A segunda-feira chegou com céu limpo, brisa morna e o cheiro da cantina já invadindo o pátio da Faculdade de Tecnologia. Luna sentia-se viva. Não apenas respirando — mas existindo com propósito.Os livros, o notebook, o café com Julia antes das aulas, o grupinho de WhatsApp onde compartilhavam memes de programação, piadas internas e prints de bugs absurdos — tudo fazia parte de uma rotina que finalmente não machucava.Na aula de Lógica de Programação, sentaram-se juntos na terceira fileira.— Se esse professor repetir “variável global” mais uma vez, eu juro que vou colocar esse conceito no meu testamento — disse Paula, revirando os olhos.— Tá com sono? — provocou Davi. — Se quiser eu te empresto meu ombro. Só não garanto que não ronco.Julia riu.— Ronco com gemido, né? Eu vi aquele vídeo teu de karaokê na semana passada…— Aquele era estilo, meu bem. Não sabe reconhecer um artista.Luna ria junto. Cada risada era como se arrancasse dela uma camada antiga de dor, revelando uma nova p
A luz roxa invadia o quarto, filtrada pelas cortinas novas. No espelho, Luna se observava em silêncio, tentando ajustar a peruca azul clara trançada nas laterais, caindo pelos ombros. Vestia um short curto rasgado, o top justo que mal cobria os seios e luvas sem dedos com o mesmo tom metálico da personagem. Jinx. A garota imprevisível, insana, perigosa. Um contraste exato com quem Luna realmente era. Mas ali, naquela sala transformada em palco íntimo, Luna não era mais a caloura tímida da faculdade. Era uma força livre, devassa, e — naquela noite — jogaria seu próprio jogo. Ela ajeitou o vibrador no canto da cama, os lubrificantes, o controle e seus brinquedos coloridos de silicone em uma bandeja. Um deles era novo — um modelo com sensores de intensidade e jatos automáticos que prometia mais do que prazer. Prometia espetáculo. Na tela de pré-live, já havia dezenas aguardando. Corações subindo. Nomes conhecidos. E aquele nome… sempre lá. Disfarçado sob um pseudônimo, mas que ela já
O sol da manhã brilhava alto, atravessando o céu limpo enquanto Luna descia do ônibus, o coração pulsando em empolgação. Na mochila nova — roxa com detalhes em preto — ela levava apenas o essencial: estojo, caderno de anotações, celular com a tela quebrada e o brilho de quem, pela primeira vez, sentia-se parte de algo. O campus da faculdade de tecnologia fervilhava de vozes, de movimento, de juventude vibrante. Grupos se formavam no pátio principal. Cartazes coloridos anunciavam o evento do dia: uma das maiores empresas do país faria uma palestra ali, apresentando ideias inovadoras e abrindo possibilidades de estágios e contratação. — Luna! — gritou Isadora, sua amiga de turma, loira cacheada, sempre sorridente. — Achei que você ia se atrasar de novo! — Hoje eu tomei banho com o cronômetro — respondeu Luna, rindo. Ao lado de Isadora, estavam Bruno e Kelvin, dois estudantes de programação que rapidamente se tornaram parte do seu círculo. Luna sentia-se confortável entre eles — ouv
As paredes do campus ainda pulsavam com a energia da palestra da Sophia Montenegro. Desde o fim da apresentação, grupos de alunos circulavam pelos corredores debatendo ideias, rabiscando conceitos nos cadernos, com olhos brilhantes e vozes agitadas. Um concurso real. Uma chance de serem notados. Luna andava pelo pátio central, ainda com o caderno apertado contra o peito. As palavras de Sophia ecoavam na mente como um feitiço: “Coragem. Gente como vocês.” Ela sentia que algo tinha mudado dentro dela. Aquela sensação de exclusão que carregara durante todo o ensino médio parecia estar se dissolvendo. Pela primeira vez, ela fazia parte de algo que poderia crescer, florescer, virar futuro. — Luna! — chamou Isadora, correndo em sua direção. — Já temos grupo! — Já? — Sim! Você, eu, Bruno, Kelvin e a Letícia, lembra dela? A menina do curso de design. Ela manja muito de prototipagem visual. — Nossa… isso é sério mesmo — disse Luna, meio surpresa. — Claro que é! Você viu a Sophia lá na
A tela do celular piscou com a notificação: “Você venceu o topo da live. Prepare-se para a chamada exclusiva.” Sophia sentiu o estômago revirar — não de medo, mas de uma excitação pura, quase feroz. Sentada na beira da cama, com o roupão de seda aberto até a cintura, ela respirou fundo. A taça de gin estava ao lado da tela, e a luz suave da luminária transformava seu quarto em um santuário do desejo. Ela não sabia o nome da garota. Não conhecia sua voz real, nem seus olhos por completo. Mas, naquela noite, ela teria um momento só para si. Um toque. Um rosto. Um suspiro. • Luna ajeitou os cabelos em frente à câmera, tremendo discretamente. Ela havia feito diversas lives desde que entrou na plataforma, mas aquela seria diferente. Íntima. Direta. Uma vídeo chamada privada com quem mais doou. Uma recompensa prometida — e agora, inevitável. Vestia uma versão luxuosa da fantasia de Jinx, do League of Legends, com cabelos tingidos de azul em longas tranças artificiais. Meias arr
Sophia acordou com o corpo ainda febril, como se a madrugada anterior tivesse deixado traços em sua pele. Ela levou os dedos até os lábios, lembrando do gosto do próprio prazer, e os olhos demoraram segundos a mais na tela do celular. Nenhuma nova notificação. Nenhuma nova mensagem daquela que a fizera perder o controle. “Qual é o nome dela?” Era uma pergunta simples. Mas carregada de tempestades. Levantou-se lentamente, ignorando o café da manhã. A cabeça girava entre o desejo bruto e a sombra do mistério. Havia algo naquela garota… algo além da carne e da performance. Um tipo de dor. De vazio disfarçado. Uma familiaridade que fazia o coração de Sophia bater fora do compasso. “Eu preciso saber quem ela é.” No trabalho, o mundo parecia embaçado. As reuniões soavam distantes, como se os números e gráficos não tivessem mais peso. Jacqueline notou a expressão perdida da chefe e, pela primeira vez, hesitou em interromper: — Sophia… está tudo bem? — Claro. Apenas pensando —
A tarde se escoava lentamente entre as sombras elegantes da sede da Stuart & Co., e a última imagem que ficou em Sophia, mesmo depois da despedida formal, foi a de Luna segurando seu caderno de anotações com as unhas pintadas de azul. A mesma cor da luz neon que banhava a pele da sua musa anônima nas lives. A coincidência martelava na cabeça de Sophia como um tambor tribal, primitivo, lascivo. Ela voltou à sua sala com passos controlados, porém rápidos, como se fugir dos próprios pensamentos fosse uma opção. Sentou-se na cadeira giratória de couro, girou levemente para encarar a paisagem urbana pela parede de vidro, mas sua mente já não estava ali. “Luna Ferreira.” Repetiu o nome, em voz baixa. Soava comum demais para ser a mesma mulher das fantasias. Mas… e o olhar? E a presença? E a leve tremedeira que ela teve quando viu Sophia? — Jacqueline — chamou de repente. — Sim, senhora? — Quero os arquivos de todos os alunos que apresentaram hoje. Dados de inscrição, currículos, e per
A semana começou como um vendaval. A apresentação final havia terminado, e os nomes dos vencedores já circulavam nos corredores da faculdade com o mesmo fervor de boatos perigosos. Luna e sua equipe foram anunciados como a proposta mais promissora — com direito a um estágio remunerado dentro da Stuart & Co. O momento em que Jacqueline ligou para ela foi breve, formal, mas mudou tudo: — Luna Ferreira? Aqui é da Stuart & Co. Estamos muito felizes em dizer que você foi selecionada. Poderia vir até a sede amanhã para preencher os papéis e conhecer o time? Luna demorou segundos preciosos para responder. Sua garganta estava seca, e sua mente rodava. — Claro… claro que posso. Obrigada. Obrigada mesmo. Desligou, e ficou encarando a tela escura do celular por um tempo, com um sorriso tímido no canto dos lábios. Era real. Estava acontecendo. — No outro extremo da cidade, Sophia apertava a caneta com força, encarando o vazio da sala de reuniões. Ela ainda não havia escolhido pessoalmente