Jessica
Eu deveria ter confiado na minha intuição, que me dizia para não trazer Valentina comigo. Mal desembarquei nesta cidade m*****a e coloquei os pés novamente nesta comunidade, minha filha some da minha vista por causa de uma brincadeira. Pensei que ela estava falando por falar quando viu toda aquela agitação de pessoas e a entrada de Estrela Guia decorada com balões e outros enfeites. Não tinha ideia de que estava acontecendo um evento nesta tarde, e agora, ao lado da Nanda, procurávamos minha filha como duas loucas. Saí perguntando a alguns moradores desconhecidos, vi os conhecidos me olhando surpresos ao me verem ali novamente, já que eu estava mais velha e muito mudada.— Amiga, fica calma, tudo bem? Vamos encontrar aquela mocinha. Eu vou por esta rua, e você segue na frente, onde tem aqueles carros parados. Viu como tem um monte de gente ao redor?
Nanda me diz e, carregando a mala de viagem numa mão, ando apressada, me aproximando daquela multidão que se encontrava perto de vários carros. Será que Pedro estava comemorando algo novo no dia de hoje? Tanta movimentação assim, com garotos fazendo a segurança, só acontecia em eventos importantes. De longe avisto um homem bem-vestido de costas para mim, conversando com uma menina que, ao olhar melhor, vi que era Valentina.
— Aquela mocinha vai ficar de castigo sem assistir novela por um mês — falo sozinha ao me aproximar dela, tentando me equilibrar naquele salto plataforma. Me arrependi de calçar, depois de perceber a confusão que minha filha me colocou com menos de 15 minutos de volta àquele lugar.
— Valentina!
Grito o nome bem alto, sem me importar com as pessoas me olhando. Com certeza achavam que eu era uma louca, andando com aquela mala na mão e a bolsa no ombro. Gritei por ela novamente, e ela ouviu, acenando para mim e sorrindo como se não tivesse aprontado. O homem que conversava com minha filha se vira, e paro ao reconhecê-lo. Era um pesadelo, ou uma brincadeira de mal gosto do destino. Não era possível encontrar aquele maldito homem justo no primeiro dia em São Paulo.
Valentina fala algo para o desconhecido, que tenta chamá-la, e ela vem até mim correndo como sempre. Vejo quando ele é cercado pelos seguranças, que o levam para outro lugar. Valentina me abraça, assim que chega perto, e queria brigar com minha menina, mas me controlo ao sair com ela de mãos dadas para longe dali.
Leonardo me reconheceu, tinha certeza disso, e ainda por cima viu que uma criança se aproximou de mim. Burro ele não era, agora eu não sabia como continuar com a mentira que inventei.
— Mamãe, desculpinha. Tinha tanta gente que acabei me perdendo da senhora e da tia. Aquele senhor falou que ia me ajudar quando a senhora me encontrou.
Já estávamos afastadas e parei um minuto para perguntar o que Valentina havia dito para ele.
— O que falou com aquele homem que conversou com você?
— Que me perdi da senhora e da tia. Só isso, mamãe — Valentina me olha com os olhos já enchendo de água.
— Mamãe não vai brigar com você agora. Mas saiba que precisamos conversar sobre o que aconteceu aqui.
Me virei encontrando Fernanda retornando, aliviada por me encontrar com a sobrinha.
— Encontrou essa pestinha onde?
— Depois eu te conto! O importante é que a encontrei e agora vamos, que a casa da tia Maria está ali na frente.
Nós três seguimos até a rua que vivi uma grande parte da minha vida. Estava tudo tão diferente de quando fui embora. Não apenas as casas, como as ruas asfaltadas, lojas e um movimento que há 10 anos não existia.
— Eu descobri o que está acontecendo aqui e o motivo de tanta movimentação. Pela sua cara assustada, já imagino o que houve — Fernanda fala o finalzinho bem baixo para não chamar atenção da sobrinha.
— Você tá certinha no que descobriu, e depois a gente conversa, tudo bem?
— Tia, o que a senhora descobriu? Valentina era esperta e ouvia tudo muito bem.
— A tia descobriu que a minha sobrinha é muito sapeca e espertinha.
Fernanda e eu nos olhamos e logo à frente vejo a casa da titia. Uma reforma foi feita no imóvel, e com toda certeza tinha dedo do Pedro no meio. Ele me avisou que a chave ficaria escondida debaixo de um vaso de rosa do deserto. Levantei o vaso pegando a chave. Valentina observava tudo com curiosidade, perguntando da Fernanda o nome do bairro em que estávamos.
Abri a porta, nós três entramos, e vi como a sala e a cozinha estavam diferentes. Um outro cômodo foi construído, o corredor que dava para os dois quartos.
— Amiga, que casa organizada é essa da sua tia. Você disse que deveria ser tudo uma zona, mas encontramos algo totalmente diferente do que me contou.
Larguei minha mala no chão da sala e joguei a bolsa em cima do sofá. Fernanda fez o mesmo, e Valentina já se sentia em casa, indo se sentar numa cadeira que ficava na sala.
— Mamãe, a gente vai morar aqui agora? É por isso que eu tenho que falar que a tia Nanda é a minha mãe?
Valentina me chama, me tirando do transe e das memórias que tive ao entrar nessa casa outra vez. Fernanda olhava a sala e a cozinha sem disfarçar o interesse.
— Agora você vai trocar essa roupa e voltar aqui para conversarmos, tudo bem?
Dou um sorriso ao ver minha amiga e minha filha, jurando de dedinho para sustentar a nossa mentira. Em partes, Fernanda tinha razão, e eu não passei de uma das que foi para a cama com ele. Leonardo, com certeza, nem lembrava da minha existência, e eu era apenas uma idiota que transava com ele, enquanto a mulher que ele amava de verdade, agora se encontrava casada com o homem que ele detestava.
LeonardoEla teve uma filha! A surpresa que tive ao encontrar Jéssica depois de anos foi justamente no dia da inauguração da nova escola em Estrela Guia. O nosso rápido reencontro apenas de olhares mostrou que ela, de certa forma, ainda mexia comigo. A garotinha encantadora era filha dela? E me perguntava, curioso, quem seria o pai?Enquanto as pessoas ali conversavam sobre política e os moradores da comunidade, entre outras coisas, meu pensamento se encontrava nela e em como mudou em anos. Mais velha, porém, o olhar de desprezo por mim permanecia o mesmo. Jéssica realmente me odiava por tudo que fiz no passado. Fui um canalha ao ter acreditado no que mamãe me disse e descobrir pela Sofia que a tia foi quem fez toda a negociação para conseguir dinheiro usando o que eu e a sobrinha tínhamos me pegou de surpresa. Em um dos encontros com Sofia, minha amiga contou que Maria confessou no hospital que Deus a castigava por ter se aproveitado da sobrinha por anos. Sofia não conseguia entender
Jessica—Tia Jess a mamãe comprou esse doce para mim!Ao ouvir Valentina me chamando de tia Jess, solto um suspiro de alívio. Minha filha era esperta e inteligente demais. Leonardo olhou confuso para mim, depois para Fernanda que se encontrava parada ao meu lado e por último para minha filha.— Como assim tia? Ela não é sua filha?Leonardo pergunta e antes que eu possa responder, Fernanda saí na frente e se apresenta para ele.—O governador aqui na porta da casa da tia da minha amiga. Nossa me sinto honrada com isso, o senhor é muito mais bonito pessoalmente que na televisão.Fernanda diz sem pudor algum, sorrindo para Leonardo e para um homem alto, barbudo e de óculos escuros que estava parado como uma estátua ao lado dele.—Me chamo Fernanda e essa mocinha aqui é a Valentina a minha filha.Minha amiga, estende a mão para ele, deixando- o confuso com essa informação.—É... o prazer é meu! Senhora!—Senhora não, por favor. Assim o senhor me faz parecer uma velha.Assisto a cena sem ac
LeonardoPedi para Fábio dirigir pelas ruas de São Paulo, antes de chegar até a mansão. Eu precisava organizar as ideias depois de descobrir que a menina não era sua filha e sim da amiga dela. A mulher que se apresentou como Fernanda lembrava muito uma das garotas que participavam das festas que o Marcelo organizava. Será que Jéssica não omitia que a menina era sua filha, com medo de que eu pensasse o pior dela? A garotinha chamada Valentina lembrava muito Jéssica. O mesmo sorriso e postura. As vezes era a convivência que faziam com que semelhanças aparecessem.—Senhor eu posso seguir para a mansão agora?Fábio pergunta me tirando do transe e respondo que sim. Assim que chegasse em casa, ligaria para um amigo pedindo que procurasse qualquer informação sobre Jéssica a amiga e a criança que acompanhava as duas.Como aquela garota se encontrava tão diferente. Mas bonita, que meu corpo não pôde deixar de reagir a presença dela. Eu desejava conversar a sós com ela. Porém Jéssica foi irred
JéssicaAcordei cedo, deixei o café da manhã pronto. Fernanda e Valentina ainda dormiam e na noite anterior avisei minha filha que precisaria sair bem cedinho. Mesmo sendo domingo, me encontraria com Pedro no escritório dele. Era melhor resolver o que era preciso. Pediria para que ele vendesse a casa da titia. Pretendia voltar apenas para o velório. Quando contei isso para Fernanda minha amiga disse que eu estava certa. Não poderia ser hipócrita ao ponto de chorar pela tia Maria. Só eu sei o que passei desde criança. Os homens que ela levava para casa, a exploração que vivi desde quando me entendi por gente e passei a ter corpo de mulher. Enquanto eu andava até o escritório dei de cara com alguns conhecidos. Descobri que Dona Noca faleceu 4 anos atrás. Encontrei Livia que agora era uma moça ao lado da mãe dona Carmem, que estava aposentada depois de sofrer um acidente de trabalho e ficar impossibilitada de trabalhar. Livia era mais nova que eu uns seis anos e fiquei feliz por saber qu
JéssicaO carro de aplicativo se aproximava da entrada do hospital em que minha tia se encontrava internada. As visitas estavam liberadas durante o dia inteiro e achei melhor ir antes do almoço. Depois de conversar e dizer com todas as letras que meu lugar não era mais em Estrela Guia, me despedi do Pedro, chamei um Uber e vim para o hospital. Paguei a corrida e agradeci ao motorista. Me encontrava na entrada e respirei fundo antes de entrar e pedir informação sobre o quarto que tia Maria ficava. No caminho liguei para Nanda que me disse que em casa Valentina já havia tomado café e agora assistia desenho na televisão. Ela compraria o almoço e perguntou se eu chegaria muito tarde. Avisei que era apenas o tempo de falar com tia Maria, ficar alguns minutos e voltar. Não queria me arriscar andando por aí, com medo de dar de cara com Leonardo novamente.Fui até a recepcionista e disse o nome completo da minha tia e meu grau de parentesco.—A paciente já aguardava a visita da senhorita — a
LeonardoFinal de domingo bastante produtivo. Acordei no horário de sempre, tomei o café e me tranquei no gabinete só saindo para almoçar e depois retornei. Entre papeis e assinaturas eu aguardava a resposta sobre a vida da Jessica no Rio de Janeiro. Vi a hora no relógio em meu pulso e era um pouco mais de seis da tarde. Joana e Regina saíram de folga assim que eu almocei. As duas mulheres intercalavam os finais de semana e como viram que eu trabalharia o dia inteiro em casa, me deixaram sozinho no palácio. Larissa não me mandou nem mensagem ou ligou para falar sobre a noite passada. Meus pais por vídeo- chamada me parabenizaram depois de assistir ao canal de notícias sobre política. Os comentários positivos sobre a inauguração da escola, me deixaram satisfeito e feliz ao mesmo tempo. Dei por encerrado meu trabalho. Fechei o notebook, guardei os papeis nas pastas e subi para o meu quarto. A residência oficial era enorme, com tantos quartos que no começo eu me perdia entre os corredore
Jessica—Mãezinha, quando eu vou poder visitar a sua tia?Valentina estava abraçada a mim no sofá da sala. Fernanda tratou de sair, logo depois que cheguei do hospital. Pediu desculpas, disse que não dava para ficar perdendo tempo trancada em casa, quando existiam muitas garotas com potencial para trabalhar. Minha amiga saiu um pouco depois das seis horas da tarde. Avisou que dormiria fora e fiquei sozinha com Valentina. Agora nós duas assistíamos ao desenho no canal fechado. Minha filha fez perguntas sobre minha tia, queria saber por que não a levei comigo ao hospital e se ela precisava continuar com o segredo por quanto tempo.—Não acho bom a senhorita visitar hospital. Então saiba que vai continuar aqui com sua tia Nanda quando eu precisar sair para resolver as coisas.Afirmo de forma que Valentina nem pense em discutir comigo.Conversaria com Fernanda sobre minha decisão de permanecer em São Paulo até quando desse. Na realidade até a morte da minha tia essa era a verdade. Teria qu
Jéssica Valentina demorou a pegar no sono. Leonardo contou histórias da época em que ele morava fora do Brasil. Explicou o trabalho que fez em um programa de médicos que atuavam em países pobres e minha filha ouvia tudo atentamente. Ela fazia perguntas, como ele se tornou governador e se amava o que fazia. Leonardo gostava de crianças, nunca me escondeu isso nas raras vezes em que ele conversava comigo. Eu ouvia tudo calada, sem deixar de fazer sinais para que Valentina não falasse algo que nos prejudicasse. 20 minutos depois ela enfim dormiu e nós dois saímos do quarto em silêncio. Fechei a porta e fui para a sala com ele. — Agora que a menina dormiu, é melhor você ir embora — digo enquanto caminho até a cozinha. Precisava de um chá para acalmar os nervos ou acabaria surtando com a presença daquele homem. Não é porque ele foi educado e gentil com a filha que ele não sabia que existia, que iria fraquejar e ficar toda, sorrisos para ele. Tirei a chaleira do armário, enchi de água e q