Tudo acontece de forma rápida e devagar ao mesmo tempo.
Primeiro, Mariana vê que o carro está quase encostando em seu corpo, e ela aceita que será arremessada pelo impacto do atropelamento. Seu reflexo é fechar os olhos e em vão tentar se proteger erguendo os braços.
Braços fortes e rápidos, mas muito rápidos, mesmo, a puxam para trás instantaneamente, tirando-a da trajetória do veículo.
Uma freada brusca se faz ouvir. Assustada, Mariana olha para o carro. O motorista conseguiu pará-lo, mas muito mais longe do que deveria. Ou seja, se não fosse pelo salvador estranho…
Um homem musculoso, de cabelos cacheados presos num rabo de cavalo frouxo e olhos azuis segura em seus ombros, ajudando-a a se levantar.
“Moça, a senhorita precisa tomar cuidado. Você está bem?”
Ele nota os olhos verdes como oliva repletos de tristeza, assim como o rosto molhado de lágrimas e o nariz inchado.
“Venha, vamos sair da rua.”
Ele a leva para a calçada. Passantes e curiosos observam a moça, que coloca as duas mãos no rosto enquanto volta a chorar. O motorista do carro, um senhor de meia-idade, vai até os dois.
“Minha nossa, eu sinto muito”, ele pega na mão trêmula e suada de Mariana. “Você está bem?”
O homem de cabelos cacheados diz:
“Acho que ela está em choque.”
E de fato, Mariana estava tão atordoada que sequer conseguia verbalizar algo que fizesse sentido. Ela só conseguia chorar e chorar.
O motorista do carro rapidamente voltou para o seu próprio automóvel, seguindo o próprio caminho. O estranho gentil que a salvou continuou ali, parado, com uma das mãos segurando seu ombro.
Quando finalmente a mulher parou de tremer tanto, ele disse:
“Meu nome é James. Qual é o seu nome?”
Ela respondeu num fio de voz:
“Mariana.”
“Mariana, você precisa de ajuda para voltar pra casa?”
“Não. Não, eu… Moro perto daqui.”
E de fato, há duas quadras dali estava o que foi um dia seu lar. Agora, era o lar de Maximilian e de sua teia de mentiras.
“Você parecia muito distraída.”
Ela olha para James. Há pânico nos seus olhos, além de revolta.
Solidário, o homem pergunta mais uma vez:
“Tem certeza de que não precisa de ajuda?”
Mariana precisava de um psicólogo, uma faca e alguns uísques. E também de uma pá, água sanitária e algumas outras coisas. Mas não, não precisava de ajuda para voltar para casa.
“Tenho.”
Ele olha para os lados, parecendo confuso e frustrado. Então tira do bolso um pequeno cartão cor de creme, com letras cursivas bonitas estampadas em sua superfície.
“Meu cartão. Caso… Caso precise de alguma coisa.”
James se despede antes de sair andando, mas ela grita:
“Espere um pouco.”
Ele para e olha para ela.
Mariana vai até ele, hesitante e envergonhada.
“Obrigada.”
“Não precisa me agradecer.”
Ambos continuam se olhando fixamente. Ela sabe que deve estar parecendo uma lunática, principalmente com aquele olhar aterrorizado. James também não parece querer ir embora.
Os dois mergulham num silêncio constrangedor. Ele inclina a cabeça e murmura:
"Moça... Mariana... Eu tenho a impressão de que você está, no mínimo, passando por uma situação bem ruim."
Ela não diz que sim, mas também não diz que não. Ao invés disso, a mulher simplesmente continua olhando para ele, esperando que o mesmo conclua sua frase.
"Eu não quero me meter. Também não quero te assustar, ou que pense que sou um esquisito, mas-"
"O que você quer?"
A pergunta soa um tanto grosseira, ainda mais se tratando de alguém que a salvou da morte certa há minutos atrás. O estranho não parece se abalar, no entanto. Talvez seja devido ao tom de voz dela, que denuncia sua completa tristeza e exaustão.
"Você precisa mesmo de ajuda."
"Eu posso voltar pra casa sozinha."
"Não foi isso o que eu quis dizer."
"Então foi o quê?"
James suspira.
"Acho que precisa conversar. E talvez de uma xícara de café."
Ela abre a boca, mas percebe que não consegue dizer nada. É como se a exaustão tivesse lhe roubado até mesmo a capacidade de conversa como uma pessoa normal.
"Eu moro aqui perto. Tem uma cafeteria ótima aqui nas redondezas. Quer beber algum capuccino? Um chá? É por minha conta."
Mariana quer falar que não quer tomar droga de café nenhum. Ela também quer falar que tem dinheiro, e que no cartão de crédito dentro da sua bolsa, ela pode comprar até a própria cafeteria.
Mas aquele dinheiro não era dela. O cartão poderia estar em seu nome, mas o responsável por suas finanças era o desgraçado do marido.
E não havia razão alguma para dispensar um convite tão educado e gentil de alguém que, além de salvá-la, parecia genuinamente preocupado com ela.
A moça respirou fundo antes de responder.
"Claro. Obrigada pelo convite. Vamos."
Devagar, os dois começaram a andar pela calcada. Mariana ainda tremia um pouco devido ao nervosismo de ter quase sido atropelada, mas aos poucos, consegue manter a calma.
O trajeto até o local é silencioso. Eles se sentam à mesa, e quando o garçom pergunta o que eles vão querer, a mulher decide tomar apenas um chá de camomila. Cafeína não faria bem ao bebê.
James puxa conversa com a mulher para deixá-la mais à vontade. Ele conta que é redator do jornal local, e que está cobrindo uma reportagem sobre os maiores escândalos na vida dos empresários milionários.
O homem de cabelos encaracolados também diz que a matéria está quase pronta, mas que especificamente naquele dia, quis esticar um pouco as pernas e tomar ar fresco.
"E aí tive a sorte de te ver e te salvar."
"Não sei se chamaria isso de sorte", murmura ela.
"Ei. Não diga isso."
"Desculpa."
"Na verdade, eu é que peço desculpas. Estou aqui falando de mim, quando na verdade é você que precisa desabafar. Me conta, Mariana. O que aconteceu?"
A garota olha para os olhos sinceros do estranho gentil. Ele parecia extremamente agradável, embora ela detestasse admitir. Afinal, Maximilian também era um verdadeiro príncipe no começo do relacionamento.
"Mariana?"
Ela percebe que está há alguns segundos apenas o encarando sem dizer nada. A moça pigarreia, sem graça, e olha para os lados enquanto fala:
"Desculpa. Acho que só estou um pouco nervosa."
"Eu compreendo."
"Mesmo?"
"Claro. Afinal, nós mal nos conhecemos e já estou me intrometendo dessa maneira."
"Não, não, você não está..." Ela suspira. "Me desculpa. Eu vou te contar. Vou tentar te esclarecer as coisas."
"No seu tempo. Não vou te pressionar a nada."
Mariana tenta abrir um sorriso, mas está magoada e triste demais. James comenta:
"Não precisa fazer isso."
"Isso o quê?"
"Me passar conforto. Você é que precisa ser confortada. Está tudo bem."
O garçom chega com o chá e o capuccino pedido por James. Ela beberica o líquido devagar.
"Não gosta de café?", ele pergunta casualmente.
"Na verdade..."
Mariana pensa se vale a pena contar ao estranho sobre sua condição. Afinal de contas, será que ele poderia usar aquela informação contra ela? Ele iria rir de sua desgraça?
"Sim?"
Ela morde o lábio e engole em seco antes de pousar a xícara na mesa.
"Não vou poder tomar café durante um tempo. Eu... Estou grávida."
James pisca os dois olhos lentamente. Então apoia o próprio capuccino na mesa.
A expressão dele muda gradativamente, de curiosidade para felicidade.
"Mesmo? Nossa, meus parabéns. Você deve estar muito feliz." Ele para e analisa a fisionomia tristonha dela. "Ou não. Qual é o problema?"
Antes que ela possa responder, seus olhos se arregalam.
Porque batendo no vidro do lado de fora do comércio, com raiva genuína estampada no rosto, está Maximilian, fazendo de tudo para chamar sua atenção.
Assim que ela o vê, o empresário simplesmente vai até a porta e entra com tudo na cafeteria, seguindo diretamente até à mesa onde está Mariana.
"Mas o que significa isso?!"
Algumas pessoas presentes observavam discretamente o pequeno escândalo. Maximilian está com as veias saltando pelo pescoço e testa. James se levanta."O que está acontecendo aqui?""O que está acontecendo?!" Max está transtornado. "Estou aqui para consertar o meu casamento e recuperar a mulher que me ama! Ou pelo menos, que acreditei que me amasse!""O que disse?!" Mariana também se põe de pé, sentindo mais uma vez os tremores voltando."Eu vim atrás de você, Mariana. Vim atrás de você porque te amo, e porque quero que nós fiquemos bem. Mas no primeiro instante que você se vê livre, já está num encontro com um completo estranho!""Como ousa-""Eu deveria saber. Todos esses anos te deixando dentro de casa, te impedindo de trabalhar, de ter que suar ou deixar essas mãos... Oh, essas lindas mãos intactas... Tudo isso foi em vão, não é? Porque essa é a sua natureza.""Você não pode estar falando sério!"James observa tudo em silêncio, chocado. Maximilian está vermelho de raiva."É claro q
Mariana está sentada na enorme cama de casal, onde repousam duas enormes malas, roupas, itens de maquiagem e alguns livros. Secando mais uma das insistentes lágrimas, ela coloca mais alguns itens na mala da direita. Que vergonha tinha passado naquela cafeteria! Alguns segundos depois que James e Maximilian começaram a se socar, três funcionários do local precisaram separá-los, e a briga de verdade só teve fim depois que ameaçaram chamar a polícia. Max saiu do lugar, chutando algumas mesas e cadeiras. James acompanhou Mariana até fora do local, e depois a abraçou e lhe ofereceu seu ombro para que chorasse até não aguentar mais. Ele ainda não tinha dado sinal de vida. Depois de conversar mais um pouco, pedir desculpas e agradecer pelo convite de James, Mariana voltou se sentindo derrotada pra casa. Aquele episódio era o que ela precisava para tomar uma decisão. Não tinha mais tempo a perder. A moça nunca mais seria humilhada daquele jeito. Não, Mariana não permitiria que ninguém lhe
“Mariana?”A moça tira os olhos da tela do computador e observa sua colega, Ruth, que segura nas mãos uma prancheta.“O senhor Jones quer falar com você.”A moça bufa audivelmente.“Mesmo? O que ele quer?”“Não sei. Mas ele me pediu para te passar esse recado. Depois do expediente, dá uma passadinha na sala dele.”“Claro. Obrigada, Ruth.”A mulher vai embora para tomar conta dos próprios afazeres. Mariana tenta se concentrar no trabalho à sua frente, mas não consegue.O que o seu chefe queria? Desde que chegou na cidade e conseguiu o emprego, modéstia à parte, ela era a funcionária mais competente daquele escritório. Sempre chegou no horário, e quando necessário, ficava até mais tarde para ajudar algum outro funcionário.Irritada, a mulher fez cara feia e resmungou:“É melhor que seja uma oportunidade de promoção.”Quando finalmente o relógio digital em cima da sua mesa lhe mostrou o horário de saída, Mariana finalizou suas atividades, colocou seu casaco, pegou sua bolsa e, ao invés d
Mariana tamborila os dedos em cima da mesa do escritório e olha para a tela em branco, sinal de sua fadiga e estresse.Aquilo sim era uma ironia, já que o escritório ficava na sua casa, e que supostamente, trabalhar dentro do lar era a solução adequada para mantê-la calma.Já fazia uma semana desde o terrível incidente na sala do senhor Jones, e toda vez que se lembrava do semblante de tristeza, choque, nojo e vontade de morrer que se passou no rosto do chefe, ela se sentia vermelha de vergonha.A consulta ao pré-natal daquela semana ainda iria acontecer. Mariana não queria saber o sexo do bebê. Só de saber que ele seria saudável, e que teria uma vida mais digna do que ela mesmo teve…A moça suspira. Ela se levanta e vai para o jardim observar as flores.Sua mãe havia sido muito mais generosa do que ela jamais pensou. Quando contou para ela o que o cafajeste de seu ex-marido havia feito, e em qual situação Mariana se encontrava, a mesma fez questão de deixá-la ficar com o imóvel que u
A primeira coisa que se passa na mente de Mariana é simplesmente levantar e ir embora, sem dizer uma única palavra.A segunda coisa é sorrir, acenar e mandar aquela velha para o inferno e, então sim, levantar e ir embora.Mas o nervosismo, a confusão e a hesitação fazem com que a moça simplesmente fique boquiaberta por alguns segundos antes de dizer:"Olá", responde Mariana, tentando manter a compostura, embora seus pensamentos estejam acelerados. Ela observa a expressão serena no rosto de Isabella. Como aquela mulher tinha a encontrado? Apesar de estar tentando manter a calma, Mariana quer muito segurá-la pela gola da blusa e sacudí-la enquanto a enche de perguntas.Isabella sorri gentilmente e diz: "Espero que não se importe por eu ter mantido o anonimato. Prezei pela minha segurança e também pela sua ao escolher esse método. Tenho acompanhado a situação difícil pela qual você está passando e senti que era hora de intervir."Mariana franze a testa, ainda processando a revelação. E
Maxwell Philips olha para Mariana com um sorriso sarcástico nos lábios. Seus olhos frios e penetrantes parecem analisá-la de cima a baixo, como se estivesse estudando um objeto de experimento."Surpresa em me ver aqui, cunhada?" ele diz, sua voz carregada de desprezo.Mariana tenta disfarçar a perturbação que sente ao ver Maxwell ali. Ela sabia que ele odiava Maximilian, mas não conseguia entender completamente os motivos. Agora, diante dessa situação inesperada, sua mente se enche de dúvidas e receios."O que você quer, Maxwell?" ela pergunta, lutando para manter a compostura.Maxwell dá um passo mais perto, seus olhos fixos nos dela. "Eu vim oferecer um acordo", ele responde com um tom sinistro. “Você já deve ter falado com a minha mãe.”Atrás dela, Isabella se aproxima e coloca uma das mãos na cintura.“Bem, filho, você sabe que eu sempre tento a diplomacia antes de tudo.”“E nós dois sabemos que Mariana sempre preferiu as coisas do jeito mais difícil, não?”, ele ri, cúmplice.Sent
Mariana se encolhe no canto do beco, tentando controlar sua respiração acelerada e abafar os soluços de choro. Ela se agarra à esperança de que as vozes e passos que ouve não sejam de Maxwell ou Isabella, mas o medo a consome, e ela não pode deixar de temer o pior.Os ruídos se tornam mais altos, indicando que as pessoas estão se aproximando rapidamente. Mariana pressiona uma das mãos contra a boca para conter qualquer som que possa traí-la. Seu coração bate forte em seu peito, e a tensão aumenta a cada segundo.De repente, um vulto passa pelo beco, e Mariana prende a respiração. Ela se encolhe ainda mais, tentando se fundir às sombras, esperando que não seja vista. Os passos param bem próximos ao seu esconderijo, e a moça fecha os olhos, esperando o pior."Você viu alguém correndo por aqui?", pergunta uma voz masculina."Não, não vi ninguém", responde outra voz, feminina. "Provavelmente só foi nossa imaginação. Esse beco é meio escuro e dá um arrepio."Mariana não reconhece as vozes,
“Não gosto disso, Mariana.” Caminhando ao seu lado, estava James, o homem que a encontrou no dia em que a moça descobriu a traição; o homem que havia salvado sua vida. Ele repete com mais ênfase:“Não gosto nada disso!”“Eu sei, James, eu também não. Mas acredite em mim, é o único jeito.”“Mariana-”“Vai ficar tudo bem.”“Como vai ficar tudo bem? Porque do nada sua ex-sogra e seu ex-cunhado querem se aproximar de você? Você mesma me disse que-”“Sim, James, mas você precisa confiar em mim. Eu sei o que estou fazendo, não vai acontecer nada de mal comigo.”“Se não vai acontecer nada de mal com você, então porque você se sentiu na obrigação de me trazer como testemunha?”Mariana para de andar. Os dois estão há minutos de chegarem no parque, o local do encontro combinado entre Mariana, Isabella e Maxwell.“Você confia em mim?’“Eu-”“Confia ou não?”Vencido pelo cansaço, James suspira profundamente antes de responder:“Sim.”“Obrigada.”Mariana dá um abraço apertado no amigo. Os dois vo