentina demorou a pegar no sono. Leonardo contou histórias da época em que ele morava fora do Brasil. Explicou o trabalho que fez em um programa de médicos que atuavam em países pobres e minha filha ouvia tudo atentamente. Ela fazia perguntas, como ele se tornou governador e se amava o que fazia. Leonardo gostava de crianças, nunca me escondeu isso nas raras vezes em que ele conversava comigo. Eu ouvia tudo calada, sem deixar de fazer sinais para que Valentina não falasse algo que nos prejudicasse. 20 minutos depois ela enfim dormiu e nós dois saímos do quarto em silêncio. Fechei a porta e fui para a sala com ele. — Agora que a menina dormiu, é melhor você ir embora — digo enquanto caminho até a cozinha. Precisava de um chá para acalmar os nervos ou acabaria surtando com a presença daquele homem. Não é porque ele foi educado e gentil com a filha que ele não sabia que existia, que iria fraquejar e ficar toda, sorrisos para ele. Tirei a chaleira do armário, enchi de água e q
JéssicaValentina dormiu assim que entrei no quarto e a encontrei sentada na cama, tentando abrir os olhos. Em seu estado sonolento, a deitei na cama, embrulhei seu corpinho com a colcha e logo minha filha dormiu novamente. Tentava controlar o tremor em meu corpo. Se não fosse Valentina me chamar, eu teria me entregado na cozinha como a vadia que Leonardo pensava que eu era. Saí da cama, fechei a porta com cuidado e encontrei a sala vazia. — Ainda bem que ele já foi embora — falo sozinha, me encaminhando até a porta e fechando com atenção. Olhei pela janela a rua deserta. Ele havia realmente ido embora assim que entrei. Como pude me deixar levar no calor do momento?Como fui tão idiota de permitir que ele me tocasse de forma tão intima, me beijando, me tendo em seus braços outra vez?Fui para a cozinha, peguei um copo e enchi com água gelada. Assim o fogo que consumia meu corpo seria apagado. Uma única recaída foi suficiente para descobrir que ele tinha em suas mãos a hora que ele q