Capítulo 3

Greg

Quando estava indo até o quarto para falar com ela, vi a porta entreaberta e olhei bem devagar, evitando fazer barulho. Ela estava sentada na cama, lendo alguma coisa meio antiga e depois da frase que disse e o choro repentino, consegui mais ou menos entender o que se passava com ela. O namorado tinha morrido. Vê-la daquele jeito me partiu o coração, mas o que eu poderia fazer? Lizzie era muito fechada e isso só poderia ser mudado aos poucos. Ela realmente deve precisar de um amigo para apoiá-la e ouvi-la, mas onde será que estão seus amigos? Essa solidão também era obra dela ou todos que ela amava tinham a abandonado? Voltei para a sala e “tentei” ignorar o que se passava naquele quarto. Tentei.

Ela saiu do quarto horas depois, e com os olhos meio inchados, passando

direto por mim e indo até à cozinha. Tive medo de me aproximar, não queria fazê-la sofrer perguntando do passado.

- Lizzie. – disse enquanto ela voltava para o quarto.

- Oi.

- Será que você podia ir comigo até à secretaria para acertar minha primeira aula?

- Gregory, não estou muito bem, me desculpa.

- É que não conheço nada aqui... por favor. – ela ficou um tempo parada, olhando pra mim.

- Tudo bem. Me dá um minuto para colocar uma roupa.

Não a conhecia nem há um dia, mas queria tentar ajudá-la de todas as formas.

Lizzie apareceu pouco tempo depois com um vestido abaixo dos joelhos, uma sandália sem salto e seus cabelos continuavam presos. Fomos andando pelo

campus até chegarmos onde eu precisava. Trocamos poucas palavras, mas sei que a fiz sorrir uma vez. Tentei por mais uma vez descobrir o que tinha acontecido, mas vi que teria que conquistar sua confiança antes de qualquer coisa.

O domingo passou voando. Saí com alguns amigos que tinha lá e ela não quis vir comigo. Respeitei, mas até que foi bom. Só tinha homem e fiquei com uma mulher por lá. Fiquei na boate até onde pude. Minha primeira aula seria às onze da manhã, então cheguei ao dormitório às duas da madrugada. Mal entrei e derrubei algo sem querer no chão. Não era minha intenção acordá-la.

- Greg, é você? – ela apareceu na sala.

- Desculpe, quebrei alguma coisa. Você tirou meus travesseiros do sofá?

-É..é que não acho certo você dormir nesse sofá duro enquanto tem duas camas de solteiro no quarto. – pela primeira vez senti diferença em sua voz.

- Mas não será um incômodo pra você, se eu ficar lá?

- Não, uma hora ou outra alguém teria que dividir o dormitório comigo.

- Mas o problema é que não sou uma mulher.

- Tudo bem. Vou voltar para a cama. Minha aula é às nove. Boa noite.

- Boa noite e obrigado.

Peguei uma roupa na mala e fui direto para o banheiro tomar uma ducha gelada. Precisava. Não sei como seria ficar no mesmo quarto que ela, mas realmente era melhor dormir na cama que no sofá. Coloquei o pijama e fui entrando no quarto bem devagar, com medo de acordá-la. Ela estava com o abajur ligado e lendo um livro. Coloquei a toalha presa na janela.

- Você não tem aula amanhã?

- Tenho. – ela permaneceu com os olhos nas páginas.

- E não está dormindo, por quê?

- São poucas as noites que consigo dormir inteiras. Vou lá pra sala para não te

atrapalhar com a luz. – ela estava retirando o edredom para sair, mas a impedi.

- Não, não precisa disso.

- Não quero te atrapalhar...

- Não esqueça que eu cheguei aqui depois de você. – sorri para ela e a percebi encabulada. Tentei quebrar o gelo. – E aí, o que você está cursando?

- Jornalismo, e você?

- Arquitetura.

- Falta quanto tempo para você se formar?

- Três anos, e pra você?

- A mesma coisa.

- Então, vamos nos formar juntos.

- Acho que sim... – ela voltou a ler enquanto eu me deitava na outra cama.

- Estou te atrapalhando?

- Atrapalhando?

- É, falando feito uma matraca.

- Não está não, é que ainda é estranho ter alguém aqui comigo.

- Sempre ficou sozinha?

- Você deve me achar uma tremenda estranha, mas eu não era assim. – e eu já desconfiava o que seria, mas não poderia perguntar. – Sei lá, muita coisa mudou pra mim.

- O que te aconteceu, Lizzie?

- Não se sinta mal, mas eu ainda não consigo falar isso com ninguém. Nesses anos, me privei de falar e ter amigos, por isso, fiquei dessa forma.

- Mas pode ter certeza que eu sou seu amigo e estarei aqui quando você quiser falar.

- Obrigado, de verdade.

- Bom, mas agora você vai dormir porque tem aula amanhã de manhã, mocinha. – me levantei, tirei o livro de suas mãos e o coloquei na mesa de cabeceira. Passei a mão em sua testa e ela estremeceu meio surpresa. – Boa noite.

- Não vou conseguir dormir.

- Tente. – acariciei bem devagar suas bochechas e ela deu um leve sorriso.

- Vou tentar. Boa noite.

- Pra você também. – anjo.

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