A casa estava em silêncio. Luna sentia o coração disparado como se estivesse prestes a cometer um crime. A fantasia de coelha, guardada no fundo do armário desde os tempos em que as festas pareciam um sonho distante, agora era sua única armadura.
Ela a vestiu com mãos trêmulas. A meia arrastão subiu devagar por suas pernas pálidas. O body preto moldava suas curvas com precisão e as orelhas de pelúcia no topo da cabeça conferiam um ar de doçura dissonante com a tensão que preenchia o quarto. A câmera foi posicionada de modo que seu rosto permanecesse oculto pelas sombras e pelos efeitos suaves do aplicativo. O corpo, no entanto, era protagonista. A pele alva, o quadril marcado, os gestos tímidos a princípio. Mas com o passar dos minutos, algo nela começou a mudar. A transmissão começou. As notificações de espectadores apareciam como pequenas batidas no coração. Ela passou a mão pelos próprios braços, depois pelo pescoço, descendo lentamente até os seios cobertos apenas por renda. Seus dedos exploravam a pele com movimentos suaves, sensuais, e aos poucos, Luna deixava de representar — começava a se descobrir. O toque era seu e ao mesmo tempo, de todos que a assistiam. Ela se tocava com um erotismo contido, teatral e íntimo. Os dedos percorriam a parte interna das coxas, subindo, roçando, provocando. O coelhinho da Páscoa daquele ano não trazia chocolates. Trazia desejo cru, transmitido em tempo real para uma audiência silenciosa. Do outro lado da cidade, enquanto isso… Sophia fechava seu punho sobre a mesa de vidro. Os relatórios da investigação tinham um nome. Uma das assistentes de marketing, jovem e ambiciosa, havia repassado informações a um concorrente em troca de promessas vagas de crescimento. Chamou-a à sua sala no fim do expediente. A garota tentou negar, depois chorou, depois confessou. Sophia a observava com olhos duros, inabaláveis. — Você não tem ideia do que perdeu hoje. E ainda nem sabe o que podia ter conquistado. — Por favor… Eu só queria uma chance melhor… — Você teve uma. E jogou fora. Está demitida. A sala permaneceu em silêncio até a porta se fechar. Às dez da noite, Sophia entrou em seu apartamento minimalista. Jogou o salto no canto, serviu-se de uma taça de vinho e ligou a televisão apenas por hábito. Mas seu interesse estava em outro lugar. Pegou o celular. Abriu o aplicativo. Ela apareceu na tela. A mesma mulher das fotos. Só que agora em movimento. Usava uma fantasia de coelha, mas não era um fetiche barato. Era arte. Era dor transformada em desejo. Os movimentos da jovem eram lentos, íntimos, cravados de algo que Sophia não sabia nomear: vulnerabilidade? Tesão? Vontade de existir? Sentiu um arrepio. Bebeu mais um gole. E continuou assistindo. Sem saber… que por trás daquela máscara, estava uma alma ainda mais ferida do que a sua. A imagem tremulava em sua tela. O corpo da jovem se movia com uma suavidade hipnótica, como se estivesse dançando para si mesma — e, ao mesmo tempo, para todos. As mãos deslizavam por cada centímetro da pele como se buscassem consolo ou redenção. A iluminação tênue criava sombras sensuais, delineando o corpo em contraste, enquanto orelhas de coelha balançavam levemente a cada movimento mais intenso. Sophia estava sentada em seu sofá de linho branco, a taça de vinho esquecida sobre a mesa. Sentia o calor subir por seu corpo, um arrepio percorrendo-lhe a nuca, descendo pela espinha. Não era apenas desejo carnal. Era o mistério. O fato de não saber quem ela era. A ausência do rosto tornava tudo mais perigoso, mais tentador. Era como observar um segredo sendo desnudado lentamente — só para ela. A jovem na tela agora estava ajoelhada, apoiada em uma almofada decorativa, de costas para a câmera. As mãos seguravam os quadris com firmeza e os movimentos de vaivém simulavam uma entrega que fazia o ar parecer mais denso. O som era quase silencioso, mas Sophia conseguia ouvir a respiração entrecortada da performer. Os dedos da garota deslizaram entre as pernas, encontrando prazer em si mesma com uma naturalidade cruel. Ela se tocava como quem se conhecia por dentro e por fora, e isso a deixava ainda mais irresistível. Sophia, sem perceber, levou a mão à própria coxa. O toque foi leve no início, quase tímido — algo raro nela. Fechou os olhos por um instante, respirando fundo, e deixou que seus dedos subissem por dentro do robe de cetim. Sua pele estava quente, os lábios entreabertos, o desejo crescendo sem resistência. A tela brilhava na sua frente, como um altar profano. E do outro lado, a mulher-coelha seguia sua dança silenciosa de prazer, sem saber o que provocava. Então, impulsivamente, Sophia abriu o sistema de doações do aplicativo. Digitou um valor generoso — mais do que normalmente oferecia, mais do que a lógica sugeria. Mas era mais do que dinheiro. Era um bilhete. Uma pergunta não dita. Um gesto íntimo escondido sob o anonimato. “Quem é você?” A mensagem seguiu junto com a doação. Sophia segurava o celular como se esperasse uma resposta imediata, o corpo ainda em brasa, a respiração irregular. Na tela, a jovem parou por um segundo. Leu a mensagem. E sorriu. Não respondeu com palavras. Mas inclinou-se para mais perto da câmera. Lambeu lentamente os lábios e, com o dedo indicador, escreveu algo invisível no ar. Um traço sutil entre provocação e desafio. Sophia mordeu o lábio inferior, quase gemendo de frustração. Aquilo estava se transformando em uma obsessão. Uma mulher escondida por trás de uma máscara, que a excitava como ninguém. Alguém que parecia tocar exatamente onde Sophia desejava — mesmo sem saber seu nome. Ou… talvez soubesse mais do que deixava transparecer. Sophia desligou a live com esforço, o corpo ainda vibrando. E pela primeira vez em muito tempo, sentiu que estava perdendo o controle.Luna permaneceu imóvel por longos segundos depois que a live foi encerrada. A respiração ofegante ainda martelava contra o silêncio do quarto. As mãos, agora paradas sobre os próprios joelhos, tremiam levemente — não de medo, mas de uma excitação nova, diferente de tudo o que já sentira. Um tipo de poder pulsando sob a pele. Ela nunca imaginara que o toque sobre si mesma, transmitido por uma câmera barata e embalado por uma fantasia de coelha, pudesse provocar tamanha reação — não só em quem a assistia, mas nela própria. O corpo ainda vibrava com os ecos do prazer, mas era a mente que parecia em combustão. Ela se levantou devagar, tirando a meia arrastão como quem desfaz um feitiço. A roupa colava à pele úmida, e quando passou o tecido frio de um lenço umedecido entre as pernas, estremeceu de novo, lembrando-se do momento exato em que percebeu… havia alguém do outro lado que realmente a via. A notificação tinha surgido entre centenas. Um valor alto, acompanhado de uma frase simples
A manhã nasceu abafada, típica de um fim de primavera que se arrasta preguiçosamente até o verão. Luna saiu de casa com os cabelos presos num coque frouxo e uma mochila surrada pendendo de um ombro. O uniforme escolar — amassado, ajustado com pequenos remendos — parecia um lembrete silencioso de todas as vezes que ela precisou se virar sozinha. Era seu último dia de aula. Um peso e um alívio. Ela caminhava pela calçada tentando manter o olhar baixo. O som das risadas de um grupo ao longe já bastava para fazer seu estômago se contrair. As valentonas — sempre em grupo, sempre maquiadas como se estivessem indo a um desfile — ainda estavam por ali. Luna evitou o corredor central e seguiu pelos fundos do prédio, atravessando a quadra de cimento rachado. Por fora, ninguém dizia nada. Por dentro, ela contava os segundos. Luna sabia que deveria estar empolgada. O mundo se abria em possibilidades, mas, pela primeira vez em muito tempo, ela sentia-se perdida. A faculdade parecia um horizon
Fazia três dias desde a última live. Luna ainda sentia a eletricidade daquela noite correr por sua pele, como se cada centímetro de seu corpo tivesse memorizado os olhares invisíveis que a observavam pela câmera. Mas depois daquilo, ela precisou de silêncio — um respiro. O jantar completo foi como um rito de passagem. Assou o frango com carinho, saboreou cada garfada como se fosse um banquete, brindou consigo mesma com o vinho barato. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se adulta. Sentiu-se viva. Mas agora, o vazio digital começava a doer. Seu perfil estava lotado de mensagens, curtidas e uma chuva de novas inscrições. Entre todas, um nome brilhava com frequência: LadyInSilk. Não mandava palavras, só reações, doações generosas, curtidas rápidas. Silêncio carregado de expectativa. E algo mais. Algo que Luna começava a reconhecer… desejo de posse. Na manhã do terceiro dia, acordou decidida. Entrou num site de bolsas estudantis e, após muita pesquisa e uma madrugada insone, fez
A respiração de Sophia pesava. Os olhos não piscavam. O corpo, agora espraiado pelo sofá, era só calor, arrepio e impulso. O som da live enchia o ambiente com sussurros e gemidos cristalinos — cada um penetrando fundo, tocando lugares que ela mantinha trancados sob a couraça de sua vida corporativa. As luzes do apartamento estavam baixas, o gelo do gin derretia devagar. Sophia afastou a saia do vestido, deixou a bebida sobre a mesinha de centro e escorregou os dedos por debaixo da calcinha preta de seda. Sentiu a pele úmida, quente, receptiva. Na tela, Luna ofegava, os lábios entreabertos, o dildo ainda pulsando entre as pernas, agora mais devagar, como se saboreasse a própria rendição. A câmera tremia um pouco — talvez pelas mãos instáveis da garota, talvez pela intensidade do momento. — Gostaram de me ver assim, hein…? — Luna sorriu, meio sem fôlego. — Nunca tinha sentido isso antes… foi diferente. Sophia mordeu o lábio. Estava prestes a atravessar aquela linha tênue entre espe
O sol da manhã cortava as nuvens como uma lâmina dourada, e o ar fresco carregava uma promessa que Luna quase não soube nomear: liberdade.Vestia jeans escuro, tênis branco limpo e uma camiseta simples com estampa retrô. Cabelos soltos, leves, com aroma de lavanda. Sua mochila — velha, mas firme — balançava no ombro a cada passo, carregando um caderno novo, uma caneta favorita e o coração, meio aflito, meio esperançoso.Era o primeiro dia na faculdade.A Faculdade de Tecnologia parecia um mundo à parte. Os corredores eram amplos, luminosos, com estudantes de todos os tipos — uns sérios demais, outros descolados, outros invisíveis como ela fora por tanto tempo. Mas ali… ninguém a encarava com desprezo. Ninguém a empurrava ou sussurrava ofensas ao seu passar.Ela respirou fundo.No pátio, sentou-se num banco de concreto e fingiu checar o celular, enquanto observava tudo ao redor. Foi quando uma garota de cabelo curto, moletom largo e óculos grandes parou ao lado dela com um sorriso aber
A semana passou como um feitiço silencioso, envolta em rotina nova, pequenos rituais de descoberta e uma brisa de liberdade que Luna jamais experimentara. As manhãs começavam com café preto, pão tostado e um sorriso discreto. Ela acordava cedo, penteava os cabelos com cuidado, prendia os fios com uma tiara de tecido lilás e escolhia suas roupas com uma atenção quase reverente. Saias jeans, camisetas com estampa de animes, um moletom oversized que comprara no centro com o troco da última live. Com o dinheiro que juntara, pagou as contas atrasadas da casa, comprou uma mochila nova de couro sintético azul-marinho, um par de tênis confortáveis e decorou seu quarto com pequenas luzes de LED e uma cortina lilás que ondulava suavemente na janela. Mandou trançar seus cabelos numa trança embutida com mechas coloridas discretas — um toque de identidade que finalmente ousava assumir. A faculdade já não era um mistério. Agora, era território conhecido. Andava com Julia, Davi e Paula pelos corr
A segunda-feira chegou com céu limpo, brisa morna e o cheiro da cantina já invadindo o pátio da Faculdade de Tecnologia. Luna sentia-se viva. Não apenas respirando — mas existindo com propósito.Os livros, o notebook, o café com Julia antes das aulas, o grupinho de WhatsApp onde compartilhavam memes de programação, piadas internas e prints de bugs absurdos — tudo fazia parte de uma rotina que finalmente não machucava.Na aula de Lógica de Programação, sentaram-se juntos na terceira fileira.— Se esse professor repetir “variável global” mais uma vez, eu juro que vou colocar esse conceito no meu testamento — disse Paula, revirando os olhos.— Tá com sono? — provocou Davi. — Se quiser eu te empresto meu ombro. Só não garanto que não ronco.Julia riu.— Ronco com gemido, né? Eu vi aquele vídeo teu de karaokê na semana passada…— Aquele era estilo, meu bem. Não sabe reconhecer um artista.Luna ria junto. Cada risada era como se arrancasse dela uma camada antiga de dor, revelando uma nova p
A luz roxa invadia o quarto, filtrada pelas cortinas novas. No espelho, Luna se observava em silêncio, tentando ajustar a peruca azul clara trançada nas laterais, caindo pelos ombros. Vestia um short curto rasgado, o top justo que mal cobria os seios e luvas sem dedos com o mesmo tom metálico da personagem. Jinx. A garota imprevisível, insana, perigosa. Um contraste exato com quem Luna realmente era. Mas ali, naquela sala transformada em palco íntimo, Luna não era mais a caloura tímida da faculdade. Era uma força livre, devassa, e — naquela noite — jogaria seu próprio jogo. Ela ajeitou o vibrador no canto da cama, os lubrificantes, o controle e seus brinquedos coloridos de silicone em uma bandeja. Um deles era novo — um modelo com sensores de intensidade e jatos automáticos que prometia mais do que prazer. Prometia espetáculo. Na tela de pré-live, já havia dezenas aguardando. Corações subindo. Nomes conhecidos. E aquele nome… sempre lá. Disfarçado sob um pseudônimo, mas que ela já