O sol matinal atravessava as persianas do décimo andar, desenhando faixas claras sobre a grande mesa de reunião onde Luna montara seu cenário de apresentação. Os notebooks estavam alinhados, os protótipos do Redoma em exibição, amostras de interface desenhadas em papel e um gravador pronto para captar sugestões. O ar suave de condicionador de ar mantinha a sala na temperatura ideal — mas, para Luna, o coração batia rápido de excitação e apreensão. Às 9h00 em ponto, Sophia entrou, com Jacqueline logo atrás, trazendo café e água mineral. Usava um tailleur verde-escuro que acentuava a silhueta e um colar discreto de prata. Seus olhos encontraram os de Luna antes de descerem até os papéis sobre a mesa: não havia formalidade — apenas um reconhecimento contido. — Bom dia, pessoal — disse Sophia, na voz firme de sempre, mas com um tom mais suave do que nos primeiros dias de estagiária. — Hoje vamos testar, juntos, a primeira versão do Redoma. Quero ouvir tudo: críticas, elogios, bugs e id
A noite caíra leve sobre o apartamento de Luna. Ela fechou os livros de TI, deixou o computador em modo de hibernação e trocou seu uniforme discreto por algo completamente diferente. No espelho, ajustou as longas mechas turquesa da peruca de Hatsune Miku, encaixou as presilhas de alho‑poro (recriadas em silicone macio para combinar com o vibrador temático) e calçou uma saia xadrez curta, meias até a coxa e um top metálico que colava como segunda pele. Em cima da cama, alinhou cuidadosamente seus brinquedos: o vibrador “Allium” (formato de alho‑poro), lubrificantes coloridos e o controle remoto que sincronizaria cada pulso à generosidade dos doadores. Fechou as cortinas, acendeu as luzes de LED verde‑água e aproximou-se da câmera. — Konbanwa, meus Vocaloids preferidos — murmurou, com voz suave e um leve sotaque japonês encenado. — A Miku está aqui para cantar… mas hoje vai dançar com o desejo. Ela ligou a transmissão. No primeiro segundo, o chat explodiu com emojis de notas musicais
A brisa fresca da manhã acariciava o campus quando Luna atravessou o portão, os passos firmes sobre o concreto ainda úmido de orvalho. A mochila nova — couro sintético e costuras perfeitas — balançava ao ritmo de seu corpo, que pulsava de entusiasmo e nervosismo. Na primeira aula, Estrutura de Dados, ela deslizou até a primeira fileira, cumprimentando Julia com um aceno discreto. — Luna, você viu o erro naquele “for” do exercício? — sussurrou Julia, apontando para o quadro digital. — Sim — respondeu Luna, a voz calma. — Eu refatorei usando while. Mais limpo e evita o laço infinito. Quando Julia executou o código e as luzes verdes se acenderam, os colegas aplaudiram com risadinhas de alívio. Luna sorriu, sentindo o pulso de pertencimento. Ao meio‑dia, ela desceu ao bandejão com Davi e Paula. O burburinho das conversas — projetos de fim de semestre, turnos de estágio — se misturava ao cheiro doce do café. — Depois da aula, te ajudo no debug, Luna? — ofereceu Davi. — Combinado — el
Depois de uma semana desgastante, com noites mal dormidas, metas apertadas e uma sequência de reuniões intensas, Sophia Montenegro, vice-presidente da Stuart & Co., percebeu que a tensão coletiva havia atingido o limite. Na manhã de sexta-feira, ela reuniu a equipe executiva em uma breve conferência no auditório da empresa. — Três dias de folga. — anunciou, com firmeza. — Isso vale para todos, inclusive para mim. Quero vocês respirando, vivendo, se alimentando de tudo que não seja tela e planilha. Na terça, voltamos com sangue novo. Um suspiro coletivo de alívio percorreu a sala. Jacqueline, sua fiel assistente, anotou o comunicado e sorriu ao ver os olhos de Sophia parecerem menos afiados por um instante. Apesar da ordem de descanso, Sophia sabia que não conseguiria desligar completamente. Havia algo — ou alguém — ocupando um espaço constante em sua mente. Já fazia uma semana desde que a streamer misteriosa, sua fixação , desaparecera das telas. Nenhuma notificação, nenhuma imagem
O silêncio do apartamento era quase cruel naquela manhã de sábado. A cidade ainda se espreguiçava sob o céu nublado, e Sophia Montenegro — normalmente já envolta em telefonemas, reuniões ou alguma tarefa urgente — estava deitada no sofá, sem maquiagem, com uma taça de vinho branco meio vazia ao lado. A decisão de dar folga a toda a empresa havia parecido sensata na sexta. Agora, tudo o que ela conseguia sentir era… o peso da inatividade. Não havia lives. Não havia notificações. LadyInSilk permanecia sumida, como se nunca tivesse existido. Sophia abriu o aplicativo pela terceira vez naquela manhã. Nenhuma nova postagem. Nenhuma prévia. Nada. Seus dedos correram pela galeria de vídeos salvos, capturas antigas das lives anteriores. Ali estava ela — a musa mascarada, os cabelos em fantasias coloridas, os olhos escondidos, o corpo se contorcendo em êxtase, a voz rouca e abafada pelos gemidos e vibrações. A respiração de Sophia acelerava sempre que ouvia aquele som, como um chamado sec
O apartamento de Sophia parecia ainda mais vazio ao retorno. As persianas abertas deixavam a luz cinzenta do céu entrar, espalhando tons frios pelo mármore do chão. Ela caminhou até a cozinha, largando as chaves e o celular no balcão, como se não tivessem importância alguma. O eco do salto batendo nos azulejos era a única companhia que restava. Tomou um copo d’água como quem toma veneno. Sentia-se enjoada, vazia, estranha no próprio corpo. Não era a primeira vez que dormia com alguém por impulso, mas era a primeira vez que, mesmo no auge do prazer, não conseguia estar presente. A mulher da noite passada já era apenas um vulto distante, um corpo usado como ponte para alcançar um delírio inalcançável. Sophia largou o copo na pia e caminhou até o quarto. Deitou-se na cama desfeita, ainda vestida. Seus olhos encararam o teto por longos minutos. Uma pergunta ecoava, cravando-se fundo: “Quem é você, LadyInSilk?” Pegou o celular, desbloqueou. Entrou no aplicativo. Nada. Nem live. Nem s
A luz rosa suave preencheu o quarto como névoa encantada. Luna ajeitou o colarinho da fantasia cuidadosamente. O tecido acetinado rosa claro abraçava suas curvas como se tivesse sido costurado em seu corpo. A saia bufante balançava sutilmente a cada movimento de quadril, e as fitas vermelhas do traje se destacavam contra sua pele alva. Um pequeno cajado com ponta em forma de estrela repousava ao seu lado — réplica fiel da icônica varinha de Sakura. No espelho, ela se observou com fascínio. A peruca castanha emoldurava seu rosto com franja delicada, e os olhos — realçados por cílios postiços e lentes de contato em tom âmbar — pareciam brilhar com a mesma inocência misteriosa da personagem. Mas nada em sua performance seria inocente naquela noite. ** Ela se posicionou diante da câmera com um sorriso doce, tímido, quase como se estivesse se apresentando pela primeira vez. A tela estava lotada. Comentários surgiam em cascata. Corações. Emojis. Mensagens explícitas. Gritos silenciosos
Sophia acordou antes do despertador. Mas não foi por causa do compromisso, ou pelo cheiro de café no ar. Foi a lembrança do gemido. A imagem congelada de LadyInSilk, envolta em suor, respiração ofegante e lençóis encharcados. Três esguichos. Três. Cada um deles cravado em sua memória como uma tatuagem invisível. Deitada na cama, o quarto ainda na penumbra da manhã, Sophia rolou para o lado e pegou o celular. Abriu o aplicativo sem hesitar. LadyInSilk havia encerrado a transmissão por volta das três da manhã, e mesmo com o sono escasso, Sophia a assistira até o fim. Havia comentários, doações, elogios… mas nada de nova atividade. Nenhuma postagem. Nenhuma pista. Nada sobre a identidade da streamer que a enlouquecia mais a cada dia. Ela passou os dedos sobre a imagem de perfil, como se pudesse sentir a pele da mulher através da tela. — Quem é você…? — murmurou, com voz rouca e embriagada de desejo. ⸻ Do outro lado da cidade, Luna despertava com o corpo pesado. A live da noite an