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Capítulo 2 - O Peso da Expectativa

Caíque

Destranco a bicicleta que está sozinha no pátio. Com o grande espaço agora vazio, sinto como se estivesse preso em um tipo de lembrete cruel de que, fora daquele santuário, sou apenas mais um cara sozinho.

Balanço a cabeça negativamente, tentando não pensar nisso, e me apresso em subir na bicicleta e pedalar o mais rápido que consigo até chegar em casa. Esforço-me além dos meus limites e ao chegar, deixo a bicicleta de qualquer jeito na entrada e subo correndo pelas escadas para me arrumar e ir para o cursinho. Vou chegar um pouco atrasado, mas não vou perder a aula.

Com uma velocidade admirável, saio correndo devidamente vestido, passo pela cozinha e pego uma fruta. Continuo correndo e, estando do lado de fora, penso se consigo pedalar tão rápido quanto vim. Mudo de ideia assim que vejo um dos motoristas se aproximar do carro e abrir a porta do banco de trás, dando um sinal discreto para eu entrar.

— Olá, senhor.

— Oi!

— Sua mãe falou que você chegaria atrasado e que provavelmente precisaria de alguém aqui — ele conta, quando estou prestes a tomar meu assento.

— Ela acertou dessa vez. — Dou o braço a torcer.

Eu me acomodo, e não demoramos para estar na estrada. Consigo descansar um pouco pelo trajeto e, quando chego, me preparo para passar as próximas horas sentado, estudando incessantemente.

— Estarei esperando o senhor quando sair. — O motorista avisa quando desço.

— Ok. Obrigado.

        *******************************************************************

No fim do dia, retorno para casa. Exausto, mas com o coração ainda agitado pelo encontro de mais cedo com Mayara. Desço do carro, agradeço o trabalho do motorista, desejo boa noite e ao me afastar controlo a vontade de assobiar e caminhar com passos dançantes. Minha mãe reprovaria minha ação como inadequada e me atacaria com perguntas.

Passo pela entrada, e a mudança na atmosfera é perceptível. A própria frieza impessoal é quem me recepciona. Minha mãe, com o olhar firme e a voz contida, me analisa de cima a baixo, como se estivesse procurando algum problema para consertar.

— Onde você estava?

— No curso.

— Agora eu sei. Digo, quando saiu da escola. Por que se atrasou? — Questiona sobre minha ausência e tento disfarçar o sorriso que insiste em aparecer ao recordar o real motivo. Mas sei que cada palavra dita por ela carrega a pressão de um mundo que não aceita o que sinto ou o que quero.

— Eu…

— Anda, Caíque. Por que você demorou tanto? — indaga minha mãe, sem tanta paciência, enquanto meu pai, meus dois irmãos e minha irmã se aproximam e, em silêncio, seguem para a cozinha, trocando olhares de reprovação.

— Eu… Eu tive um imprevisto.

— Qual imprevisto?

— A bicicleta estava com o pneu murcho — falo a primeira coisa que me vem à mente.

— Ela parecia ótima quando tirei do meio do meu caminho para entrar — o tom de reprovação está ali.

— Foi difícil para chegar em uma bicicletaria e pedir para encher, mas deu certo. Esqueci no meio do caminho porque estava atrasado, desculpa. — Abaixo a cabeça, não querendo demonstrar nenhum sinal de que estou mentindo. Com toda a certeza, ela perceberia.

— Hum, está certo. Que isso não se repita. — Concordo. — Agora vamos jantar, estávamos todos te esperando.

Não discuto, sigo-a para a cozinha e me acomodo.

Enquanto o jantar transcorre entre conversas forçadas e sorrisos mecânicos, deixo de ouvir meus irmãos contando sobre suas vitórias e planos ambiciosos para pensar em algo mais interessante. Minha mente vagueia para aquele cantinho secreto onde, por alguns minutos, fui livre para ser quem realmente sou. Lembro-me dos detalhes: o toque suave dos cabelos de Mayara, o cheiro floral, o calor dos braços dela, o brilho tímido em seus olhos e a sensação de que, ali, não havia julgamentos, apenas a certeza de um amor verdadeiro e uma felicidade genuína.

Durante a refeição, o peso da tradição e da expectativa imposta sobre mim e meus irmãos se torna quase insuportável. Não sei se eles se sentem estranhos também ou se já se acostumaram com nossas vidas já com enredo pronto, só esperando para desenvolvermos os papéis impostos por nossos pais. Tenho medo de perguntar e descobrir que só eu me sinto assim, piorando ainda mais minha situação atual.

Cada comentário, cada olhar direcionado a mim me lembram que estou dividido entre dois mundos: o da perfeição e das imposições, e o da liberdade e da paixão que só Mayara me proporciona. Meu coração clama por um futuro onde possa ser eu mesmo, ter a possibilidade de fazer minhas próprias escolhas, sem máscaras nem medos, sem me preocupar de estar sendo inadequado, mas a realidade se impõe com a rigidez de uma rotina que não aceita desvios.

Eu poderia me rebelar? Poderia questionar? O que me aconteceria e falasse “não”? Meus dois irmãos mais velhos nunca se opuseram a seguir outro caminho que não o que nossos pais ordenam. Eu segui o aprendizado. Minha irmã, a mais nova, segue o mesmo caminho. Temos de tudo do bom e do melhor, não é? Esse seria o preço a pagar para vivermos uma vida com tantos privilégios como a nossa?

Depois do jantar, retomo a solidão do meu quarto, onde as paredes parecem ecoar os tantos segredos que compartilhei com Mayara neste último ano. Ela é bolsista e já a havia visto na escola em anos anteriores, andando pelos corredores nas trocas de aulas, mas foi quando estávamos na mesma que nos aproximamos. Não propositalmente, por mais que eu me visse curioso com sua beleza e me sentisse atraído por sua presença, admirado em todas às vezes que ela levantava a mão e respondia a alguma questão complexa com maestria. Sabia éramos totalmente opostos, desde o lugar onde moramos, nossas famílias e poder aquisitivo. Eu sabia que não deveria me aproximar, mas não consegui evitar.

Um dia, tínhamos trabalho em grupo para fazer e conversamos muito, pouco foi sobre o trabalho em si. Não demorou para nos tornarmos amigos e, depois de um beijo roubado, a fim de não chamar atenção, começamos a nos ver escondidos. Tudo o que envolve a nossa relação demanda muito esforço. Não quero esconder o nosso namoro, mas não sei como seria falar sobre ela para meus pais. Na verdade, eu sei. Minha mãe não aceitaria. Por isso, aguardo ansiosamente pela nossa maioridade. Assim que acabar o ano, pretendo assumir o que temos e enfim, vivermos nossas vidas de preferência bem longe daqui. 

Sento-me à mesa de estudos ao lado da cama, pego meu caderno e escrevo o que está me consumindo, em uma tentativa de organizar o turbilhão de pensamentos e sentimentos. Em cada linha, confesso a dualidade que me consome: a obrigação de pertencer a uma família que valoriza a aparência e o anseio de viver um amor genuíno, mesmo que proibido.

Enquanto a noite avança, recebo uma mensagem de Mayara: um breve “boa noite, meu amor. Eu te amo!” que, mesmo simples, enche meu peito de esperança. Respondo, e com a promessa silenciosa de que, apesar dos desafios, não desistirei dos planos que traçamos juntos. Sei que amanhã, assim que vê-la, encontrarei forças para lutar, não só contra o mundo lá fora, mas contra tudo e todos que tentarem nos separar.

Fecho os olhos e, por um instante, deixo que o suave eco da voz de Mayara me conduza para um futuro onde as barreiras se transformem em pontes. E, mesmo que o peso da expectativa insista em me lembrar das dificuldades, dentro de mim pulsa a convicção de que, um dia, viverei livre para ser verdadeiramente feliz ao lado de quem eu amo.

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