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Capítulo 8 - O espelho não mente

Mayara

A garota refletida no espelho não sou eu. Ou talvez seja, mas em uma versão que não reconheço. Vestindo um vestido azul-claro, de tecido leve e delicado, emprestado por uma colega de trabalho, pareço deslocada. Meu cabelo, preso em um coque frouxo, deixa minha nuca à mostra, e os brincos pequenos brilham sob a luz fraca do quarto.

Calço a sandália de salto baixo, também emprestada, depois de muita insistência. Recusei a opção do salto alto porque, se precisar andar muito, seria inviável. Coloco um pequeno curativo nos dedos para evitar machucá-los mais, já que o sapato é um número menor que o meu. Mesmo me sentindo estranha, sou grata à minha colega por me emprestar tudo isso quando comentei que tinha recebido um convite de aniversário daquele lado da cidade.

Respiro fundo. Encaro meu reflexo mais uma vez. É como se eu estivesse invadindo um mundo que não me pertence.

Não sei por que aceitei esse convite. Quer dizer, eu sei. Porque é o Caíque. E, porque, apesar de todo o medo, apesar de todas as razões que gritam para eu ficar longe do seu mundo, parte de mim deseja estar ao lado dele sem me esconder. Pelo menos por uma noite.

Pego minha bolsa e saio de casa sem alarde. Minha mãe, uma versão mais velha de mim, me observa do sofá, o olhar cansado e resignado. Ela não pergunta para onde vou, mas sei que se preocupa. Avisei dias antes que tinha recebido um convite de aniversário de um colega da minha sala e que não sabia a que horas a festa acabaria. Ela concordou, mas quer me avisar de algo, me impedir, me proteger. Mas não diz nada. Apenas assente com a cabeça, e nesse gesto, entendo quase tudo o que está nas entrelinhas.

Minha mãe está desconfiada desde dois dias atrás, quando cheguei com um pequeno bolo de aniversário. Disse que ganhei no trabalho e trouxe para comermos juntos depois do jantar. Mas a verdade é que Caíque enviou um entregador com o presente dentro de uma caixa. Fiquei emocionada. Foi a primeira vez que ganhei um bolo de aniversário. Tirei uma foto para guardar a recordação e, mesmo com a câmera ruim do meu celular antigo, é a foto mais significativa que tenho.

Isso porque não tenho nenhuma com o Caíque. Achei melhor não arriscar e alguém ver.

Mesmo com os sinais, ninguém me questionou e, por isso, não falei nada. Deixo essas preocupações para o futuro e saio de casa. Caminho até o ponto de ônibus, munida de parte das moedas que ganho de gorjeta. Aguardo ao lado de outras pessoas a chegada do ônibus. Vou conseguir pegar o último horário para ir à festa, mas depois não haverá mais nenhum. Tudo bem. Deixo para pensar em como voltar mais tarde.

No caminho, o nervosismo aperta meu estômago. Minha respiração está acelerada e minhas mãos estão geladas quando desço do ônibus. Sigo para o endereço que Caíque me passou. Ainda a uma certa distância, vejo que sua casa é uma mansão, muito maior do que qualquer lugar que já vi. As luzes brilham do lado de dentro, e o som abafado de risadas e música se espalha pela rua.

Caíque me espera no portão, elegante em seu traje social. Ele sorri ao me ver e, por um instante, todo o receio se esvai.

— Você está linda — ele diz baixinho, puxando-me pela mão e me envolvendo em um abraço.

Sorrio, mas não consigo responder. Minha garganta está seca.

Ele encaixa minha mão na curva de seu braço e me guia para o interior da casa. Imediatamente, me sinto deslocada de novo. Há muita gente, muitos rostos que não conheço. Pessoas bem-vestidas, sorrindo, conversando, segurando taças de bebida. O cheiro de perfume caro e comida refinada preenche o ar.

Então, os olhos caem sobre nós. Não de forma ostensiva, mas curiosa.

— Vem — ele sussurra, puxando-me até onde seus pais estão.

Seu pai é alto e tem uma expressão severa, mas parece cordial. Sua mãe, elegante em um vestido vinho, me analisa por um momento antes de forçar um sorriso.

— Mãe, pai, essa é a Mayara — Caíque diz, firme. — Minha amiga.

A palavra “amiga” pesa na minha pele, mas me forço a manter a postura e sorrir com simpatia.

— Ah, que bom conhecê-la, Mayara — sua mãe diz, com uma doçura ensaiada na voz. Seu pai apenas assente com a cabeça, mas não parece incomodado.

— É um prazer conhecê-los.

— Você estuda com o Caíque? — ele pergunta.

— Sim — respondo, tentando não soar tensa.

— E com o Gabriel também? — A mãe dele toma a frente. Concordo. — Ah, sim. Ele foi convidado também, mas Caíque me disse que ele tinha compromisso. Aí chamou outra pessoa. — Ela encara Caíque e depois se volta para mim, deixando claro que eu não era a primeira opção de convite. — E trabalha também, não é? No café perto da escola?

Sinto o rubor subir pelo meu pescoço. Não sei se ela está apenas sendo educada ou se há algo por trás da pergunta.

— Sim, trabalho lá.

— Que menina batalhadora — ela comenta, trocando um olhar com o marido.

Há um instante de silêncio. Então, Caíque segura minha mão por um segundo e me puxa para longe.

— Desculpa — ele murmura no meu ouvido. — Estão só curiosos.

Assinto, mas algo dentro de mim se inquieta.

A festa segue, e Caíque faz questão de ficar ao meu lado. Ele me apresenta aos seus irmãos e a alguns amigos, e logo estamos na pista de dança improvisada. Ele segura minha cintura, me conduz com delicadeza. Meus pés seguem os seus, e, por alguns minutos, esqueço onde estou. Esqueço do medo. Só há nós dois, rindo, girando, sentindo a música.

Mas a ilusão não dura muito.

Com o tempo, percebo que a atenção das pessoas ao nosso redor muda. Primeiro, sou incluída em algumas conversas, mas, aos poucos, me torno invisível.

A mãe de Caíque passa por nós e toca o ombro de um convidado, murmurando algo. O homem ri. Em seguida, percebo cochichos, olhares discretos.

— Quem é ela? — uma mulher pergunta a outra, do outro lado da sala.

— Uma amiga do Caíque — responde alguém. Mas há algo mais na voz. Um tom de desdém.

— Ele sempre foi generoso — outro homem comenta, e há uma risada abafada.

Eu entendo.

Não sou uma convidada. Não sou bem-vinda.

Sou a menina “necessitada” que Caíque trouxe por pena. A garota simples que está aproveitando uma noite em um lugar onde não pertence.

Minha respiração falha. Meu peito aperta.

— May? — Caíque percebe minha expressão e segura minha mão.

— Acho que preciso de um pouco de ar — digo, forçando um sorriso.

Saio, ignorando os olhares. No jardim, respiro fundo, tentando acalmar o tremor em minhas mãos.

Caíque chega logo atrás.

— O que houve?

Olho para ele. Quero dizer tantas coisas, mas as palavras ficam presas.

— Você não percebeu? — minha voz sai mais amarga do que eu gostaria.

Ele franze a testa, confuso.

— Do que você está falando?

Solto um riso curto, sem humor.

— Eles acham que sou um projeto de caridade seu.

A expressão dele se fecha.

— Isso não é verdade.

— Mas é assim que eles me tratam!

Vejo o arrependimento nos olhos dele. Mas também vejo algo mais.

Dúvida.

— Vou embora.

— Mayara…

— Por favor, não insista.

Viro-me e saio pelo portão, sentindo o peso daquela noite nos ombros.

Porque talvez nunca sejamos aceitos de verdade.

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