Capítulo 5

Jéssica

Sentada na sala de casa, esperava Fernanda sair do quarto. Nossas coisas estavam prontas em uma única mala de viagem. Decidi levar pouquíssimas coisas já que eu tinha certeza que ficaria ali no máximo uma semana. Fernanda acabou decidindo ir comigo, depois de ter me encontrado chorando na varanda na noite da formatura da minha filha. Enquanto a maioria das meninas dançaram com os pais, Valentina foi a única da sala que não e mesmo demonstrando tá tudo bem com isso, não consegui esconder por muito tempo a tristeza depois que minha filha dormiu. Chorei de raiva e ódio por ter que esconder a verdade dela. Fernanda me disse que eu precisava ter a coragem de procurar Leonardo e contar sobre a filha. Porém eu nunca faria algo assim. Ser tratada com desprezo por ele, como na noite em que Valentina foi concebida era algo que não desejava outra vez.

—Jess, demorei porque aproveitei para lavar o cabelo, já que nosso voo é depois do almoço — Fernanda se senta ao meu lado. Minha amiga era o meu apoio e sabia que poderia contar com ela para o que precisasse.

—Eu já organizei tudo, as roupas, sapatos e já te falei que é no máximo uma semana em São Paulo e depois voltamos para casa. Liguei cedo para o Pedro, avisando que ele não precisava mandar ninguém nos buscar. Eu ainda lembro o caminho daquela comunidade.

Fernanda rir ao me ouvir falando assim.

—Depois de quase 9 anos você voltando para Estrela Guia hein. Será que muita coisa mudou por lá? Eu sempre ouço as meninas contando que o Pedro continua comandando ali com mãos de ferro.

—Pedro nunca vai mudar o jeito de ser. Agora que se casou com a Viviane e formou uma família com ela é que vai impedir que coisas ruins aconteçam mesmo. Mas vamos conversar novamente sobre o que eu e você faremos quando eu chegar em São Paulo.

Fernanda mesmo não concordando, aceitou dizer que Valentina era sua filha. Era loucura minha achar que encontraria com Leonardo durante os dias que ficaria na cidade, contudo era melhor assim. As vezes uma mentira se fazia necessária para que problemas maiores surgissem.

—Jess nem era para repetir o que você já anda cansada de escutar. Só que amiga é sério que vamos seguir com esse teatro idiota? Acorda para a vida que o bonitão agora não perde tempo em favela cuidando ou ouvindo gente pobre. O homem é nada, mas nada menos que Governador da maior cidade do país. Desce das nuvens, acreditando que você dar de cara com ele lá na comunidade.

—Nanda eu já sei o que você acha, mas e se eu dou azar e acabo revendo aquele homem? Ele não é idiota em acreditar que Valentina é filha de bandido.

—Tá certo! Não digo, mas nada, agora você acredita que a Valen vai ficar calada e confirmar a nossa mentira?

—Minha filha vai eu sei e confio nela. Conversamos antes dela dormir e amanhã vou explicar tudo novamente. Eu vou falar com o Pedro lá na comunidade mesmo. Implorar para ele não contar nada pra ninguém. Muito menos pra Viviane ou pra Sofia. Aquelas duas devem ter contato com o maldito e sabe como é né. Vai que elas acabam abrindo a boca por acaso e contando que voltei com uma criança?

Fui até a cozinha buscar algo para nós duas bebermos. Peguei a jarra de suco e enchi dois copos, peguei alguns petiscos e voltei para a sala. Fernanda conversava com alguém no celular e eu liguei a televisão, coloquei no episódio da série que estava assistindo esperando a minha amiga terminar de digitar. Sabia que era bobagem da minha cabeça, por mentir. Não sentia vergonha de ser mãe solteira, como alguns poderiam achar se descobrissem a minha mentira. O que sentia era medo de ser descoberta e daquele homem me encontrar outra vez. Leonardo não era confiável, mesmo que mostrasse para todos ser um bom homem, de coração. O nosso último encontro foi horrível para mim, não por ter bebido coisa que há meses na época do nosso reencontro eu não fazia. Mas sim pela forma que acabamos transando naquele quarto. Me senti um nada assim como aconteceu no banheiro. Leonardo sempre iria me ver como uma golpista, interesseira que procurava homens apenas para se dar bem. Viviane sim era a mulher que ele amava e me usou como escape por ela não conseguir esquecer o Pedro nem mesmo quando todo mundo achava que ele estava morto.

—Vou aproveitar os dias em Sampa para fechar alguns novos contratos. Juliana me avisou aqui, que inaugurou uma nova boate em Pinheiros. Uma oportunidade perfeita para tentar convencer novas garotas para viajar comigo depois do carnaval.

—Nanda, eu não sei como você consegue convencer essas meninas. Juro que queria entender o motivo de não parar com isso. Sabe que mesmo a Juliana tratando todas bem ainda assim é errado o que vocês duas fazem.

—Amiga não é errado, porque todas sabem bem o que vão fazer por lá. Quem não consegue trabalhar, paga o que deve e volta sem nada. E se quer saber, já disse que você é que se daria muito bem. É o oposto de mim, toda bonitona aí com esse cabelo e esse corpo.

Fernanda quando voltava, tentava me convencer a atender novamente, nem que fosse em festas privadas. Eu por muitas vezes quase cedi, pensando no dinheiro que ganharia em um final de semana. Porém se eu voltasse aos programas, apenas confirmaria o que Leonardo pensava de mim. Mesmo depois de anos, esse homem ainda exercia esse poder sobre a minha vida, me impedindo de fazer coisas que antes era normal na minha vida. E no final existia minha filha. Ela não tinha culpa de ter vindo ao mundo, nem de ter uma mãe como eu, com um passado tão feio e que fez tantas coisas erradas no passado.

—Toma esse suco e presta atenção na série. Melhor a gente mudar de assunto, porque você já sabe a minha resposta.

Volto a minha atenção a cena que passa na televisão. Minha vida era boa do jeito que eu levava, trabalhando na clínica, com uma chefe que foi até compreensiva quando eu contei a situação da minha tia. Até mesmo antecipando as minhas férias. Eu tiraria primeiro uma semana, se conseguisse resolver tudo com tia Maria eu voltava, senão ficaria os 30 dias em São Paulo. A sensação de que tudo mudaria era enorme dentro de mim. Deixaria de pensar bobagens, me concentraria no que eu precisava encerrar com minha tia. Perdoaria ela por tudo que fez comigo desde criança, diria a ela que poderia morrer em paz e eu voltaria a viver minha vida simples sem contato com ninguém do meu passado.

***

Leonardo

O dia da inauguração chegou e não poderia ter amanhecido melhor. Um sábado de sol, meu humor era dos melhores e Larissa havia me confirmado que tudo estava pronto. Pedro esteve em reunião comigo na sexta-feira garantindo que tudo sairia sem problema algum. Meus pais ligaram desejando boa sorte e minha mãe não poderia deixar de falar que era apenas orgulho por tudo que eu conquistava.

Me arrumava em meu quarto, depois de uma refeição leve que Joana e Regina prepararam para mim. Larissa não escondeu que pretendia encerrar o dia ao meu lado, mesmo eu indiretamente falando que queria ficar sozinho. Já não conseguia sentir o mesmo tesão e empolgação do começo. Talvez tenhas sido melhor ser honesto e dizer que seguiríamos como amigos de agora em diante.

Arrumei a gravata, peguei meu relógio e coloquei no pulso, por último vestindo meu terno. Para minha sorte mesmo com sol, o tempo não estava quente e assim eu não passaria calor. Vi a hora e peguei a pasta com o discurso, meu celular e carteira e desci para buscar em meu escritório os documentos que precisava entregar a Larissa.

—Doutor o senhor tá muito bonito com essa roupa — encontro Joana no corredor e agradeço ao elogio da minha funcionária.

—Pra minha sorte o tempo não está quente isso sim — respondo sorrindo para ela.

—Boa sorte e parabéns novamente por tudo que vem fazendo. Certeza que a dona Viviane tá feliz pelo que o senhor continua fazendo pela comunidade.

—Viviane e o Pedro, não esqueça do marido dela Joana.

Minha funcionária por um tempo teve esperanças de que eu retomaria o casamento com Viviane. Depois da gravidez de Ester ela entendeu que essa possibilidade era nula.

—Tudo bem, tudo bem doutor. Dona Viviane e o seu Pedro. Mas olha eu tenho certeza, que o senhor vai encontrar uma mulher para se casar logo. Solteiro e bonito como o senhor, não tem como ficar sozinho tanto tempo assim. Só espero que a dona Soraia aceite a nossa primeira-dama que eu acredito que logo vai aparecer.

—Eu penso que essa primeira-dama vai esperar um pouquinho para aparecer. Agora preciso ir até o escritório que sabe que detesto atraso.

Me despeço dela, seguindo até o meu escritório. Pego os documentos que preciso e vou até a saída. Os carros com os seguranças me aguardavam. Desejo, boa tarde, a todos, entro no carro e meu motorista dirige para a comunidade Estrela Guia. Hoje à tarde seria, mas do que especial. Era como se eu voltasse no tempo, como a primeira vez que estive ali para assumir a clínica como diretor. Voltando agora como governador era um sonho se realizando. Apesar da parte ruim que conheci na política, as coisas boas se sobressaíram em minha carreira. Isso é o que levaria para minha vida como político. Sempre fazendo o bem sem me importar com classe social.

Fábio no caminho foi me contando sobre a filha na faculdade. A jovem era uma das contempladas pelo sistema de bolsa que o governo deu para estudantes com um bom desempenho no ensino médio em escola pública. A garota começaria a faculdade de medicina e claro que disse que daria o suporte que fosse preciso para que ela se desse bem nos estudos.

Logo o carro adentrou pelas ruas de Estrela Guia. A escola foi construída num terreno baldio na rua detrás da clínica. O carro estacionou e deixei as pastas no banco. Pediria para Fábio trazer quando eu fosse discursar depois da fita cortada. Saí do carro, arrumando meu terno, sendo cercado pelos seguranças que me pediram para aguardar antes que eu pudesse caminhar até onde estavam os outros. Ao me virar para conversar com Diego o chefe da segurança, sinto algo se chocando nas minhas pernas e ao baixar meu rosto me deparo com uma garotinha que pelo que percebi veio correndo e acabou esbarrando em mim, conseguindo driblar os seguranças.

Para minha surpresa a garotinha se desculpou, dizendo que estava apenas brincando com a mãe de esconde-esconde.

—Moço me perdoa, eu vim correndo e acabei esbarrando no senhor — ela sorrir com seu rostinho de anjo e olhos que lembravam uma pessoa que há anos eu não via.

—Tudo bem mocinha, mas cadê seus pais? Pergunto fazendo sinal para os homens permaneceram no mesmo lugar.

—Minha tia e minha mãe se perderam de mim. Agora não sei como encontrar as duas.

Antes que eu possa responder, ouço uma voz de mulher gritando por um nome e ao levantar meu rosto eu não acredito que depois de tantos anos ela estava cara a cara comigo.

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