Entre Máscaras e Espelhos
Entre Máscaras e Espelhos
Por: Hadya
Introdução

“O mundo era como uma bomba-relógio, prestes a explodir.”

Luna Ferreira :

Luna caminhava descalça pelas ruas da cidade, os pés desprotegidos tocando o asfalto frio, sentindo cada pedrinha como um lembrete de sua própria vulnerabilidade. O céu estava encoberto, carregado, como se refletisse seu estado de espírito. Sentia-se esmagada por uma solidão que não pedia licença, uma presença constante que a seguia por onde quer que fosse. O peso do desespero se agarrava a seus ombros, tornando cada passo uma luta silenciosa.

O bullying na escola havia se tornado uma rotina cruel, um ciclo sem fim. Risadinhas abafadas nos corredores, mensagens maldosas deixadas em sua mesa, empurrões discretos que os professores fingiam não ver. A indiferença dos adultos era o que mais a fería. Não era apenas o desprezo dos colegas — era o silêncio cúmplice daqueles que deveriam protegê-la. Era como gritar em um quarto vazio, esperando que alguém ouvisse.

Chegar em casa não trazia alívio. O apartamento pequeno e silencioso era mais um reflexo do abandono que sentia. Seus pais estavam ausentes há mais de duas semanas, envolvidos em trabalhos distantes e telefonemas cada vez mais curtos. A geladeira quase vazia lembrava-lhe que o tempo estava passando, e ela precisava agir.

Tentou, sem sucesso, arrumar empregos de meio período. Sempre que ia a uma entrevista, voltava com um olhar ainda mais desiludido. As portas se fechavam com sorrisos ensaiados e desculpas repetidas: “Você ainda é muito jovem”, “Falta experiência”, “Estamos com a equipe completa no momento”. Cada recusa era mais um tijolo no muro que a separava do resto do mundo.

Naquela noite, cansada da mesma rolagem infinita no celular, um post inesperado surgiu em seu feed: um usuário comentava sobre um aplicativo onde pessoas ganhavam dinheiro postando vídeos. A curiosidade despertou algo nela — um lampejo de esperança misturado com desconfiança. Pesquisou por horas, investigando a plataforma, e descobriu que se tratava de conteúdo adulto. Não era o que esperava… mas, ao mesmo tempo, não era totalmente descartável.

Hesitante, foi até o guarda-roupa e tirou uma fantasia que guardava há tempos — uma peça que usara uma única vez em uma festa à fantasia, muito antes de tudo ruir. Colocou a roupa lentamente, os dedos tremendo. O espelho refletia uma imagem que ela mal reconhecia: curvas marcadas, quadris generosos, busto de tamanho moderado — natural, sem silicone, como sempre preferiu. Era bonita, mesmo que raramente se sentisse assim. Com a câmera posicionada de forma a esconder seu rosto, tirou uma foto. Algo sensual, sugestivo, mas ainda envolto em mistério. Publicou.

Dois dias haviam se passado desde seu aniversário de dezoito anos. A maioridade, para ela, não representava liberdade — representava a obrigação de sobreviver por conta própria. Era seu último ano na escola e, sem perspectivas de faculdade, decidiu que ia ganhar a vida do seu jeito. Se isso significava mostrar mais pele do que gostaria, que fosse. Afinal, ninguém mais parecia disposto a ajudá-la.

Sophia Montenegro

Sophia chegou cedo à sede de sua empresa, como de costume. Seus saltos ecoavam pelos corredores ainda vazios, o som ritmado soando como um lembrete de sua presença firme. O blazer alinhado, os cabelos longos perfeitamente penteados, o rosto sereno — tudo nela exalava autoridade e domínio. Era admirada, temida e, acima de tudo, respeitada. Mas o que a fazia crescer naquele ambiente corporativo implacável era a sua capacidade de manter tudo sob controle. Ou quase tudo.

Naquela manhã, a notícia veio como uma punhalada pelas costas. Informações confidenciais sobre o novo produto haviam sido vazadas. O lançamento — meticulosamente preparado há meses — agora corria o risco de ser antecipado pelos concorrentes. Um abalo que, para qualquer outro CEO, significaria desastre. Para Sophia, era guerra.

— Quero que vocês descubram quem fez isso e o demitam imediatamente. — Sua voz cortou o ar da sala como uma lâmina afiada.

Olhos se arregalaram, dedos correram pelos teclados. A equipe de investigação foi mobilizada e o ritmo no prédio acelerou, como se o próprio edifício sentisse a tensão.

Enquanto os investigadores se debruçavam sobre registros, rastros digitais e suspeitas internas, Sophia se trancou em sua sala. Ela precisava agir. Não havia tempo para hesitações. Rejeitou layout após layout, exigente, meticulosa. Até que, finalmente, escolheu aquele que traduzia com mais fidelidade a identidade do produto. Lançou-o antes do meio-dia, atravessando a equipe de marketing como um furacão.

No início da tarde, estava em uma reunião com investidores. No fim do dia, revisava relatórios com a mesma precisão de um cirurgião. Cada número, cada estatística era uma peça em seu tabuleiro, e ela se recusava a perder.

Quando a noite finalmente caiu sobre a cidade, a escuridão trouxe consigo o cansaço acumulado. Em sua sala, sob a luz fria do monitor e com uma xícara de café entre as mãos, Sophia deixava, pouco a pouco, que a tensão abandonasse seu corpo.

A porta se abriu. Jacqueline entrou com um sorriso discreto. A secretária — e melhor amiga — era uma das poucas pessoas que conseguiam ultrapassar as defesas de Sophia.

— Senhora, o lançamento foi um sucesso. O público respondeu bem, o layout teve ótima aceitação. — A voz de Jacqueline era uma brisa após o furacão.

Sophia fechou os olhos por um breve momento. Soltou um suspiro lento. Havia vencido mais uma batalha.

Já passava das dez da noite quando deixou a empresa. A cidade, agora silenciosa e vazia, parecia finalmente ter lhe dado uma trégua. Dirigia pelas avenidas iluminadas, buscando distração. Pegou o celular durante um sinal vermelho e abriu o aplicativo de streaming que baixara recentemente, mais por curiosidade do que por interesse genuíno.

Foi então que a viu.

A nova streamer tinha um perfil discreto, quase amador. As fotos — sensuais, ousadas, mas sem mostrar o rosto — eram diferentes das que via todos os dias naquele aplicativo saturado. Havia algo nela… uma mistura de inocência e ousadia. As fantasias que usava sugeriam uma personagem, uma narrativa escondida em cada clique. Havia corpo, sim — curvas desenhadas com precisão quase cinematográfica — mas também havia mistério. Um charme que hipnotizava.

Sophia curtiu todas as fotos. Não era algo que costumava fazer, mas não hesitou. Seu interesse crescia como fogo em palha seca. Quem era essa mulher que se escondia por trás de poses provocantes e de uma câmera estratégica?

Com os dedos ainda tocando a tela, Sophia desviou o caminho. Em vez de ir para casa, dirigiu até o clube onde costumava ir para relaxar depois de semanas intensas. Hoje, no entanto, o desejo era outro. Queria comemorar o sucesso do dia. Queria esquecer o vazamento, a pressão, a fachada. E, no fundo, queria alimentar aquela curiosidade pulsante que se instalara em seu peito.

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