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Capítulo 3 - Confrontos

Mayara

A cidade onde vivo é Rivara. Ela é dividida em duas partes, e essa divisão evidencia seus contrastes. De um lado, há bairros iluminados e cheios de opulência; do outro, áreas negligenciadas e deterioradas. Pertenço à segunda opção. Nasci do lado pobre e sem acessibilidades; toda a minha família veio desse mesmo lugar. A precariedade sempre esteve à nossa mesa, o trabalho árduo nos faz companhia e o cansaço se deita em nossa cama. Eu poderia esmorecer, como muitos familiares, aceitar e apenas sobreviver, mas resolvi que quero ir contra as estatísticas e mudar a minha realidade.

Trabalho meio período em um café perto do prédio da escola onde estudo. É corrido, mas, para mim, representa um refúgio em meio a essa realidade dura e uma possibilidade de melhor remuneração do que se eu trabalhasse no meu lado da cidade. Todos os dias, enfrento uma rotina que pesa tanto quanto os olhares julgadores de quem não gosta de me ver “usufruir” do que não é meu.

Minhas manhãs começam bem cedo. Preciso acordar antes do sol nascer, me arrumar e sair de casa a fim de chegar à escola a tempo. Eu me alimento nos horários dos lanches porque isso faz diferença para mim, e não posso perder as refeições gratuitas. Após a rotina estudantil, sigo diretamente para o trabalho. Faço de tudo um pouco, desde atendimentos até ajuda na limpeza. Fico lá até o fim da tarde e, quando saio, vou andando para casa. Cuido do jantar, realizo alguma tarefa doméstica, tomo banho e estudo algumas horas antes de dormir. Todos os dias sigo essa rotina e, mesmo cansada, lembro-me de que todo o esforço valerá a pena.

Hoje, não seria diferente. Chego no café e prendo os cabelos em um coque, coloco avental e touca. Vou para trás do balcão e, com mãos ágeis, começo a preparar os pedidos do primeiro cliente. Repito o passo a passo e agradeço quando recebo moedas de gorjeta, que coloco no bolso do avental. Esse dinheiro extra eu me permito esconder para o meu futuro, já que todo o meu salário fica para as contas de casa. Sei que podem me achar mesquinha, mas moro com meus pais e minha avó. Nossa pequena e humilde casa está sempre cheia de parentes e me incomoda o fato de todos se acharem no direito de usar o que é do outro sem pedir. Não tenho nada que seja só meu. A falta de condição é gritante, mas a falta de colaboração da minha família também pesa.

Sei que não posso contar com eles para os estudos que quero fazer no futuro e que só estou estudando do outro lado da cidade porque consegui uma bolsa, graças à boa nota que tive em uma prova do programa de incentivo. Entendo que, por falta de oportunidades, a esperança da maioria dos nossos foi minada, mas quero tentar algo diferente, nem que, para isso, eu tenha que mentir que não recebo gorjetas para guardar essa pequena parte para o meu futuro.

A porta de vidro se abre, e um grupo de jovens animados passam por ela. Entre eles, está Caíque. Nos vimos rapidamente mais cedo, mas, mesmo assim, quando seu olhar cruza o meu, sinto meu interior se aquecer. Disfarçadamente, ele pisca um olho para mim, e eu me seguro para não sorrir.

Se meus familiares soubessem que namoro alguém do outro lado, ouviria muitas reclamações. Eles não aprovariam, assim como a família dele também não me aceitaria.

Volto ao atendimento quando minha colega de trabalho sinaliza que podemos trocar de lugar por um tempo. Vou atender as poucas mesas, e ela fica no balcão. A tranquilidade do ambiente é interrompida quando distraída, alcanço no bolso o avental, o meu bloquinho e caneta. Uma mão masculina segura meu braço, fazendo-me parar no lugar.

— Oi, moça. Acho que você não me ouviu chamar.

Fico sem resposta, ainda mais ao perceber que ele sempre vem aqui e, em todas às vezes, puxa assunto. Deve ter idade próxima à minha. Não entendo suas ações, mas não gosto do fato de ele pegar meu braço sem autorização. Tento puxá-lo, mas ele não me solta de imediato, como se não entendesse o que quero.

— Me solta — sussurro, e ele afasta a mão com pressa.

— Desculpa. — Ele sorri.

Desde o momento em que ele pegou meu braço, minhas pernas fraquejaram e senti o mesmo desespero de algumas noites atrás, quando um homem bem mais velho tentou me agarrar enquanto eu voltava para casa. É como se eu revivesse tudo aquilo, mas ao contrário do chute que dei no homem para conseguir correr, eu travo.

Antes que eu pudesse reagir e responder, Caíque se levanta e sai de perto dos amigos, vindo ao meu encontro.

— O que está acontecendo aqui? — pergunta, colocando a mão no ombro do outro.

A tensão no ar é palpável. Por alguns segundos, o tempo parece parar, e todos os olhares se fixam na situação.

— Nada, estou conversando com ela — responde o homem, surpreso.

— Você está confortável? — Caíque me questiona, e eu nego devagar.

— Ótimo, agora você já sabe que ela não está confortável. A conversa acabou. — Caíque retruca.

O outro, tenta falar, mas a postura inabalável de Caíque não dá espaço. O clima começa a pesar, e os dois discutem, mas eu não consigo raciocinar muito bem. Nesse momento, o gerente do café, percebendo a gravidade da situação, intervém com a autoridade necessária:

— Lamento, mas preciso pedir que você se retire. — O jovem se levanta e retruca, indignado. — Não quero saber suas intenções, rapaz. Apenas saia.

O homem de meia-idade conduz o outro até a porta. Quando retorna, se vira para o Caíque e aponta o dedo. — E se você continuar, sairá também.

Olho ao redor e não gosto da atenção que estou recebendo, então me apresso em me distanciar e sigo para a cozinha.

Tenho vontade de chorar. Cansaço, vulnerabilidade, chateação. Sou um emaranhado de sentimentos prontos a transbordar pelos meus olhos, mas respiro fundo e seguro tudo. Tenho que voltar ao trabalho.

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