04. Ponto de virada

Mariana está sentada na enorme cama de casal, onde repousam duas enormes malas, roupas, itens de maquiagem e alguns livros. Secando mais uma das insistentes lágrimas, ela coloca mais alguns itens na mala da direita.

Que vergonha tinha passado naquela cafeteria! Alguns segundos depois que James e Maximilian começaram a se socar, três funcionários do local precisaram separá-los, e a briga de verdade só teve fim depois que ameaçaram chamar a polícia.

Max saiu do lugar, chutando algumas mesas e cadeiras. James acompanhou Mariana até fora do local, e depois a abraçou e lhe ofereceu seu ombro para que chorasse até não aguentar mais.

Ele ainda não tinha dado sinal de vida. Depois de conversar mais um pouco, pedir desculpas e agradecer pelo convite de James, Mariana voltou se sentindo derrotada pra casa.

Aquele episódio era o que ela precisava para tomar uma decisão. Não tinha mais tempo a perder. A moça nunca mais seria humilhada daquele jeito.

Não, Mariana não permitiria que ninguém lhe tratasse daquela forma tão cruel e desrespeitosa.

Ela já tinha telefonado para a mãe e lhe contado tudo. Também pediu segredo e prometeu que iria manter contato assim que as coisas estivessem resolvidas. 

Agora tudo o que ela precisava fazer era acabar com aquelas malditas bagagens.

O que ela estava prestes a fazer era arriscado demais, mas talvez fosse a única chance de sobreviver àquele inferno em que sua vida havia se tornado.

Naquela manhã, Mariana se sentiu assustada, feliz e esperançosa ao descobrir que havia uma vida crescendo em sua barriga. No entanto, em pouquíssimo tempo, todo aquele sonho foi se desfazendo como água.

Seus pensamentos são interrompidos quando as portas duplas do quarto são abertas. 

Maximilian está mais ou menos vestido, já que tanto a camisa quanto a calça estão aos pedaços.

Em outra vida, se a circunstância fosse outra, Mariana correria até ele e perguntaria o que havia acontecido, se estava machucado ou ferido.

Mas agora, tudo o que ela fez foi lhe lançar um olhar gélido e voltar a fazer o que estava fazendo.

"Saí para beber no bar do Timmy", ele murmura.

A moça nem mesmo diminui o ritmo da arrumação. Max continua:

"Acabei exagerando na dose. Arrumei uma briga e fui roubado. Tive que vir andando até aqui. Peguei um atalho pelos becos da cidade e fui atacado por alguns cachorros." Ele aponta para as próprias roupas. "Foi por isso que fiquei assim."

Mariana não diz ou fala nada.

As portas se fecham e Maximilian chega mais perto da mulher. Parece que só então ele se dá conta do que ela está fazendo.

"O que é isso?"

"Duas malas."

"E para quê?"

"Para mim."

Max parece não entender muito bem. Ele olha mais uma vez para as malas, sendo que uma delas estava quase lotada, e para os demais itens espalhados pela cama. O homem ergue uma das sobrancelhas.

"Você vai viajar?"

"Vou."

"E quando iria me contar isso?"

"Eu não ia."

Silêncio.

"Mariana, que droga está acontecendo?"

A moça finalmente fecha o zíper de uma das malas e a apoia no chão. Ela prende o cabelo escuro num rabo de cavalo apertado antes de se concentrar na segunda mala e perguntar:

"O que parece que está acontecendo?"

"Parece que você queria ir embora sem me contar."

"Como é esperto. Não à toa é um grande empresário."

Maximilian não está agressivo como antes na cafeteria, e suas veias não estão saltadas. É mais como se sua perplexidade estivesse alcançando níveis estratosféricos.

"Por quê?"

"Preciso mesmo responder?"

"Olha, eu... Sei que fui um total babaca. Não deveria ter falado aquelas coisas. Estava com raiva e nervoso e... Quando te vi com aquele cara-"

O olhar gélido da moça faz com que ele pare de falar, vacilando no meio da frase. Quando Mariana volta a se concentrar na mala restante, Maximilian tosse antes de dizer:

"Eu não tenho nenhuma justificativa para isso. Não tenho nenhuma desculpa. E sim, você está completamente certa em querer viajar sem mim, espairecer um pouco. Eu entendo."

A mulher não diz nada. O homem continua:

"Sei que em breve nós vamos estar bem de novo. Somos um casal forte. Sempre... Bom, nós sempre superamos todas as dificuldades juntos."

Ele abre um sorriso forçado, mas medo está presente em sua expressão. Mariana não corresponde ao sorriso, mas começa a encará-lo praticamente sem piscar.

Maximilian engole em seco.

"E quando você volta? Sem pressão, é claro. Apenas para eu me preparar."

"Nunca."

Mais segundos de silêncio. Nervoso, ele dá uma gargalhada estranha, tossindo no final.

"Nossa, Mariana, como você é engraçada. Mas não brinque com essas coisas, tá bem? Agora diga." Ele coça o nariz. "Quando você volta?"

"Eu já disse. Nunca."

A frieza na voz dela faz com que os olhos dele fiquem ainda mais vítreos. Ela estava mesmo falando sério.

"Ei. Que isso. Você não está-"

"Eu estou falando muito sério."

Mariana apoia a segunda e última mala no chão.

"Vou partir essa noite. Os papéis de divórcio estão na cozinha. Peço que você os assine e me mande uma cópia por e-mail ou correspondência. Meu advogado entrará em contato com você daqui a alguns dias."

"Mariana."

"Peço que, se possível, você assine os papéis rapidamente. Assim poderemos evitar mais desconforto na vida um do outro, e seguirmos com nossas vidas."

"Mariana!!!"

"Não haverá uma conversa. Não haverá discussão. Eu já te perdoei no passado, sempre tentando entender o seu lado e sendo a melhor pessoa possível pra você."

Ela dá um passo em direção a ele. Há lágrimas nos olhos do homem, mas a moça não se abala ou se deixa comover com elas.

"E tudo o que eu ganhei em troca foi a sua rispidez, sua falta de respeito e total falta de comprometimento. Ainda tive que escutar aquelas barbaridades mais cedo, em público, como se fosse algum tipo de..." Ela fecha os olhos e cerra os punhos, voltando a se controlar. "Bem, essa foi a última vez. Adeus."

Mariana pega as duas malas e começa a arrastá-las enquanto sai do quarto.

Ela desce as escadas com um pouco de dificuldade, e quando já está atravessando a sala de estar, ouve Maximilian gritando:

"NÃO FAÇA ISSO COMIGO, MARIANA!"

O grito está cheio de dor e medo, medo como Mariana nunca tinha escutado na voz dele antes. Mas mesmo assim, ela continua firme e inabalável. Há um carro preto esperando por ela mais a frente, do lado de fora da propriedade.

Chegando perto do enorme portão, a mão de Maximilian segura sem seu ombro firmemente, sem machucar. Ela olha para trás. O homem está ofegante e vermelho, mas os olhos escuros não demonstram rancor ou fúria.

Não, aquilo era pânico. Pânico total.

"Não faça isso", ele murmura, ofegante. "Por favor, fique. Vamos conversar. Não faça isso comigo, Mariana."

Um choro dolorido e sincero toma conta das feições dele. Mariana apenas observa.

"Eu vou mudar. Te juro, Mariana, juro por qualquer coisa, por qualquer pessoa. Mas por favor, não me deixa..."

Ele se ajoelha nas pernas dela, abraçando-a e molhando sua roupa com as lágrimas. Ela jamais tinha o visto tão emotivo.

Mesmo assim, ela foi firme. Tirou os braços fortes de Maximilian do próprio corpo, olhou para ele e sussurrou pela última vez:

"Adeus."

E saiu andando em disparada para o carro preto.

"NÃO!!!! MARIANA!!!!"

O som de passos rápidos indicava que Max estava correndo atrás dela. Ela apressou ainda mais o passo, amaldiçoando o peso das próprias malas.

"MARIANA!!!!"

Chorando, a moça finalmente entrou no carro, que já estava destrancado.

No volante, James não perdeu tempo com perguntas estúpidas. Apenas acelerou em direção à rodoviária; o último favor que Mariana havia lhe pedido assim que chegou em casa, antes de arrumar as malas.

Ainda muito chorosa, ela olhou para trás. Max corria atrás do carro, também aos prantos.

O desespero fez com que o homem continuasse, incansável, gritando o nome de sua esposa sem parar; cada apelo era pior que o outro.

Mas depois ele se cansou. E caiu, exausto, no meio do caminho.

Mariana chorou o trajeto inteiro até a rodoviária, onde estaria o ônibus que a levaria para sua cidade natal...

... Onde recomeçaria sua vida.

Com seu bebê a caminho.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo