Barulhos na sala me fizeram acordar. A nova garota deveria ter chegado. Tomara que ela não seja uma daquelas patricinhas que fui um dia. Levantei, coloquei meu hobby branco e passei silenciosamente até o corredor para ir ao banheiro. Escovei os dentes e os cabelos, prendendo-os, em seguida, fui até à sala. Estranho, vi um garoto – na verdade um homem- mais ou menos da minha idade, cabelos em um tom castanho e pele clara. Era um pouco mais alto que eu e falava ao celular, olhando minhas fotos. Ele desligou quando me ouviu chegar.
- Ah..oi. – fiquei meio sem graça por causa de minhas roupas.
- Oi! – ele me olhou diretamente nos olhos. – Estou no dormitório certo? – ele pegou um papel no bolso.
- Pra qual você foi indicado?
- Ala Sul, dormitório três.
- Bom, então é esse, mas pelo que eu saiba, hoje uma garota vinha para este aqui. Pediu transferência de faculdade.
- Eu pedi transferência. – ele deu um sorriso sem graça.
- Devem ter trocado as chaves de vocês. – retribuí o sorriso.
- Prazer, eu sou Gregory. – ele esticou a mão para apertar a minha e eu o fiz.
- Lizzie.... Elizabeth na verdade.
- Prazer, Lizzie. Tem problema de eu deixar minhas malas aqui enquanto resolvo esse problema dos dormitórios? Acabei de fazer cinco horas de viagem e estou meio cansado para levar essa tralha toda de um lado para outro.
- Tudo bem, Gregory. Depois você volta aqui para pegar.
- Tem algum lugar para comer por aqui perto?
- É meio longe...
- Então vou ter que esperar.
- Faz o seguinte, resolve as coisas e tome o café da manhã aqui. Já teria que fazer para mim mesmo.
- Não vai te atrapalhar?
- Não, não tem problema nenhum.
- Obrigado, Lizzie. – ele sorriu para mim e saiu. Parecia ser simpático.
Fui para a cozinha, esquentei o leite e fiz café, depois, três omeletes. Deixei tudo na cozinha e levei o que ia comer para a mesa da sala. Acho que não era preciso esperá-lo para comer. Quando acabei, deixei tudo na pia e voltei para o livro que tinha parado de ler à noite. Não deu cinco minutos e o Gregory apareceu com uma cara não muito boa.
- Deixei as coisas na cozinha, tá? – falei com ele olhando para o livro.
-Ah, obrigado. Lizzie, tenho que falar com você. – quando me dei conta, ele estava sentado ao meu lado, no sofá. Aquela proximidade me incomodou um pouco.
- O que foi? – tentei recuar.
- Fui nessa tal de Heather. – ele fez uma pausa. – Ela disse que confundiu meu nome e por isso me colocou nesse dormitório.
- Ah, sim. – não sabia o que dizer.
- Só que esse não é o problema. Ela me disse que não tem nenhum outro dormitório vago, que esse aqui é o último. – peraí, isso quer dizer que...? – Eu terei que dividir aqui com você. Mas não se preocupe, vou dormir aqui na sala porque sei que só tem um quarto e não quero tirar sua privacidade.
- Nossa, como eles se confundiram dessa forma?
- Não sei, mas ela me prometeu que assim que tiver uma vaga em outro, ela me transfere. Me desculpa.
- Você é o menos culpado disso tudo.
- Se ficar incomodada, eu pago um hotel enquanto ela ajeita essa situação.
- Claro que não, Gregory. Como te falei, a culpa não foi sua.
- Me chame de Greg, está bem? Quando me chamam de Gregory, parece que vão brigar comigo por algo que fiz errado.
- Tudo bem, Greg.
Isso definitivamente não estava em meus planos. Dividir meu dormitório com uma pessoa estranha e, ainda mais, homem. Estava insegura com essa proximidade. Depois do acidente, não fiz amigos e minha família se afastou. Gregory foi até à cozinha, comeu o que eu tinha preparado e lavou toda a louça. Pelo menos era prestativo. Continuei na sala, lendo enquanto ele conhecia o dormitório. De vez em quando, o olhava de rabo de olho, mas ele não percebia. Gregory parou na parede, avaliando as fotos. Só queria que ele não me perguntasse.
- Você tá diferente nessas fotos. Tem muito tempo? – é, sabia que ele ia perguntar.
- Dois anos. – mantive os olhos no livro.
- É seu namorado? – a ferida estava sendo aberta novamente.
- Sim... e... não.
- Terminaram? – percebi certa preocupação em sua voz.
- Gregory, me desculpa, mas não me sinto à vontade em conversar sobre isso agora.
- Ok. Vou te atrapalhar se assistir TV?
- Não, fique aí que vou para o quarto.
Greg
Não queria que tivessem errado a situação dos quartos, mas fazer o quê. Pelo menos fui bem recebido pela Elizabeth. Ela parecia ser muito fechada e percebi isso quando questionei suas fotos. Vi que tinha felicidade naquelas imagens, algo que não correspondia com suas feições atuais. Seu cabelo estava bem maior do que tinha visto, ela tinha profundas olheiras, unhas por fazer e olhar cabisbaixo. Acho que deve ter terminado seu relacionamento e se aprofundou em plena tristeza.
Fiquei muito tempo assistindo a programas que nem prestei atenção. Por algumas vezes ela passou ao meu lado e já tinha colocado outra roupa. Agora, estava com uma bermuda bem desbotada, camiseta cinza, bem maior que seu tamanho e os cabelos presos em um coque. Agora fiquei na dúvida. Ela era fechada ou muito triste?
- Greg, você quer almoçar? – ela me gritava da pequena cozinha.
- Não quero te dar trabalho. Depois como alguma coisa.
- Fazer a mais ou a menos não interfere. Vai querer ou não?
- Então sim. Obrigada.
- Sem problemas. – quando ela terminou, me servi e sentamos à mesa. Estava bem quieta.
-Você parece ser bem calada, né? – ela me olhou.
- Não é questão de ser “calada”, é que muitas coisas aconteceram para eu ser da forma que sou hoje.
- Isso está relacionado às fotos da sala?
- Provavelmente... – ela mexeu na comida sem muita vontade. – Sério, obrigado por estar perguntando, nunca ninguém fez isso, mas ainda não me sinto pronta para te contar toda a história.
- É que eu tenho um sério defeito: odeio ver as pessoas tristes. – sorri e bebi o suco.
- Melhor se acostumar a me ver assim então... – ela deu um meio sorriso.
- Não sei o que te aconteceu, mas pode ter certeza que tiro você dessa nostalgia. Te prometo.
- Até eu queria acreditar em você, Greg.
- Pode confiar. – coloquei minha mão rapidamente em sua e ela retirou. Me assustei. – Desculpa.
- Tudo bem. Vou para o quarto. – que situação estranha. Só encostei em sua
mão. Ela não precisava sair assim. De qualquer forma me levantei, peguei o computador e fiquei navegando na internet. Não tinha o que fazer nessa casa.
Lizzie
Fechei a porta de qualquer jeito e me “taquei” na cama. Por que alguém estava se preocupando comigo agora? Definitivamente não queria isso pra mim. Vivia da minha forma e bem sozinha, era o suficiente. Senti a familiar dor em meu peito se aproximar. Tirei minha velha caixa de papelão debaixo da cama e a coloquei em cima do colchão. Mais e mais fotos, cartas, pétalas de rosas secas que Brad tinha me dado... Ali era a vida que tinha ficado. Quando ficava mal da forma que estava agora, sempre lia uma carta dele específica.
“Lizzie Lewis,
Sei que hoje é uma data muito importante para nós dois, o aniversário de
nosso primeiro beijo. Muita coisa mudou ao longo desses anos, mas tenho orgulho de dizer que a única coisa que não mudou foi meu amor por você.
Nós dois passamos por inúmeros momentos juntos, alguns felizes e outros tristes, mas nada foi capaz de abalar o lindo sentimento que temos um pelo outro e hoje, na nossa formatura, quero te dizer que não me arrependo de nada que fizemos... Nada! Você foi minha primeira namorada e quero que isso permaneça assim para sempre, mas se não acontecer, te peço para nunca deixar que nada te abale, que teu sorriso lindo nunca se apague e que seus olhos sempre transmitam esse brilho que me cega cada vez que te vejo .Seu jeito animada de ser me cativa, suas atitudes me fascinam, seus beijos me levam ao delírio.
Lizzie, saiba que estarei ao seu lado para sempre! Você é a pessoa mais importante da minha vida!
Eu te amo.
Beijos, do seu Brad.”
- Me desculpa por não ser tudo isso que você me pediu. – deitei na cama e chorei.
GregQuando estava indo até o quarto para falar com ela, vi a porta entreaberta e olhei bem devagar, evitando fazer barulho. Ela estava sentada na cama, lendo alguma coisa meio antiga e depois da frase que disse e o choro repentino, consegui mais ou menos entender o que se passava com ela. O namorado tinha morrido. Vê-la daquele jeito me partiu o coração, mas o que eu poderia fazer? Lizzie era muito fechada e isso só poderia ser mudado aos poucos. Ela realmente deve precisar de um amigo para apoiá-la e ouvi-la, mas onde será que estão seus amigos? Essa solidão também era obra dela ou todos que ela amava tinham a abandonado? Voltei para a sala e “tentei” ignorar o que se passava naquele quarto. Tentei.
Ela dormiu muito bem depois que praticamente a obriguei. Lizzie realmente parecia um anjo, e um anjo bem triste. Sabia só que ela tinha perdido o namorado, mas como, não tinha a mínima ideia. Aquelas fotos mostravam uma Elizabeth que não era essa que eu via. Desde o início, me identifiquei com ela e sei lá como, me senti bem. Queria poder ajudá-la a voltar a viver e, pela primeira vez, consegui que falasse pelo menos poucas palavras. Virei para o lado, coloquei o despertador do meu celular e dormi.LizziePela primeira vez, falei algo do meu passado para uma pessoa... o estranho é que me sentia bem depois dessa situação. Muita gente tentou se aproximar de mim, ma
GregNão sabia o motivo, mas gostei muita de Lizzie desde o início. Minha amizade com ela poderia ser comparada com uma de vários anos. Ela dormiu em meu colo e não fui nem capaz de me afastar. Em nenhum momento senti pena dela, só achei injustiça da vida ter lhe tirado tantas coisas em um único dia. Ela literalmente abandonou tudo desde o dia que seus amigos morreram. Só Deus sabe a vontade que eu tinha de ajudá-la. Lizzie virou de lado e tirou a cabeça do meu colo, continuando em seu sono. E a deixei ali e fui estudar na sala, para repor o dia perdido.Algumas semanas passaram desde o dia que ela me revelou o que abalava seu coração. Percebi que r
GregFiquei por vários minutos encarando a porta depois que ela saiu. Qual o motivo dessa briga toda? Eu sei que vacilei de ter chamado Tess para ficar aqui comigo, mas aquelas palavras não eram necessárias. Não para mim, que faço de tudo para vê-la feliz. Faço mesmo? Essa era a pergunta que eu me fazia agora. Sim, faço sim! Quem não quer se ajudar agora é ela! Já perdi as contas das vezes que a chamei pra sair, fazer alguma coisa simples, mas ela sempre mantém essa armadura presa no corpo, que repele qualquer pessoa que tenta se aproximar. Troquei minha roupa e fui até à cozinha beber um pouco d’água. Quando passei, ela não me olhou, mas eu reparei. Estava enrolada no edredom e lendo, mas dessa vez, chor
GregPelo menos tudo tinha se acertado em relação a nós dois e aquela briga horrível foi esquecida. Ela me prometeu que tentaria voltar a viver, mas só se eu tivesse a seu lado para servir de apoio. Ao longo da semana, ela tentou fazer algumas mudanças e eu, como sempre, dei meu apoio. Lizzie comprou um notebook e um iPod. Por várias vezes, sem querer a vi cantando alto ou até mesmo, dançando. Sua mudança estava fazendo bem para ela e até mesmo para nosso relacionamento. Hoje, ela teria que ficar no dormitório para terminar um de seus trabalhos. Acordei cedo, tomei banho, café da manhã e fui para a aula. O “relacionamento” que eu tinha com a Tess estava ficando meio sério pela parte dela. Toda hora ela vinha ficar de mãos dadas comigo, me dar um beijo ou até mesmo me fazer carinho. Ela é uma mulher linda, que qualquer cara adoraria ter. Mas
LizzieNão estava entendendo nada dessa aproximação súbita. O que ele queria de mim? Percebi que quem era no telefone era a “namorada” dele, e logo em seguida, Greg foi para o quarto. Cada vez que ela ligava, eu sentia uma coisa estranha dentro de mim, como uma vontade enorme de tirar o telefone das mãos dele.Algumas semanas passaram. Depois daquela nossa dança, nada comparado àquilo aconteceu. Acho que ele queria se manter distante. Tentei parecer indiferente da mesma forma que ele. Aquele sentimento que estava tendo em relação a ele com Tess, piorava a cada dia. Toda vez que os encontrava na faculdade, estavam se beijando ou de mãos dadas. Tentava
LizzieNão estava suportando Gregory daquela forma. A noite demorou a passar, mas percebi que ele dormia tranquilamente. Não tinha cabeça para ir à aula hoje. Sete horas da manhã e eu já estava de pé sem o mínimo sono e muito chateada com a briga de ontem. Toda vez que eu descobria algo sobre ele e a Tess, meu coração entrava em chamas, carne viva. Não suportava saber que toda sexta à noite ele estaria com ela, beijando ela, abraçando seu corpo e não o meu. É isso, entendi perfeitamente. Eu estou apaixonada pelo Greg. Sim, como não estaria? Desde o início, me apoiou, me deu sua mão, carinho, tudo. Eu simplesmente não suportava pensar que ele ficaria com a Tess e não comigo. Ele era
Quando cheguei à boate, meu desespero fez com que eu sentisse vontade de sair correndo, mas não podia ser covarde. A batida da música eletrônica ecoava em meus ouvidos, mas só até avistar Greg conversando com os amigos. Troquei o caminho para lhe tapar os olhos.- Quem é? – tirei as mãos e ele me olhou surpreso.- Feliz Aniversário.- Lizzie?- Acho que sim.- Nossa... Não estou acreditando. Q