Capítulo 3

Jessica

—Mamãe, a tia Nanda chega de viagem quando?

Valentina me ajudava a guardar a louça. Minha filha estava agora com 6 anos. Esperta, inteligente e atenta a tudo ao seu redor. Continuava morando no mesmo bairro de quando fiquei grávida, depois de anos vivendo no Rio de Janeiro eu já havia me acostumado a cidade Maravilhosa. Nanda me deixou responsável pela casa, me cobrando apenas as despesas de água e luz. Minha amiga trilhava o caminho que eu não pude, por conta da minha gravidez inesperada. E agora dois anos depois, penso que Valentina foi o milagre em minha vida. Que o destino a colocou, para que eu mudasse de verdade. Vivendo uma vida normal, criando minha filha sozinha, longe de tudo que lembrava o meu passado sujo. Ainda trabalhava na mesma clínica de estética, porém eu era formada, depois de ter concluído o curso através da bolsa de estudos em uma faculdade particular. Fernanda foi quem me incentivou a seguir com essa profissão, mesmo me dizendo que eu ganharia muito mais continuando os programas no Rio de Janeiro, já que por conta da minha filha era inviável me mudar para a Europa como minha amiga fez. 

Fernanda trabalhava em parceria com Juliana a dona da agência de modelos, que recrutava as garotas para as festas com políticos e agora agenciava mulheres para o exterior. Era contra esse trabalho, contudo Fernanda dizia que o que faturava enganando garotas, ela nunca conseguiria nem se trabalhasse por 20 anos. Eu não concordava, mesmo com tudo que fiz quando nova. Depois do nascimento da minha filha, minha mente e visão de vida havia mudado.

—Sua tia, fica apenas para as festas de final de ano, mocinha. Depois ela volta para a Europa como já havia te explicado.

Com a louça toda guardada, de mãos dadas com minha filha vamos assistir à novela infantil, antes que ela pegue no sono. Me preparava para a formatura que aconteceria no próximo mês. O ano se aproximava do fim e desejava apenas coisas boas. Valentina iria para a primeira série. Sabia ler e escrever como uma menina de 10 anos. A inteligência que minha menina tinha, surpreendeu até as professoras quando a matriculei na creche perto do nosso bairro. Agora ela estudava no período da tarde, já que a minha chefe por entender que era sozinha, decidiu me colocar para trabalhar apenas meio- período. Nos dias em que eu precisava chegar tarde, a filha da vizinha buscava Valentina na escola e cuidava dela em sua casa. 

—Mãe, a senhora sabia que na escola, os pais vão poder participar da dança com os filhos — ao ouvir o que minha filha contava, tentei disfarçar a mágoa na voz sempre que o assunto: pai surgia em nossas conversas. Para Valentina o pai estava morto. Quem perguntava eu mentia que ele era um bandido que morreu em uma invasão na favela que Fernanda morava. Quando fui registrá-la, tive que convencer o funcionário do cartório, implorando que ela tivesse pai desconhecido na certidão. A paternidade era um segredo que apenas Fernanda e eu sabíamos. Minha amiga insistia sempre no mesmo assunto, de que eu não deveria privar minha filha do luxo e riqueza que a família do pai possuía. Porém revelar a verdade, seria mexer nas feridas que já estavam curadas em meu coração. Ele agora não era apenas um médico cheio do dinheiro, agora exercia um cargo de poder e vivia a vida muito bem. Ao menos era isso que toda a imprensa mostrava. Sempre com a mãe cobra do lado, ou sozinho nos eventos que mostrava na televisão. Por muitas vezes me peguei pensando, se ele ainda amava Viviane mesmo depois de tantos anos. Pelo pouco que sabia, Pedro e Viviane viviam felizes em Estrela Guia. Com os dois filhos. Fernanda é quem descobria tudo por mim. Até a doença que minha tia teve, que não conseguir ter pena devido ao que houve entre nós duas. 

—Eu estarei ao seu lado no dia da sua formatura, meu amor — beijo o topo da cabeça dela, tentando não chorar. 

—Queria que meu pai fosse vivo para dançar comigo. Minha amiga disse que ela tem um novo pai, que a mãe se casou novamente. Só a senhora que não casa.

—Sua mãe não quer casar e eu já disse que esse tipo de conversa não é para a senhorita — Aponto para a televisão, mostrando a cena da novela. Assistimos tudo, até que deu a hora de colocar Valentina na cama. Fizemos o nosso ritual de todos os dias, depois de escovar os dentes, ela vestiu seu pijama e fui me deitar ao seu lado até que ela pegasse no sono. Com cuidado eu saí do quarto dela, indo para a cozinha preparar chocolate quente para tentar dormir depois. Vi a hora no relógio da cozinha, quase onze horas da noite. Peguei a minha caneca voltando para a sala, ligando a televisão num canal qualquer. Meu celular se encontrava em cima do sofá. Percebo o aparelho vibrando com uma chamada de São Paulo. Evitava ao máximo atender qualquer ligação, porém Fernanda me avisou que esperava uma resposta de uma garota que ela conheceu quando esteve em Santos. Atendi com um “alô” um pouco mal-educado. 

Ao ouvir a voz masculina do outro lado da linha, de primeira não reconheci. Somente depois de ouvir meu nome é que identifiquei o homem misterioso.

—Jéssica, não desliga que sei que é você — o homem fala e engulo em seco. Se ele sabia meu número, com certeza sabia onde eu morava e era questão de tempo aparecer na minha porta.

—Como você descobriu meu número? Pergunto, já que por tantos anos eu consegui me esconder sem que ninguém soubesse.

—Um passarinho acabou abrindo a boca e não foi difícil somar dois mais dois e chegar até você. Agora eu preciso que me escute, mesmo que não queira.

—Não tenho nada para falar, escutar ou alguém aí nessa cidade para me preocupar — respondo me preparando para desligar a chamada.

—Eu não sei como as coisas entre você e Maria chegaram a esse ponto. O que você precisa saber é que sua tia está morrendo. Eu sei que você tem consciência do estado de saúde dela e mesmo assim em todos esses anos nunca a procurou. O que precisa entender agora é que Maria não tem muito tempo de vida, já que a doença se alastrou para outras partes do corpo. 

Ouço a situação em que titia vivia, sem acreditar que a mulher que antes se gabava tanto, hoje em dia estava morrendo para o câncer por não ter se tratado quando preciso. 

—Pedro, na boa eu não posso fazer nada para ajudar minha tia. Ela escolheu esse caminho, eu sigo o meu aqui no Rio de Janeiro e de verdade não pretendo retornar.

Afirmo, tentando encerrar a ligação antes que eu me arrependesse até que Pedro diz algo que mudaria toda a minha vida.

—Maria já imaginava isso, porém ela precisa te pedir perdão por algo que te fez no passado. Saiba que faço isso pela minha esposa e Sofia. As duas insistiram para que eu te encontrasse e trouxesse de volta. Quem sabe assim Maria possa morrer tranquila, depois que você a perdoar.

Ao ouvir a última frase, meu coração se compadece e mesmo a contragosto, acabo concordando. Antes aviso que não poderia viajar agora, que ainda precisava resolver algumas coisas antes de voltar. Existia Valentina, não queria que soubessem da minha filha, muito menos que aquelas pessoas me olhassem com pena, por retornar anos depois com uma bastarda nos braços.

—Se você se refere a sua filha, não precisa esconder a criança. Eu sei que você teve uma filha de um traficante ou assim é o que você fala. Então se a menina é o problema, saiba que sei sobre toda sua vida no Rio de Janeiro. Entendo que a menina está estudando ainda, por isso vou esperar que você resolva tudo e assim pode me ligar para que eu te envie as passagens e você retorna para São Paulo.

Pedro encerra a ligação, pedindo que eu salve o contato dele na agenda, que ligue se precisar de algo e fico perdida sentada ali naquela sala sem saber o que fazer. Eu fui encontrada, Pedro e provavelmente Viviane sabia da minha filha. Como voltaria para São Paulo, mesmo que fosse por alguns dias?

—Pensa Jéssica! Pensa como vai fazer para retornar sem que o seu passado te assombre outra vez.

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