O apartamento de Sophia parecia ainda mais vazio ao retorno. As persianas abertas deixavam a luz cinzenta do céu entrar, espalhando tons frios pelo mármore do chão. Ela caminhou até a cozinha, largando as chaves e o celular no balcão, como se não tivessem importância alguma. O eco do salto batendo nos azulejos era a única companhia que restava. Tomou um copo d’água como quem toma veneno. Sentia-se enjoada, vazia, estranha no próprio corpo. Não era a primeira vez que dormia com alguém por impulso, mas era a primeira vez que, mesmo no auge do prazer, não conseguia estar presente. A mulher da noite passada já era apenas um vulto distante, um corpo usado como ponte para alcançar um delírio inalcançável. Sophia largou o copo na pia e caminhou até o quarto. Deitou-se na cama desfeita, ainda vestida. Seus olhos encararam o teto por longos minutos. Uma pergunta ecoava, cravando-se fundo: “Quem é você, LadyInSilk?” Pegou o celular, desbloqueou. Entrou no aplicativo. Nada. Nem live. Nem s
A luz rosa suave preencheu o quarto como névoa encantada. Luna ajeitou o colarinho da fantasia cuidadosamente. O tecido acetinado rosa claro abraçava suas curvas como se tivesse sido costurado em seu corpo. A saia bufante balançava sutilmente a cada movimento de quadril, e as fitas vermelhas do traje se destacavam contra sua pele alva. Um pequeno cajado com ponta em forma de estrela repousava ao seu lado — réplica fiel da icônica varinha de Sakura. No espelho, ela se observou com fascínio. A peruca castanha emoldurava seu rosto com franja delicada, e os olhos — realçados por cílios postiços e lentes de contato em tom âmbar — pareciam brilhar com a mesma inocência misteriosa da personagem. Mas nada em sua performance seria inocente naquela noite. ** Ela se posicionou diante da câmera com um sorriso doce, tímido, quase como se estivesse se apresentando pela primeira vez. A tela estava lotada. Comentários surgiam em cascata. Corações. Emojis. Mensagens explícitas. Gritos silenciosos
Sophia acordou antes do despertador. Mas não foi por causa do compromisso, ou pelo cheiro de café no ar. Foi a lembrança do gemido. A imagem congelada de LadyInSilk, envolta em suor, respiração ofegante e lençóis encharcados. Três esguichos. Três. Cada um deles cravado em sua memória como uma tatuagem invisível. Deitada na cama, o quarto ainda na penumbra da manhã, Sophia rolou para o lado e pegou o celular. Abriu o aplicativo sem hesitar. LadyInSilk havia encerrado a transmissão por volta das três da manhã, e mesmo com o sono escasso, Sophia a assistira até o fim. Havia comentários, doações, elogios… mas nada de nova atividade. Nenhuma postagem. Nenhuma pista. Nada sobre a identidade da streamer que a enlouquecia mais a cada dia. Ela passou os dedos sobre a imagem de perfil, como se pudesse sentir a pele da mulher através da tela. — Quem é você…? — murmurou, com voz rouca e embriagada de desejo. ⸻ Do outro lado da cidade, Luna despertava com o corpo pesado. A live da noite an
Era o segundo dia de folga, e Sophia se encontrava sentada em sua varanda com uma xícara de café fumegante entre as mãos. O sol matinal tocava sua pele com gentileza, mas seus olhos estavam fixos na tela do celular — no perfil da streamer que lhe tirava o fôlego. Fazia sete dias que não havia nenhuma nova live. Sete dias longos, em que a ausência de conteúdo fazia crescer sua ansiedade. E pior: no trabalho, Luna — doce, inteligente, encantadora Luna — também parecia mais distante, absorvida em suas próprias tarefas, ou talvez apenas evitando algo que nem ela compreendia ainda. Sophia, porém, não conseguia ignorar o turbilhão de emoções que crescia dentro dela. Precisava se aproximar de Luna. Mesmo que não soubesse ao certo o que buscava… ou, no fundo, talvez soubesse sim. Mais tarde, naquela mesma manhã, Sophia digitou uma mensagem e hesitou antes de enviar. Apagou. Reescreveu. Por fim, chamou Luna para almoçar com a desculpa de alinharem um novo material do projeto. ⸻ Restaurante
Os três dias de folga haviam passado como um sopro — delicados e intensos, entre cafés, conversas e uma proximidade sutil que começava a florescer. Sophia sentia uma quietude gostosa no peito, uma expectativa leve cada vez que trocava mensagens com Luna. E Luna… bom, ela se pegava sorrindo sozinha ao lembrar da maneira como Sophia a olhava. Como falava seu nome com aquela voz baixa, segura, e ao mesmo tempo cheia de uma doçura que fazia seu coração bater mais forte. Mas a segunda-feira chegou, e com ela o peso das responsabilidades. ⸻ Empresa – Segunda-feira, 8h17 Sophia caminhava pelos corredores com sua pasta de couro em mãos e os cabelos soltos, levemente ondulados, vestindo um blazer de linho cru que contrastava com sua calça preta justa. Ela parecia impecável — como sempre — mas havia uma diferença em seu olhar. Algo mais suave. Mais presente. — Bom dia, Luna — disse ao cruzar com a jovem no elevador. — Bom dia, Sophia. Sophia sorriu ao notar a forma como seu nome escapava
A quinta-feira amanheceu com a brisa morna de um céu acinzentado. Luna acordou antes do despertador. Seus olhos se abriram devagar, mas um sorriso surgia nos lábios antes mesmo de ela se levantar. Havia algo diferente em seu corpo — uma leveza, talvez. O café com Sophia na noite anterior ainda reverberava como um eco agradável em sua memória. A maneira como ela falava, os olhares gentis, os silêncios confortáveis… Tudo fazia o peito de Luna aquecer de um jeito novo. Ela se espreguiçou lentamente e pegou o celular. Uma notificação: “Bom dia. Espero que tenha dormido bem.” Era Sophia. Luna respondeu com um emoji de sol e uma frase singela: “Dormi sim. Você deixou minha noite mais leve.” Ela hesitou por um segundo antes de enviar, mas foi. E quando viu que Sophia visualizou quase instantaneamente e respondeu com: “A sua presença também clareou a minha.” Seu estômago revirou. Era como uma descarga elétrica leve. Um arrepio sem vento. ⸻ Faculdade – 10h00 Na aula de Programação Or
A sexta-feira amanheceu com uma névoa fina sobre os prédios da cidade, e Luna já estava pronta, mochila nas costas e fones nos ouvidos, escutando a playlist instrumental que montara para os dias de prova. O campus estava agitado, cheio de alunos correndo entre os corredores e entregando os últimos trabalhos. Ela cumprimentou Isadora com um aceno, pegou um café na cantina e seguiu para a aula. Seu corpo ainda sentia os ecos da noite anterior — o prazer intenso da live, a excitação que ficava marcada na pele, o suor, a adrenalina… e o olhar fixo no nome de doador que sempre liderava seu ranking: “S_”. Ela nunca soube o nome completo. Mas sempre estivera lá. Silenciosa, constante. Misteriosa. A conta de usuário era simples, sem foto, mas com generosas contribuições em cada live. Luna começava a se perguntar quem era aquela pessoa — e o porquê de estar tão presente. Era como um farol no meio do caos. E então, naquele dia, sem aviso, o nome ganharia rosto. ⸻ No trabalho – Sede da emp
A porta se fechou atrás de Luna com um estalo seco, e o som ecoou pela casa silenciosa. Ela encostou as costas na madeira e deslizou até o chão, a mochila caindo ao lado. Seu corpo ainda vibrava com a energia do almoço — mas não pelo sabor do risoto. Era ela. Sophia. “S_.” A doadora misteriosa. A fã assídua. A mulher que, noite após noite, assistia a cada movimento seu com olhos invisíveis, atenta a cada suspiro, a cada gemido. Luna pensava nela todas as vezes que fazia uma live. Em sua cabeça, S_ sempre fora alguém mais velho, poderoso, com aquele tipo de fascínio proibido. E agora… tinha um rosto. Uma voz. Um cheiro. E era a mesma mulher que a convidara para almoçar. — Meu Deus… — murmurou, de olhos fechados. Levantou-se devagar, jogou a mochila sobre a cama e foi direto para o banheiro. A água quente caiu sobre seu corpo, mas não foi suficiente para lavar o turbilhão que girava dentro dela. Sentia-se exposta, mesmo vestida. Observada, mesmo sozinha. Sophia sabia? Duvidava