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Capítulo 4 - Olhares Cruzados

Caíque

A camisa social branca continua levemente amarrotada, mas não tenho paciência para pedir que a passem novamente. Deslizo a palma da mão sobre o tecido, tentando inutilmente alisar as dobras enquanto prendo os botões às pressas. A gravata escorrega pelos meus dedos pela terceira vez. Tento prender a ponta com mais firmeza, mas ela insiste em se rebelar, como se desse uma resposta silenciosa de que esse será o menor dos meus problemas se comparado ao caos que minha mãe está prestes a promover.

— Eu não acredito que você teve a coragem de sair por aí e se meter numa briga desse jeito! — A voz dela atravessa a porta do meu quarto como uma lâmina afiada. Ela tem esse jeito de falar que parece querer atravessar a pele, cutucar a alma e mostrar onde dói. — Você sabe que as pessoas vão falar, não sabe?

Sua voz transborda reprovação. Ela já está vestida para o evento, com seu vestido impecável, cabelos presos em um penteado elaborado, maquiagem bem feita e a postura rígida de quem tem tudo sob controle — exceto o próprio filho. Eu sempre sou o errado. Mesmo quando estou certo. E, sinceramente, isso já me cansou.

Respiro fundo e ajeito a camisa no corpo, tentando não ceder à pressão que ela coloca sobre mim.

— Não foi uma briga, foi uma discussão. E o que eu deveria fazer? Deixar o cara ser abusivo com a atendente? — repito o mesmo discurso que fiz para os meus colegas, falei que só fui ajudar, mas, na verdade, eu fiquei com muito ódio e me intrometi.

— E essa ação te faz ser bem-visto por todos? Porque alguns te acham um herói, mas outros um briguento. Queremos isso? — Não respondo e ela continua. — Eu não te reconheço mais, Caíque. Você não pode continuar assim. Suas ações não dizem respeito apenas a você. Isso tudo envolve o nome da nossa família, você entende? — Ela se aproxima, o tom de voz mais baixo, como se quisesse soar mais controlada, mas a tensão em suas palavras é inconfundível.

Olho para o reflexo no espelho. Meu rosto, que deveria estar tranquilo ou com tédio, carrega marcas de cansaço. Quero dizer que estou farto, que não me importo mais com essas aparências e com o peso que ela coloca sobre meus ombros, mas permaneço em silêncio.

Confiro minha imagem uma última vez e saio do quarto. Desço as escadas apressado. Ouço o barulho dos saltos da minha mãe atrás de mim, mas sigo em frente, ignorando seus chamados e o olhar duro que ela ainda tenta me lançar mesmo a distância.

Ao sair, encontro o motorista e, num pedido silencioso, entro no carro, aguardando que ele me leve até o evento beneficente no qual minha mãe me empurrou para ir. Eu poderia recusar, mas isso seria mais uma derrota. Mais um peso sobre os meus ombros — e já estou exausto de carregar tantas coisas.

Quando ele começa a dirigir, não demora para o cenário da cidade Rivara mudar ao meu redor. As ruas iluminadas desaparecem, dando lugar a uma parte mais modesta. O contraste é gritante, mesmo sob as luzes amareladas dos postes. Prédios simples e malcuidados surgem ao longo da via, pequenos comércios espalham-se entre as ruas.

O carro para quando o sinal fecha e, então, eu a vejo.

Ela caminha do outro lado da rua, segurando algumas sacolas nas mãos. Os cabelos estão presos de qualquer jeito. Usa uma jaqueta fina, como se o frio repentino da noite não fosse suficiente para incomodá-la. O poste acima dela pisca, oscilando entre luz e sombra, e, por um instante, sua expressão fica perfeitamente nítida.

Como se soubesse que está sendo observada, seus olhos encontram os meus e, naquele instante, ela para de andar.

É um olhar carregado de sentimentos que não sei nomear completamente. Surpresa, talvez. Saudade, com certeza. E algo mais profundo e silencioso que me preocupa e aperta meu peito. Será que ela está chateada comigo pela discussão no café? Será que, ao protagonizar aquela cena e, em seguida, ir embora sem a abraçar para dar um conforto, eu a magoei?

Tento desviar o olhar, mas a intensidade com que ela me encara me impede. A imagem dela ali, naquele lugar simples e modesto, me faz questionar por que estou indo para um evento que não significa nada para mim. Por que aceito tudo isso ao invés de estar com quem amo e se importa comigo?

O semáforo à nossa frente fica verde, e os carros atrás de mim buzinam impacientes. Penso, por um segundo, se peço ao motorista que pare. Poderia encostar, chamá-la, dizer alguma coisa e me desculpar. Mas e se eu fizesse isso? Ele contaria para minha mãe? O que inventaria para o meu atraso?

Quero fazer tantas coisas, mas, no fim, não faço nada.

O carro passa devagar e eu a observo se distanciar, até desaparecer completamente entre as sombras da rua.

O peso daquele olhar, no entanto, me acompanha pelo resto do caminho.

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