CaíqueEu não acredito no que acabou de acontecer. Não consigo processar o que ela disse, o que ela fez, como fomos de um amor verdadeiro a isso, a esse final doloroso. Olho para trás, para o lugar onde nos encontramos, onde tudo começou, mas as lembranças agora são borradas pela raiva, pela decepção.Quando saí de lá, meu coração estava pesado, e o ar parecia mais denso, como se a cidade inteira tivesse se virado contra mim. Eu não sabia para onde ir, mas não queria ficar ali, perto de tudo o que me lembrava dela, do que construímos juntos. O que construímos... ou o que achei que estávamos construindo. Porque, se eu pensar bem, o que construímos foi uma mentira.Ela me olhou nos olhos e negou. Como pôde fazer isso comigo? Como pôde ser tão falsa a ponto de fingir choque? Tão dissimulada ao parecer triste, repetindo que não me traiu? A raiva me corrói por dentro, e é como se eu não conseguisse controlar os pensamentos. Eu queria gritar, queria que ela visse a dor nos meus olhos, mas o
MayaraEu não sei quanto tempo passei ali, no nosso esconderijo, mas parece que o tempo se arrastou enquanto eu olhava para o nada. As paredes, que antes pareciam um refúgio acolhedor, agora me cercam como um cárcere. O silêncio me sufoca, e a dor no peito é insuportável. Eu não consigo parar de chorar. Eu não queria que as coisas chegassem a isso. Nunca imaginei que o Caíque pudesse acreditar que eu estava com outro. Mas foi isso que aconteceu. Ele me olhou como se eu fosse uma estranha, como se eu tivesse traído a confiança dele de uma forma irreparável. Eu não sabia o que fazer. Não sabia como lidar com a dor que ele me causou e, ao mesmo tempo, com a culpa que me corroía por ter ficado em silêncio, por não ter dito nada sobre a gravidez.Mas como falar sobre isso para alguém que me acusa de traição? É capaz de ele piorar ainda mais a situação e me acusar de estar grávida de outro também.Eu sinto uma pressão no peito, uma sensação de estar afundando cada vez mais em algo que não c
Atualmente...CaíqueA estrada parece mais curta do que me lembro. Talvez porque eu tenha percorrido esse mesmo caminho tantas vezes no passado que parecia mais longo, ou talvez porque faz tanto tempo que não volto que tenha me apegado a uma falsa lembrança. O vento bate no vidro do carro, mas, dentro de mim, tudo está em silêncio. Sete anos se passaram, e ainda me sinto um estranho aqui, nas ruas da cidade que me viu crescer, que eu vi se desenvolver e que agora parece, de certa forma, ainda mais irreconhecível.Não é o retorno que eu imaginava. Na verdade, nunca me imaginei retornando. Mas sei que não será um reencontro com os velhos amigos ou o abraço apertado dos meus pais, cheios de saudade do filho que viveu longe nos últimos anos. Nada disso.É a necessidade que me chama de volta. Eles estão falindo. Meu pai, sempre t&a
CaíqueO sol da tarde bate forte no para-brisa do carro, criando reflexos que me cegam por alguns segundos. Eu não deveria estar aqui. Não deveria ter deixado a curiosidade me levar pelas ruas da cidade, mas, de algum jeito, fui guiado por algo que nem sei explicar. Talvez pela necessidade de ver o que mudou. Ou pela saudade de um tempo que já não existe mais. Não sei. O fato é que, agora, estou de volta, e as ruas me parecem diferentes, mas, ao mesmo tempo, iguais. Tudo mudou, mas nada muda. Confuso, eu sei, mas é como se eu estivesse preso em uma estranha sensação de imobilidade, como se o tempo tivesse parado para mim, mas continuado para todos os outros.Passo pela praça principal e vejo o mesmo banco de sempre. O mesmo banco onde costumávamos sentar de vez em quando, onde as risadas pareciam infinitas, mesmo que disfarçadas. Eu poderia jurar que, se olhasse direito, ainda veria o nosso reflexo no vidro da loja que ficava em frente. Mas não vou olhar. Não agora.Olhando ao redor,
MayaraO ambiente do café é acolhedor, familiar. O aroma do café recém-preparado mistura-se ao cheiro doce dos bolos fresquinhos, e o som suave das conversas cria uma sensação de conforto que, por um momento, me faz esquecer da correria da rotina.Eu estava ali apenas para tomar um café rápido antes de seguir para as próximas horas de trabalho, uma pausa no meio da tarde, único momento que tenho para me distrair. Ao final do expediente, corro para buscar meu filho na escola e só paro quando o coloco para dormir. Pensando no que de importante me falta fazer, o som da porta do café se abrindo me chama atenção. A campainha soa, como o prenúncio de algo que eu não quero vivenciar.Olho distraída, tentando não me envolver mais do que o necessário, mas, quando vejo quem entra, meu corpo trava. Não pode ser que ele está ali. Caíque.É difícil de acreditar. Sete anos. Sete anos desde a última vez que o vi, e agora ele está na minha frente, com aquela expressão de quem carrega o mundo nos ombr
CaíqueO barulho do interior do café ainda está vivo em minha cabeça: a mistura de vozes, o som da máquina de café, o tilintar das xícaras. Mas o que mais me marca não é o café, nem o cheiro da bebida, nem o quanto o lugar parece o mesmo de anos atrás. O que me marca é o olhar dela. Mayara. O silêncio que pairou entre nós quando nossos olhos se encontraram. Nada me preparou para encontrá-la, nem para a distância que ela impôs quando me aproximei.Minha aproximação e a conversa vazia que tentei puxar não fazem sentido. Até agora, não entendo o porquê de ter feito isso. Mas, quando dei por mim, minha boca se abriu e chamou seu nome, meus pés andaram até ela. Era como se o tempo não tivesse passado, como se eu ainda fosse o homem que ela conheceu, mas já não era. E ela sabia disso. Eu também sabia disso. Estava tão absorto em vê-la, que só acordei quando ela se levantou e foi embora.A sensação de estar em um lugar em que eu não pertencia nunca foi tão forte quanto agora. Era assim que e
MayaraEu sempre detestei essas festas de empresa. Aquelas pessoas que sorriem mais do que o necessário, as conversas que parecem ensaiadas e o som constante de vozes tentando soar como algo inteligente. Ser simpática por horas intermináveis, tentando fingir que estou ali por querer, sendo uma grande mentira. Tudo isso sempre me fez querer sair mais cedo, fugir da formalidade e voltar para casa o mais rápido possível, a fim de ficar o resto da noite com o meu filho.Estou em uma roda de conversa com outros funcionários da empresa onde trabalho, em um canto da sala. Eles falam sobre novos projetos, sobre os projetos futuros. E enquanto eu os ouço, sorrio como se estivesse dando atenção, aceno algumas vezes, mas, na verdade, estou distraída. Seguro a taça de vinho com uma mão e, com a outra, brinco, alisando a borda da taça. Talvez seja apenas uma desculpa para me manter ocupada enquanto minha cabeça continua martelando em questões que preferia não resolver.Minha mente está em outro lu
MayaraPercebendo para o rumo da noite, peço licença para os demais e me afasto um pouco, como se fosse fazer algo importante. Vou até o lado de fora, usado por fumantes. Agradeço por estar vazio. Não demora para perceber que não estou sozinha.Caíque para ao meu lado. O silêncio entre nós se estende, insuportável, mas ninguém se atreve a quebrá-lo. Olho para ele e o meu olhar se fixa no dele, tentando entender o que ele está pensando, tentando traduzir a frieza que ele tenta passar, mas que não consegue esconder. Não há mais aquele brilho familiar de antes, aquele jeito dele de me fazer sentir que tudo podia dar certo, não importa o quão tortuosos fossem nossos caminhos. Agora, tudo está frio, distante, e o tempo que passou nos transformou em dois estranhos tentando manter a mínima compostura.— O que você quer? — pergunto e ele ri com amargura.— Quero paz. Mas como não posso ter tudo o que quero...— Está tentando tirar a minha? — interrompo.— Não. Mas não sei o que minha pergunta