A respiração de Sophia pesava.
Os olhos não piscavam. O corpo, agora espraiado pelo sofá, era só calor, arrepio e impulso. O som da live enchia o ambiente com sussurros e gemidos cristalinos — cada um penetrando fundo, tocando lugares que ela mantinha trancados sob a couraça de sua vida corporativa. As luzes do apartamento estavam baixas, o gelo do gin derretia devagar. Sophia afastou a saia do vestido, deixou a bebida sobre a mesinha de centro e escorregou os dedos por debaixo da calcinha preta de seda. Sentiu a pele úmida, quente, receptiva. Na tela, Luna ofegava, os lábios entreabertos, o dildo ainda pulsando entre as pernas, agora mais devagar, como se saboreasse a própria rendição. A câmera tremia um pouco — talvez pelas mãos instáveis da garota, talvez pela intensidade do momento. — Gostaram de me ver assim, hein…? — Luna sorriu, meio sem fôlego. — Nunca tinha sentido isso antes… foi diferente. Sophia mordeu o lábio. Estava prestes a atravessar aquela linha tênue entre espectadora e participante. Seus dedos deslizavam com facilidade, em círculos pequenos, certeiros, no mesmo ritmo do corpo que se contorcia na tela. Ela apertou um botão. Doação enviada: R$ 1.000,00 Mensagem: “Você é arte viva. Diga seu nome.” — LadyInSilk Luna leu a mensagem, os olhos se estreitaram. Ela mordeu o canto do lábio inferior, pensativa. Passou a língua pelos lábios devagar, como se considerasse a proposta. Mas não respondeu. — Mistério é parte da magia, não é, Lady? — disse, encostando a testa na cama. — Por enquanto, vocês vão ter que se contentar com a Sailor do prazer. Sophia gemeu baixo, a outra mão apertando a lateral do sofá. Fechou os olhos. Sentia o orgasmo crescer como uma onda quente, arrastando certezas, lavando resistências. As costas se arquearam, a cabeça caiu para trás e, quando o prazer explodiu, foi como se algo dentro dela se quebrasse… ou se revelasse. Ali, diante da grande televisão, envolta em sombras e suor, ela percebeu: aquela garota era mais do que um fetiche. Era obsessão em estado líquido. • Na tela, Luna se deitou de lado, respirando fundo. Seus olhos encaravam a câmera como se quisessem atravessá-la. — Foi bom… pra vocês? — perguntou, com uma malícia doce, quase inocente. O chat fervilhava. Mas ela não lia mais. Os olhos vagavam pela própria pele, brilhante de suor. A fantasia colava ao corpo, as meias estavam tortas, os cabelos desgrenhados. Mas ela estava bonita. Mais do que isso — estava inteira. Encerrando a live com um beijo soprando à lente, Luna desligou o celular e caiu para trás, suspirando. No escuro do quarto, só o som do ventilador preenchia o silêncio. Ela sentia-se… poderosa. • Do outro lado, Sophia permanecia imóvel no sofá. O corpo amolecido, o peito ainda arfando. Pegou a taça de gin com mãos trêmulas, bebeu o resto de um gole só. Na tela, a notificação desapareceu. A live terminara. Mas a presença da garota continuava ali, pairando no ar. Como perfume que fica na roupa depois de um encontro intenso. Sophia se levantou, andou até a janela. A cidade brilhava embaixo, barulhenta e insone. Ela precisava conhecê-la. Precisava descobrir quem era aquela mulher por trás da lente, aquela sombra vestida de heroína japonesa que fazia seu corpo derreter como se tivesse sido feito pra ela. E pela primeira vez, uma ideia cruzou sua mente — algo que ela não conseguia controlar. “E se eu a encontrasse?” • Enquanto isso, Luna abraçava um travesseiro. Pela primeira vez em meses, adormeceu sorrindo. Sem saber que, do outro lado da cidade, alguém estava pronta para atravessar qualquer limite… só para descobrir seu nome.O sol da manhã cortava as nuvens como uma lâmina dourada, e o ar fresco carregava uma promessa que Luna quase não soube nomear: liberdade.Vestia jeans escuro, tênis branco limpo e uma camiseta simples com estampa retrô. Cabelos soltos, leves, com aroma de lavanda. Sua mochila — velha, mas firme — balançava no ombro a cada passo, carregando um caderno novo, uma caneta favorita e o coração, meio aflito, meio esperançoso.Era o primeiro dia na faculdade.A Faculdade de Tecnologia parecia um mundo à parte. Os corredores eram amplos, luminosos, com estudantes de todos os tipos — uns sérios demais, outros descolados, outros invisíveis como ela fora por tanto tempo. Mas ali… ninguém a encarava com desprezo. Ninguém a empurrava ou sussurrava ofensas ao seu passar.Ela respirou fundo.No pátio, sentou-se num banco de concreto e fingiu checar o celular, enquanto observava tudo ao redor. Foi quando uma garota de cabelo curto, moletom largo e óculos grandes parou ao lado dela com um sorriso aber
A semana passou como um feitiço silencioso, envolta em rotina nova, pequenos rituais de descoberta e uma brisa de liberdade que Luna jamais experimentara. As manhãs começavam com café preto, pão tostado e um sorriso discreto. Ela acordava cedo, penteava os cabelos com cuidado, prendia os fios com uma tiara de tecido lilás e escolhia suas roupas com uma atenção quase reverente. Saias jeans, camisetas com estampa de animes, um moletom oversized que comprara no centro com o troco da última live. Com o dinheiro que juntara, pagou as contas atrasadas da casa, comprou uma mochila nova de couro sintético azul-marinho, um par de tênis confortáveis e decorou seu quarto com pequenas luzes de LED e uma cortina lilás que ondulava suavemente na janela. Mandou trançar seus cabelos numa trança embutida com mechas coloridas discretas — um toque de identidade que finalmente ousava assumir. A faculdade já não era um mistério. Agora, era território conhecido. Andava com Julia, Davi e Paula pelos corr
A segunda-feira chegou com céu limpo, brisa morna e o cheiro da cantina já invadindo o pátio da Faculdade de Tecnologia. Luna sentia-se viva. Não apenas respirando — mas existindo com propósito.Os livros, o notebook, o café com Julia antes das aulas, o grupinho de WhatsApp onde compartilhavam memes de programação, piadas internas e prints de bugs absurdos — tudo fazia parte de uma rotina que finalmente não machucava.Na aula de Lógica de Programação, sentaram-se juntos na terceira fileira.— Se esse professor repetir “variável global” mais uma vez, eu juro que vou colocar esse conceito no meu testamento — disse Paula, revirando os olhos.— Tá com sono? — provocou Davi. — Se quiser eu te empresto meu ombro. Só não garanto que não ronco.Julia riu.— Ronco com gemido, né? Eu vi aquele vídeo teu de karaokê na semana passada…— Aquele era estilo, meu bem. Não sabe reconhecer um artista.Luna ria junto. Cada risada era como se arrancasse dela uma camada antiga de dor, revelando uma nova p
A luz roxa invadia o quarto, filtrada pelas cortinas novas. No espelho, Luna se observava em silêncio, tentando ajustar a peruca azul clara trançada nas laterais, caindo pelos ombros. Vestia um short curto rasgado, o top justo que mal cobria os seios e luvas sem dedos com o mesmo tom metálico da personagem. Jinx. A garota imprevisível, insana, perigosa. Um contraste exato com quem Luna realmente era. Mas ali, naquela sala transformada em palco íntimo, Luna não era mais a caloura tímida da faculdade. Era uma força livre, devassa, e — naquela noite — jogaria seu próprio jogo. Ela ajeitou o vibrador no canto da cama, os lubrificantes, o controle e seus brinquedos coloridos de silicone em uma bandeja. Um deles era novo — um modelo com sensores de intensidade e jatos automáticos que prometia mais do que prazer. Prometia espetáculo. Na tela de pré-live, já havia dezenas aguardando. Corações subindo. Nomes conhecidos. E aquele nome… sempre lá. Disfarçado sob um pseudônimo, mas que ela já
O sol da manhã brilhava alto, atravessando o céu limpo enquanto Luna descia do ônibus, o coração pulsando em empolgação. Na mochila nova — roxa com detalhes em preto — ela levava apenas o essencial: estojo, caderno de anotações, celular com a tela quebrada e o brilho de quem, pela primeira vez, sentia-se parte de algo. O campus da faculdade de tecnologia fervilhava de vozes, de movimento, de juventude vibrante. Grupos se formavam no pátio principal. Cartazes coloridos anunciavam o evento do dia: uma das maiores empresas do país faria uma palestra ali, apresentando ideias inovadoras e abrindo possibilidades de estágios e contratação. — Luna! — gritou Isadora, sua amiga de turma, loira cacheada, sempre sorridente. — Achei que você ia se atrasar de novo! — Hoje eu tomei banho com o cronômetro — respondeu Luna, rindo. Ao lado de Isadora, estavam Bruno e Kelvin, dois estudantes de programação que rapidamente se tornaram parte do seu círculo. Luna sentia-se confortável entre eles — ouv
As paredes do campus ainda pulsavam com a energia da palestra da Sophia Montenegro. Desde o fim da apresentação, grupos de alunos circulavam pelos corredores debatendo ideias, rabiscando conceitos nos cadernos, com olhos brilhantes e vozes agitadas. Um concurso real. Uma chance de serem notados. Luna andava pelo pátio central, ainda com o caderno apertado contra o peito. As palavras de Sophia ecoavam na mente como um feitiço: “Coragem. Gente como vocês.” Ela sentia que algo tinha mudado dentro dela. Aquela sensação de exclusão que carregara durante todo o ensino médio parecia estar se dissolvendo. Pela primeira vez, ela fazia parte de algo que poderia crescer, florescer, virar futuro. — Luna! — chamou Isadora, correndo em sua direção. — Já temos grupo! — Já? — Sim! Você, eu, Bruno, Kelvin e a Letícia, lembra dela? A menina do curso de design. Ela manja muito de prototipagem visual. — Nossa… isso é sério mesmo — disse Luna, meio surpresa. — Claro que é! Você viu a Sophia lá na
A tela do celular piscou com a notificação: “Você venceu o topo da live. Prepare-se para a chamada exclusiva.” Sophia sentiu o estômago revirar — não de medo, mas de uma excitação pura, quase feroz. Sentada na beira da cama, com o roupão de seda aberto até a cintura, ela respirou fundo. A taça de gin estava ao lado da tela, e a luz suave da luminária transformava seu quarto em um santuário do desejo. Ela não sabia o nome da garota. Não conhecia sua voz real, nem seus olhos por completo. Mas, naquela noite, ela teria um momento só para si. Um toque. Um rosto. Um suspiro. • Luna ajeitou os cabelos em frente à câmera, tremendo discretamente. Ela havia feito diversas lives desde que entrou na plataforma, mas aquela seria diferente. Íntima. Direta. Uma vídeo chamada privada com quem mais doou. Uma recompensa prometida — e agora, inevitável. Vestia uma versão luxuosa da fantasia de Jinx, do League of Legends, com cabelos tingidos de azul em longas tranças artificiais. Meias arr
Sophia acordou com o corpo ainda febril, como se a madrugada anterior tivesse deixado traços em sua pele. Ela levou os dedos até os lábios, lembrando do gosto do próprio prazer, e os olhos demoraram segundos a mais na tela do celular. Nenhuma nova notificação. Nenhuma nova mensagem daquela que a fizera perder o controle. “Qual é o nome dela?” Era uma pergunta simples. Mas carregada de tempestades. Levantou-se lentamente, ignorando o café da manhã. A cabeça girava entre o desejo bruto e a sombra do mistério. Havia algo naquela garota… algo além da carne e da performance. Um tipo de dor. De vazio disfarçado. Uma familiaridade que fazia o coração de Sophia bater fora do compasso. “Eu preciso saber quem ela é.” No trabalho, o mundo parecia embaçado. As reuniões soavam distantes, como se os números e gráficos não tivessem mais peso. Jacqueline notou a expressão perdida da chefe e, pela primeira vez, hesitou em interromper: — Sophia… está tudo bem? — Claro. Apenas pensando —