Paro por um instante de passar os dedos pelas coisas empoeiradas. Bem aqui! A voz murmura e encaro a caixa retangular entralhada em madeira envelhecida com uma fechadura pequena – uma lua e um sol juntos, se completando, decorando-a e protegendo-a de fadas como eu. Ferro. Frio e cortante que anseia por meu toque, para me ferir. Recuo a mão e me volto para o mortal, ainda detrás do móvel alto com um vaso de flores na ponta e um equipamento em bronze com números e gavetas na outra. Há uma tela fina e mais letras pressionáveis em um estreito retângulo preto debaixo dela.
— Acredito que tenha. – Indico a caixa na terceira prateleira na altura dos meus braços. — Pode pegá-la para mim?
— Quer mesmo que eu venda isso para alguém como...
— Eu? – Completo sua frase e falho em conter outro riso. Me aproximo do balcão em passos pequenos e intimidadores, os saltos estalam pelos tacos do chão e a blusa preta em tecido mousseli
AmaraNunca pisei tanto no acelerador quanto o fiz para chegar ao centro de Nova Orleans. Nem na noite de Dáhlia. Dessa vez, faço o mesmo percurso costumeiro em menos de vinte minutos e talvez, tomo duas ou três multas por ultrapassar sinal vermelho, algumas placas de pare e um retorno proibido virar contramão. Poderia ter pedido a Terence que me levasse voando, mas como já estávamos no meio do caminho quando Freya ligou, o carro foi a melhor opção e abandoná-lo no meio da rodovia não era uma boa ideia.Tento pensar positivo, imagino que a situação seja melhor do que a bruxa deixou explícito em sua ligação. A magia é uma benção, de fato, mas também é uma maldição para cada um que a possua. Sem magia, Freya não teria sentindo algo de errado – anoto mentalmente para pe
Noah ergue os olhos para mim – os cílios loiros molhados – no instante em que dou um passo para ele. Uma mistura de raiva e gratidão ao me ver. Talvez, ele me deteste como Terence – mesmo que o feérico tenha negado tal desapreço por mim uma hora atrás – e talvez, eu mereça ser detestada por todos a minha volta, uma vez que, tudo o que somo a vida deles é caos e destruição.— Ela o levou. – O mortal diz, a voz mal sai por entre os lábios quase imóveis. — Levou o meu pai.Corretes de ódio começam a me percorrem da cabeça aos braços, tronco e pernas e por fim, os pés em um ciclo vicioso de igual raiva dele, agora em mim também. Duvessa não ficará contente em atormentar somente a mim e ao mortal, não. Ela precisa envolver mais pessoas inocentes. Fez para provoca-lo e provocar a mim. De
Noah sai pela porta da frente com uma mochila preta nas costas – roupas, imagino – alguns minutos depois. Ele para de postura curvada e abatida, os lábios entreabertos prestes a dizer algo, mas desiste. Entrego a caixa e o loiro a guarda no primeiro zíper da bolsa, em silêncio e remoendo palavras. Meu estômago ronca com o cheiro de massa doce frita e café e soa tentador devorar qualquer comida com muito açúcar agora. — Quer a verdade? – Indago cruzando os braços. — Está bem, lhe direi a verdade. Mas, vou precisar de café, é uma longa e complicada história para se contar sem cafeína e açúcar no sangue. Me viro, pronta para atravessar a rua para um café francês do lado oposto e seu toque me surpreende, enviando correntes de calor pelos poros despertos. Paro, desvio os olhos dos dedos paro o rosto dele, mais calmo e receoso. — Desculpe. – O loiro diz cabisbaixo e suspira meneando a cabeça negativamente, decepcionado consigo mesmo. — Foi cruel o qu
Estou deslizando o dedo pela borda da xícara desde que terminara meu café, um tique nervoso expressando a necessidade de precisar fazer algo para distrair, mesmo que quase nada, uma mente perturbada quando o assunto é sério e o venho evitando por vários dias. Nos calamos, mas mantemos os olhos fixos um no outro e mesmo com a pressão intensa vindas do mortal, é como se um peso saísse dos meus ombros. Agora ele sabe. Ele sabe e ainda está aqui. Vozes baixas e irritantes se evidenciam pelo ambiente, direto da mesa das garotas jovens, com corpos lindos, cabelos sedosos e roupas de grife. A mesa contém restos de saladas e garrafinhas de água vazias. Uma delas pedira um suco e obviamente mal o está bebendo, já que o nível de bebida – visível pelo vidro do copo – continua o mesmo. Pedir coisas, apenas por pedir, por ser uma adolescente com problemas alimentares é algo óbvio e recorrente nos últimos anos. Às vezes, a humanidade consegue ser mais escr
DuvessaPosso ficar dias os observando andando pelas ruas e vivendo suas vidinhas normais. Humanos. Não passam de fantoches para mim, bonecas com cordas que puxo quando tenho vontade para os obrigar a seguir minhas ordens, ou pela simples e pura diversão de ver em seus rostos o pavor e o medo. Balanço a taça de cristal em meus dedos enquanto olho pela janela enorme de vidro. Uma parede inteira coberta por vidro e cortinas com vista do alto, para a cidade, o centro e os canais, no último andar de um prédio recém construído e inaugurado pelos mortais. Escolher um lugar para ficar pelos dias em que permaneço nesse mundo medíocre foi fácil e me certifiquei de que fosse bem debaixo dos narizes de todos eles. Afinal, o melhor esconderijo é diante dos olhos que te caçam.O liquido arroxeado desce queimando e esquenta meu corpo com sabor c
— Tenho certeza de que ambos os povos... — Errado. – A interrompo ficando em pé. Seus olhos estão sobre mim, confusos e a espera de um esclarecimento. Começo a andar pela sala em passos pequenos e aleatórios. — Para esse tipo de acordo, querida, os líderes preferem aparecer pessoalmente, para que não haja nenhum equivoco no futuro. Porém, Gabriel mandou uma vampira qualquer em nome dele. – A pressão em meus movimentos aumenta e reparo que a ofendo com a ironia em minha voz ao me referir a ela como uma qualquer. — Eu sou a conselheira pessoal dele. – Katrina inspira, um ato desnecessário para ela, mas instintivo, que usa para fingir ser uma humana ao caminhar por eles pelas ruas. Ela retém as más criações dentro dela, que é nítido que desejou dizê-las a mim nesse momento, mas não pôde. — Detalhes. – Gesticulo com a mão e ignoro sua intromissão. Ela faz menção de voltar a falar, mas a silencio com o indicador levantado. — Ou seja, você o convenceu de q
AmaraAbrir os olhos nunca foi tão difícil. Forço as pálpebras a se separarem minimamente, pisco lutando contra os cílios pesados e sonolentos e sinto que estou deitada sobre algo macio e gelado. Uma silhueta paira inclinada sobre mim, observando-me de cima e o perfume de alecrim e capim-limão entope minhas narinas, unindo-se ao da magia enjoativo.Hirion repuxa o canto dos lábios e acaricia minha bochecha com o indicador, o dedo calejado de segurar espadas e lutar nas batalhas da realeza de quando sua família servia á realeza. Um calafrio me percorre e nos distancio de supetão sentindo o coração acelerando ao me apoiar nos cotovelos afundados no colchão enorme e velho.— Enfim, acordada. – O feérico sibila, subindo e descendo os olhos por minhas curvas marcadas no vestido preto que eu usava, – os seios ressa
— Quando começou? – Expiro levemente, temendo que se deixar o ar sair dos pulmões, ele não volte a entrar neles.— O plano de conquista de Duvessa? – Ele especifica a pergunta. — Um dia depois que todos pensamos que você havia morrido. Ela levou cinco anos planejando os mínimos detalhes. Uma feérica excepcionalmente esperta, eu diria. A revolta e o caos da natureza? Doze meses. Doze meses, lutamos pela sobrevivência, pela comida e pelo resquício de magia que nos resta depois que a terra sugou cada gota de todas as fadas, restando apenas nossa essência e ela se esmaece a cada dia que usufruímos dela. O que sobrou, sua irmã roubou dos lordes e de Endaria, o que forçou a maioria inteligente de nós a nos juntarmos a causa dela. Resumindo, princesa – Seu hálito é quente ao falar de dentes cerrados e a mão se embrenha nos