Início / Romance / EM BUSCA DO SEU PERDÃO / Capítulo 9 - Sofrimento
Capítulo 9 - Sofrimento

Caíque

Ela se foi.

Fico parado no jardim, olhando para o portão por onde Mayara acabou de sair. Meus pés querem ir atrás dela, mas meu corpo não se move de imediato. Meu peito sobe e desce rápido, como se eu tivesse acabado de correr uma maratona. Mas não é cansaço o que sinto. É um peso enorme que se instala no meu peito, uma mistura sufocante de culpa, raiva e frustração.

Dentro da casa, a música continua, as risadas ecoam pelo salão, os brindes seguem como se nada tivesse acontecido. Como se eu não tivesse acabado de ver a pessoa mais importante para mim ir embora, machucada por causa da minha família. Como se a humilhação que ela sofreu não tivesse sido real.

Fecho os olhos por um instante, respiro fundo e aperto as mãos em punhos. Eu sabia que isso poderia acontecer. Sabia que minha família não a aceitaria facilmente, que haveria olhares, cochichos, julgamentos. Mas parte de mim acreditava que, se ela estivesse ali, no meio deles, se pudessem conhecê-la, tudo seria diferente. Desde o momento em que Mayara entrou naquela casa, percebi a atenção. Me convenci de que era só curiosidade, que não havia maldade. Mas havia. E eu deixei acontecer.

Fui ingênuo.

A porta da casa se abre atrás de mim, e passos ecoam pelo piso de pedra. Não preciso me virar para saber quem é.

— O que foi, Caíque? — A voz da minha mãe chega até mim carregada de uma falsa preocupação.

Meu maxilar se contrai.

— Você sabe muito bem o que foi — digo, sem me virar.

Ela suspira, cruzando os braços.

— Não comece com isso.

Me viro devagar. Sinto o calor da raiva pulsando nas minhas têmporas.

— Não comece? — Dou uma risada seca, incrédula. — Não comece? — repito, minha voz carregada de ironia. — Vocês humilharam a Mayara. Fingiram aceitarem, que estavam sendo educados, e no fim trataram-na como se fosse uma esmola minha!

Minha mãe mantém a expressão serena, como se realmente não entendesse o motivo da minha revolta.

— Ninguém humilhou ninguém, Caíque. Apenas comentamos que ela é uma garota batalhadora, que…

— Que precisa da minha ajuda? — corto, minha voz afiada como uma lâmina. — Como se ela fosse um projeto de caridade? Como se eu tivesse feito um favor por trazê-la aqui?

Ela suspira novamente, um pouco mais impaciente dessa vez.

— Meu filho, o mundo funciona assim. Não é culpa minha se as pessoas enxergam as coisas dessa maneira.

Meu sangue ferve com tamanha falsidade.

— O mundo não, mãe. Você. Meu pai. Os seus amigos. Vocês decidiram que ela não pertence a esse lugar. Vocês decidiram que ela não é digna de estar aqui.

Ela não responde de imediato. Apenas me observa, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado.

— Agora você está exagerando — ela diz, ajeitando a pulseira no pulso. Um gesto pequeno, mas que me irrita profundamente, como se tudo o que eu estivesse sentindo não passasse de um incômodo irrelevante para ela.

Dou um passo à frente.

— Não, mãe. O que é exagero é vocês fingirem estarem tratando Mayara bem e, pelas costas, falarem dela. O que vocês falaram para os outros? Que ela é uma menina necessitada, que sou um bom garoto por estar ajudando? Essa festa e esse circo armado são um exagero! Isso sim é ridículo!

Ela franze o cenho, como se minha resposta fosse um desrespeito imperdoável.

— Você precisa entender, Caíque. Essa garota não é para você.

Minha respiração trava. A raiva me faz ver tudo ao redor com mais nitidez. As luzes quentes da festa, os convidados bem-vestidos, os garçons servindo taças de espumante. Esse ambiente, essa realidade, não aceita Mayara. Para eles, ela é uma intrusa.

Minha mãe continua:

— Pensa que acreditei que era só uma amiga? É claro que não é! — Ela sorri, desdenhosa. — Meu filho, entenda. Ela é diferente. Ela não faz parte da nossa realidade. Não quero que você se envolva de uma maneira que vá te prejudicar no futuro. Você tem um futuro incrível pela frente. Uma família estruturada. Um caminho já traçado. Não quero que você se envolva com alguém que possa te atrapalhar.

Dou um passo para trás, como se as palavras dela fossem um golpe físico.

— Atrapalhar? — minha voz sai mais baixa, quase um sussurro. — Amar alguém agora é um problema?

Ela me olha como se eu fosse uma criança ingênua.

— Você ainda é muito jovem para entender certas coisas.

— Não, mãe — minha voz sai firme. — Você que não entende.

Afasto-me e entro na casa. O calor sufocante do ambiente me atinge, mas ignoro tudo ao redor. Meus olhos percorrem o salão, procurando algum vestígio dela, alguma coisa que comprove que Mayara esteve aqui. Mas tudo já segue normalmente. Como se sua presença nunca tivesse existido.

Meus dedos deslizam pelo bolso da calça e puxo o celular que peguei de volta mais cedo. Minhas mãos tremem enquanto abro o chat com Mayara.

Digito: Onde você está?

A mensagem fica ali, parada na tela, sem resposta. Meus olhos ficam fixos no celular, esperando que os três pontinhos de digitação apareçam, esperando qualquer sinal de que ela ainda quer falar comigo.

Mas nada acontece.

— Caíque, podemos conversar? — meu pai me chama.

Me obrigo a desviar atenção do celular e encará-lo.

— Se for para me dizer que ela não pertence a essa família, já sei a resposta — digo, cruzando os braços.

Ele suspira, passando a mão pelo cabelo já levemente grisalho.

— Ninguém disse isso. Mas você precisa entender que sua vida está traçada para coisas maiores.

Solto um riso incrédulo.

— Coisas maiores? Vocês falam como se ela fosse pequena. Como se o amor que sinto por ela fosse insignificante.

— Não é sobre amor, Caíque. É sobre escolhas certas. Você precisa estar com alguém que te ajude a crescer, não alguém que pode te arrastar para dificuldades.

Meus olhos queimam.

— Sabe o que é mais engraçado? Eu achava que vocês me amavam o suficiente para aceitar minha felicidade, para confiarem no que me faz bem. Mas, no fim, tudo o que importa para vocês é aparência. Status.

Meu pai fica em silêncio. Ele sabe que tenho razão. Mas, mesmo assim, não diz nada.

Olho para a porta novamente. Decido o que tenho que fazer e sigo até ela.

— Caíque! — Meu pai insiste. Paro por um segundo, apenas o suficiente para ouvir suas palavras. — Não faça uma besteira.

Besteira?

Engulo em seco.

Mayara sempre soube que não seria aceita. Ela tentou me avisar. Mas eu insisti. Achei que conseguiria mudar alguma coisa.

Mas eu estava errado.

Saio pela porta e começo a correr. O ar frio da noite me acerta em cheio, mas não me importo. Preciso encontrá-la.

Preciso dizer que, para mim, ela nunca foi e nunca será invisível.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App