02. O estranho

Tudo acontece de forma rápida e devagar ao mesmo tempo.

Primeiro, Mariana vê que o carro está quase encostando em seu corpo, e ela aceita que será arremessada pelo impacto do atropelamento. Seu reflexo é fechar os olhos e em vão tentar se proteger erguendo os braços.

Braços fortes e rápidos, mas muito rápidos, mesmo, a puxam para trás instantaneamente, tirando-a da trajetória do veículo.

Uma freada brusca se faz ouvir. Assustada, Mariana olha para o carro. O motorista conseguiu pará-lo, mas muito mais longe do que deveria. Ou seja, se não fosse pelo salvador estranho…

Um homem musculoso, de cabelos cacheados presos num rabo de cavalo frouxo e olhos azuis segura em seus ombros, ajudando-a a se levantar.

“Moça, a senhorita precisa tomar cuidado. Você está bem?”

Ele nota os olhos verdes como oliva repletos de tristeza, assim como o rosto molhado de lágrimas e o nariz inchado.

“Venha, vamos sair da rua.”

Ele a leva para a calçada. Passantes e curiosos observam a moça, que coloca as duas mãos no rosto enquanto volta a chorar. O motorista do carro, um senhor de meia-idade, vai até os dois.

“Minha nossa, eu sinto muito”, ele pega na mão trêmula e suada de Mariana. “Você está bem?” 

O homem de cabelos cacheados diz:

“Acho que ela está em choque.”

E de fato, Mariana estava tão atordoada que sequer conseguia verbalizar algo que fizesse sentido. Ela só conseguia chorar e chorar.

O motorista do carro rapidamente voltou para o seu próprio automóvel, seguindo o próprio caminho. O estranho gentil que a salvou continuou ali, parado, com uma das mãos segurando seu ombro.

Quando finalmente a mulher parou de tremer tanto, ele disse:

“Meu nome é James. Qual é o seu nome?”

Ela respondeu num fio de voz:

“Mariana.”

“Mariana, você precisa de ajuda para voltar pra casa?”

“Não. Não, eu… Moro perto daqui.”

E de fato, há duas quadras dali estava o que foi um dia seu lar. Agora, era o lar de Maximilian e de sua teia de mentiras.

“Você parecia muito distraída.”

Ela olha para James. Há pânico nos seus olhos, além de revolta.

Solidário, o homem pergunta mais uma vez:

“Tem certeza de que não precisa de ajuda?”

Mariana precisava de um psicólogo, uma faca e alguns uísques. E também de uma pá, água sanitária e algumas outras coisas. Mas não, não precisava de ajuda para voltar para casa. 

“Tenho.”

Ele olha para os lados, parecendo confuso e frustrado. Então tira do bolso um pequeno cartão cor de creme, com letras cursivas bonitas estampadas em sua superfície.

“Meu cartão. Caso… Caso precise de alguma coisa.”

James se despede antes de sair andando, mas ela grita:

“Espere um pouco.”

Ele para e olha para ela.

Mariana vai até ele, hesitante e envergonhada.

“Obrigada.”

“Não precisa me agradecer.”

Ambos continuam se olhando fixamente. Ela sabe que deve estar parecendo uma lunática, principalmente com aquele olhar aterrorizado. James também não parece querer ir embora.

Os dois mergulham num silêncio constrangedor. Ele inclina a cabeça e murmura:

"Moça... Mariana... Eu tenho a impressão de que você está, no mínimo, passando por uma situação bem ruim."

Ela não diz que sim, mas também não diz que não. Ao invés disso, a mulher simplesmente continua olhando para ele, esperando que o mesmo conclua sua frase.

"Eu não quero me meter. Também não quero te assustar, ou que pense que sou um esquisito, mas-"

"O que você quer?"

A pergunta soa um tanto grosseira, ainda mais se tratando de alguém que a salvou da morte certa há minutos atrás. O estranho não parece se abalar, no entanto. Talvez seja devido ao tom de voz dela, que denuncia sua completa tristeza e exaustão.

"Você precisa mesmo de ajuda."

"Eu posso voltar pra casa sozinha."

"Não foi isso o que eu quis dizer."

"Então foi o quê?"

James suspira.

"Acho que precisa conversar. E talvez de uma xícara de café."

Ela abre a boca, mas percebe que não consegue dizer nada. É como se a exaustão tivesse lhe roubado até mesmo a capacidade de conversa como uma pessoa normal.

"Eu moro aqui perto. Tem uma cafeteria ótima aqui nas redondezas. Quer beber algum capuccino? Um chá? É por minha conta."

Mariana quer falar que não quer tomar droga de café nenhum. Ela também quer falar que tem dinheiro, e que no cartão de crédito dentro da sua bolsa, ela pode comprar até a própria cafeteria.

Mas aquele dinheiro não era dela. O cartão poderia estar em seu nome, mas o responsável por suas finanças era o desgraçado do marido.

E não havia razão alguma para dispensar um convite tão educado e gentil de alguém que, além de salvá-la, parecia genuinamente preocupado com ela.

A moça respirou fundo antes de responder.

"Claro. Obrigada pelo convite. Vamos."

Devagar, os dois começaram a andar pela calcada. Mariana ainda tremia um pouco devido ao nervosismo de ter quase sido atropelada, mas aos poucos, consegue manter a calma.

O trajeto até o local é silencioso. Eles se sentam à mesa, e quando o garçom pergunta o que eles vão querer, a mulher decide tomar apenas um chá de camomila. Cafeína não faria bem ao bebê.

James puxa conversa com a mulher para deixá-la mais à vontade. Ele conta que é redator do jornal local, e que está cobrindo uma reportagem sobre os maiores escândalos na vida dos empresários milionários. 

O homem de cabelos encaracolados também diz que a matéria está quase pronta, mas que especificamente naquele dia, quis esticar um pouco as pernas e tomar ar fresco.

"E aí tive a sorte de te ver e te salvar."

"Não sei se chamaria isso de sorte", murmura ela.

"Ei. Não diga isso."

"Desculpa."

"Na verdade, eu é que peço desculpas. Estou aqui falando de mim, quando na verdade é você que precisa desabafar. Me conta, Mariana. O que aconteceu?"

A garota olha para os olhos sinceros do estranho gentil. Ele parecia extremamente agradável, embora ela detestasse admitir. Afinal, Maximilian também era um verdadeiro príncipe no começo do relacionamento.

"Mariana?"

Ela percebe que está há alguns segundos apenas o encarando sem dizer nada. A moça pigarreia, sem graça, e olha para os lados enquanto fala:

"Desculpa. Acho que só estou um pouco nervosa."

"Eu compreendo."

"Mesmo?"

"Claro. Afinal, nós mal nos conhecemos e já estou me intrometendo dessa maneira."

"Não, não, você não está..." Ela suspira. "Me desculpa. Eu vou te contar. Vou tentar te esclarecer as coisas."

"No seu tempo. Não vou te pressionar a nada."

Mariana tenta abrir um sorriso, mas está magoada e triste demais. James comenta:

"Não precisa fazer isso."

"Isso o quê?"

"Me passar conforto. Você é que precisa ser confortada. Está tudo bem."

O garçom chega com o chá e o capuccino pedido por James. Ela beberica o líquido devagar.

"Não gosta de café?", ele pergunta casualmente.

"Na verdade..."

Mariana pensa se vale a pena contar ao estranho sobre sua condição. Afinal de contas, será que ele poderia usar aquela informação contra ela? Ele iria rir de sua desgraça?

"Sim?"

Ela morde o lábio e engole em seco antes de pousar a xícara na mesa.

"Não vou poder tomar café durante um tempo. Eu... Estou grávida."

James pisca os dois olhos lentamente. Então apoia o próprio capuccino na mesa.

A expressão dele muda gradativamente, de curiosidade para felicidade.

"Mesmo? Nossa, meus parabéns. Você deve estar muito feliz." Ele para e analisa a fisionomia tristonha dela. "Ou não. Qual é o problema?"

Antes que ela possa responder, seus olhos se arregalam.

Porque batendo no vidro do lado de fora do comércio, com raiva genuína estampada no rosto, está Maximilian, fazendo de tudo para chamar sua atenção.

Assim que ela o vê, o empresário simplesmente vai até a porta e entra com tudo na cafeteria, seguindo diretamente até à mesa onde está Mariana.

"Mas o que significa isso?!"

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