O sol da manhã brilhava alto, atravessando o céu limpo enquanto Luna descia do ônibus, o coração pulsando em empolgação. Na mochila nova — roxa com detalhes em preto — ela levava apenas o essencial: estojo, caderno de anotações, celular com a tela quebrada e o brilho de quem, pela primeira vez, sentia-se parte de algo. O campus da faculdade de tecnologia fervilhava de vozes, de movimento, de juventude vibrante. Grupos se formavam no pátio principal. Cartazes coloridos anunciavam o evento do dia: uma das maiores empresas do país faria uma palestra ali, apresentando ideias inovadoras e abrindo possibilidades de estágios e contratação. — Luna! — gritou Isadora, sua amiga de turma, loira cacheada, sempre sorridente. — Achei que você ia se atrasar de novo! — Hoje eu tomei banho com o cronômetro — respondeu Luna, rindo. Ao lado de Isadora, estavam Bruno e Kelvin, dois estudantes de programação que rapidamente se tornaram parte do seu círculo. Luna sentia-se confortável entre eles — ouv
As paredes do campus ainda pulsavam com a energia da palestra da Sophia Montenegro. Desde o fim da apresentação, grupos de alunos circulavam pelos corredores debatendo ideias, rabiscando conceitos nos cadernos, com olhos brilhantes e vozes agitadas. Um concurso real. Uma chance de serem notados. Luna andava pelo pátio central, ainda com o caderno apertado contra o peito. As palavras de Sophia ecoavam na mente como um feitiço: “Coragem. Gente como vocês.” Ela sentia que algo tinha mudado dentro dela. Aquela sensação de exclusão que carregara durante todo o ensino médio parecia estar se dissolvendo. Pela primeira vez, ela fazia parte de algo que poderia crescer, florescer, virar futuro. — Luna! — chamou Isadora, correndo em sua direção. — Já temos grupo! — Já? — Sim! Você, eu, Bruno, Kelvin e a Letícia, lembra dela? A menina do curso de design. Ela manja muito de prototipagem visual. — Nossa… isso é sério mesmo — disse Luna, meio surpresa. — Claro que é! Você viu a Sophia lá na
A tela do celular piscou com a notificação: “Você venceu o topo da live. Prepare-se para a chamada exclusiva.” Sophia sentiu o estômago revirar — não de medo, mas de uma excitação pura, quase feroz. Sentada na beira da cama, com o roupão de seda aberto até a cintura, ela respirou fundo. A taça de gin estava ao lado da tela, e a luz suave da luminária transformava seu quarto em um santuário do desejo. Ela não sabia o nome da garota. Não conhecia sua voz real, nem seus olhos por completo. Mas, naquela noite, ela teria um momento só para si. Um toque. Um rosto. Um suspiro. • Luna ajeitou os cabelos em frente à câmera, tremendo discretamente. Ela havia feito diversas lives desde que entrou na plataforma, mas aquela seria diferente. Íntima. Direta. Uma vídeo chamada privada com quem mais doou. Uma recompensa prometida — e agora, inevitável. Vestia uma versão luxuosa da fantasia de Jinx, do League of Legends, com cabelos tingidos de azul em longas tranças artificiais. Meias arr
Sophia acordou com o corpo ainda febril, como se a madrugada anterior tivesse deixado traços em sua pele. Ela levou os dedos até os lábios, lembrando do gosto do próprio prazer, e os olhos demoraram segundos a mais na tela do celular. Nenhuma nova notificação. Nenhuma nova mensagem daquela que a fizera perder o controle. “Qual é o nome dela?” Era uma pergunta simples. Mas carregada de tempestades. Levantou-se lentamente, ignorando o café da manhã. A cabeça girava entre o desejo bruto e a sombra do mistério. Havia algo naquela garota… algo além da carne e da performance. Um tipo de dor. De vazio disfarçado. Uma familiaridade que fazia o coração de Sophia bater fora do compasso. “Eu preciso saber quem ela é.” No trabalho, o mundo parecia embaçado. As reuniões soavam distantes, como se os números e gráficos não tivessem mais peso. Jacqueline notou a expressão perdida da chefe e, pela primeira vez, hesitou em interromper: — Sophia… está tudo bem? — Claro. Apenas pensando —
A tarde se escoava lentamente entre as sombras elegantes da sede da Stuart & Co., e a última imagem que ficou em Sophia, mesmo depois da despedida formal, foi a de Luna segurando seu caderno de anotações com as unhas pintadas de azul. A mesma cor da luz neon que banhava a pele da sua musa anônima nas lives. A coincidência martelava na cabeça de Sophia como um tambor tribal, primitivo, lascivo. Ela voltou à sua sala com passos controlados, porém rápidos, como se fugir dos próprios pensamentos fosse uma opção. Sentou-se na cadeira giratória de couro, girou levemente para encarar a paisagem urbana pela parede de vidro, mas sua mente já não estava ali. “Luna Ferreira.” Repetiu o nome, em voz baixa. Soava comum demais para ser a mesma mulher das fantasias. Mas… e o olhar? E a presença? E a leve tremedeira que ela teve quando viu Sophia? — Jacqueline — chamou de repente. — Sim, senhora? — Quero os arquivos de todos os alunos que apresentaram hoje. Dados de inscrição, currículos, e per
A semana começou como um vendaval. A apresentação final havia terminado, e os nomes dos vencedores já circulavam nos corredores da faculdade com o mesmo fervor de boatos perigosos. Luna e sua equipe foram anunciados como a proposta mais promissora — com direito a um estágio remunerado dentro da Stuart & Co. O momento em que Jacqueline ligou para ela foi breve, formal, mas mudou tudo: — Luna Ferreira? Aqui é da Stuart & Co. Estamos muito felizes em dizer que você foi selecionada. Poderia vir até a sede amanhã para preencher os papéis e conhecer o time? Luna demorou segundos preciosos para responder. Sua garganta estava seca, e sua mente rodava. — Claro… claro que posso. Obrigada. Obrigada mesmo. Desligou, e ficou encarando a tela escura do celular por um tempo, com um sorriso tímido no canto dos lábios. Era real. Estava acontecendo. — No outro extremo da cidade, Sophia apertava a caneta com força, encarando o vazio da sala de reuniões. Ela ainda não havia escolhido pessoalmente
As manhãs de Luna agora tinham outro ritmo. Ela acordava cedo, preparava um café simples — pão com manteiga e café preto forte —, e vestia as roupas novas que havia comprado no fim de semana com sua amiga Isadora. A rotina que antes era sufocante agora tinha pequenas luzes: o primeiro estágio, a faculdade de tecnologia, os almoços improvisados no pátio e, claro, as lives noturnas que a mantinham financeiramente estável. Naquela sexta-feira, ela se encontrou com Isadora logo após a aula. — Amiga, você precisa de mais do que duas blusas e uma calça pra trabalhar numa empresa como a Stuart — brincou Isadora, puxando-a pelo braço em direção ao shopping. — Eu nem ia acreditar que ia conseguir… ainda me sinto como se estivesse sonhando. — Acorda pra realidade então. Vai ser a gostosa mais bem vestida do setor de desenvolvimento criativo, isso sim. As duas riram. Luna provava peças no provador com Isadora do lado de fora opinando alto: — Essa te deixa com cara de CEO! — Agora essa… no
Sophia despertou naquela manhã com o peso das decisões martelando em sua mente. A mesa em seu escritório minimalista exibia apenas uma pilha de relatórios do programa Nova Geração e um tablet com os perfis dos candidatos à liderança do projeto. Ela passou as mãos pelos cabelos, ainda bagunçados pelo sono agitado. Era a hora de escolher quem guiaria a próxima fase da incubadora jovem — a chance de ouro de encontrar uma “cara nova” capaz de traduzir o ímpeto inovador que ela buscava. Chegou cedo ao trabalho. O prédio reluzia refletindo as primeiras luzes do dia, mas Sophia não se distraiu com o movimento externo. Convidou Jacqueline para seu salão de reuniões particular, com uma jarra de água e copos de vidro. — Jacqueline — começou, abrindo os arquivos digitais —, preciso de um parecer: quem, na nossa equipe de estagiários, se destacou mais na apresentação do Redoma? Quem tem coragem pra assumir um projeto de grande visibilidade? Jacqueline, impecável como sempre, tocou na tela do t