A porta se fechou atrás de Luna com um estalo seco, e o som ecoou pela casa silenciosa. Ela encostou as costas na madeira e deslizou até o chão, a mochila caindo ao lado. Seu corpo ainda vibrava com a energia do almoço — mas não pelo sabor do risoto. Era ela. Sophia. “S_.” A doadora misteriosa. A fã assídua. A mulher que, noite após noite, assistia a cada movimento seu com olhos invisíveis, atenta a cada suspiro, a cada gemido. Luna pensava nela todas as vezes que fazia uma live. Em sua cabeça, S_ sempre fora alguém mais velho, poderoso, com aquele tipo de fascínio proibido. E agora… tinha um rosto. Uma voz. Um cheiro. E era a mesma mulher que a convidara para almoçar. — Meu Deus… — murmurou, de olhos fechados. Levantou-se devagar, jogou a mochila sobre a cama e foi direto para o banheiro. A água quente caiu sobre seu corpo, mas não foi suficiente para lavar o turbilhão que girava dentro dela. Sentia-se exposta, mesmo vestida. Observada, mesmo sozinha. Sophia sabia? Duvidava
As manhãs de Luna na faculdade tinham uma nova densidade. Ainda evitava os olhares nos corredores, mas não por medo — era para proteger o segredo que agora pesava em seus ombros como um casaco de veludo. Um segredo com nome, rosto, e uma presença quase constante. Sophia. A doadora top um das lives. “S_”. A mulher que do outro lado da tela fazia seu corpo arder, sua pele pulsar. E agora, ali, ao alcance de um toque, oferecia cafés, sorrisos e elogios. Como se fossem inocentes. Luna sabia. Reconhecera o nome pela primeira vez com um arrepio. Depois, pelas palavras no chat, tão íntimas, tão… dela. E agora, cada vez que Sophia falava com sua voz doce e segura, Luna precisava se agarrar a si mesma para não desabar. ⸻ Sophia, por outro lado, ainda vivia o mistério. Durante as reuniões na empresa, era impecável. Mas nos momentos vazios, voltava à busca: revia trechos das lives, ajustava o volume para ouvir mais de perto os sussurros, os gemidos. Procurava um traço, um timbre — qualque
A luz suave do fim da tarde entrava pelas persianas, pintando o quarto de dourado. Luna, vestida com uma releitura ousada da Branca de Neve — body branco com detalhes azul-escuro, uma saia plissada vermelha absurdamente curta e uma tiara de laço rubro no cabelo — posicionava o celular diante do espelho. Gravou um story, com a voz mais doce que conseguiu: — Prontos pra se perder na floresta comigo? — sorriu, puxando devagar a saia, revelando a liga na coxa. — Mas cuidado… eu posso ser pior que o lobo. Postou. Em segundos, a enxurrada de respostas chegou: “Socorro, a Branca de Neve virou fetiche!” “Rainha do cosplay sexy!” Luna travou os olhos nesse último. A garganta secou. Ela bloqueou a tela. ⸻ Na torre de vidro da empresa, Sophia encarava a planilha aberta no computador como se ela pudesse lhe responder algo sobre si mesma. Os dados estavam todos certos. Os números, no azul. Mas sua mente… …estava longe. Presa na imagem mais recente da sua musa secreta. Aquela fantasia, a
O escritório parecia o mesmo, mas Luna o sentia diferente. Os corredores pareciam mais estreitos. As luzes mais frias. E o ar — denso, carregado com uma eletricidade silenciosa que parecia se intensificar a cada passo que ela dava em direção à sala de reuniões. Sophia estava de costas, organizando uma pilha de documentos sobre a mesa de vidro. — Pontual como sempre — disse, sem virar. A voz atingiu Luna como uma corrente morna. Familiar. Intensa. Intimidante. — Tentei manter o ritmo, mesmo nas férias — respondeu, colocando a mochila ao lado da cadeira. — Mas confesso que não parei de pensar no projeto nem um dia. Sophia finalmente virou-se para encará-la. Usava um vestido preto simples, elegante. O cabelo preso em um coque meio desfeito. E o olhar… o olhar parecia procurá-la por dentro. — Que bom — disse, com um leve sorriso. — Porque a parte mais importante começa agora. ⸻ A reunião durou quase duas horas. Análises de dados, gráficos, novos testes a serem rodados,
O coquetel avançava como uma dança de máscaras. Música ambiente, risos elegantes, brindes contínuos. Mas Luna já passava do limite. Quarto copo. Quinto. Ela já ria alto demais, gesticulava com as mãos, e sua postura, normalmente contida, escorregava para algo desleixado, quase provocador. — Você tá muito mais solta do que nas reuniões — comentou um dos analistas de TI, sorrindo, puxando conversa pela terceira vez naquela noite. — Talvez eu seja uma atriz — disse Luna, rindo. — Ou talvez você só não saiba onde procurar… Dois homens mais velhos se aproximaram, provavelmente de outro departamento. Um deles, loiro, camisa semiaberta demais, se inclinou próximo ao ouvido dela. — Se você fosse minha estagiária, eu não deixava sair assim não. Tá perigosa demais. Luna sorriu, meio sem entender, meio jogando charme. — Ah, é? Que tipo de perigo você acha que eu represento? O outro riu, cúmplice do primeiro. A mão do loiro escorregou perigosamente para a parte inferior das costas de Luna
O quarto amanhecia em silêncio. As primeiras faixas de luz filtravam-se pelas cortinas cinza, riscando a penumbra com tons dourados suaves. Luna se remexeu entre os lençóis macios, o corpo quente, a mente ainda envolta em brumas. Abriu os olhos devagar. Estranhou o teto desconhecido, o cheiro leve de incenso e perfume feminino, o lençol de algodão egípcio acariciando sua pele como seda. Não estava em casa. Nem no sofá de Isadora. Seu vestido ainda estava ali, um pouco amarrotado. Mas os sapatos tinham sumido, e ela não lembrava de ter subido escadas. Sentou-se devagar, o coração martelando no peito. A cabeça doía um pouco — não de ressaca completa, mas como um lembrete gentil de que havia ultrapassado os limites na noite anterior. — Onde eu tô…? Então sentiu. O cheiro. O mesmo perfume de Sophia. A mesma presença. As mãos tremiam ao afastar o lençol. Um bilhete repousava sobre a mesinha de cabeceira, ao lado de um copo d’água e um analgésico. “Você está segura. Descansa. S
O teclado da Luna tilintava em ritmo constante. Ela usava os fones, fingia concentração, mas os olhos vez ou outra se desviavam para a sala envidraçada no fundo do andar. Sophia andava de um lado pro outro, falando ao telefone com alguém da diretoria. O tom era cortês, mas o olhar… o olhar estava longe. Travado. Sempre que passava perto da parede de vidro, seus olhos procuravam, mesmo sem querer, a mesa da estagiária de cabelo preso em um coque bagunçado. Luna sentiu o arrepio quando percebeu o olhar. Não retribuiu de imediato. Esperou mais um pouco. Quase como um jogo. Minutos depois, recebeu uma notificação no chat interno da empresa. Sophia: Preciso revisar contigo os relatórios de uso do app. Agora. Luna mordeu um sorriso e respondeu: Luna: Na sua sala ou no drive? Sophia: Sala. Agora. ** Quando entrou, Sophia estava sentada à mesa, com a postura ereta demais, como se tivesse ensaiado aquilo mil vezes. O notebook aberto, a planilha brilhando em azul e branco na tela. M
O laboratório de desenvolvimento estava silencioso, exceto pelo som dos teclados e do café pingando na máquina. Luna estava sentada com as pernas cruzadas na cadeira giratória, os olhos grudados na tela, concentrada no código do protótipo do app. Isadora falava com Kelvin e Bruno em voz baixa sobre os últimos ajustes. — Tá ficando incrível, Lu — disse Isadora, olhando por cima do ombro dela. — Precisa ficar — respondeu Luna, sem tirar os olhos da tela. — Essa entrega vai definir nosso estágio aqui dentro. Se a Sophia aprovar o MVP na próxima reunião, a gente pode ser efetivado. Ou não. — Uau, falou como uma adulta traumatizada — brincou Isadora, cutucando-a de leve. Luna riu, mas por dentro estava em transe. O rosto colado ao monitor escondia o coração inquieto — ela precisava se afastar um pouco de Sophia. Precisava entregar o app, garantir estabilidade. E manter a outra parte da vida… invisível. Enquanto isso, em outro andar, Sophia estava trancada na própria sala. O monitor d