2- Ecos do silêncio.

Parada no mesmo lugar, Elizabeth observava a porta por onde sua mãe havia saído. O silêncio do corredor a envolvia como um abraço frio, e ela sentia a saudade se infiltrar em seu peito como uma faísca prestes a se alastrar.

"Inacreditável."

A ideia de sentir falta de alguém que acabara de sair parecia ridícula, mas o aperto estranho dentro dela não cedia. Era como uma pequena rachadura se expandindo por dentro, e ela não gostava daquela sensação.

Talvez Theo estivesse certo. Talvez ela fosse mesmo uma bebezona.

— Liz. — A voz suave de Clara rompeu seus pensamentos, trazendo-a de volta à realidade. — Estou indo tomar café. Vem? — Questionou.

Havia algo na expressão da amiga que demonstrava confusão, talvez preocupação. Elizabeth desviou o olhar do corredor.

— Já vou. — Garantiu. Mas Clara não parecia convencida.

— Você está bem? — Clara retornou. Estou? Elizabeth se questionou ao notar seu rosto úmido.

"Chorando? Mas por quê?"

Ela limpou rapidamente as lágrimas, sentindo-se tola.

— Sim, é da conjuntivite. — Explicou limpando as poucas lágrimas que escorreram por seu rosto. Não era bem a "infecção" causando as lágrimas, mas não encontrou explicação melhor, então colocou a culpa no que pode. Afinal estava mesmo se recuperando de tal mal. — Pode ir na frente, já te alcanço. — Dispensando a amiga, falou indo em direção às escadas.

—Tem certeza? — A Molina inqueriu receosa.Temia que a amiga estivesse com problemas e lhe escondesse, então precisou perguntar. Em concordância, Elizabeth acenou.

— Claro, não é nada. Vou só lavar o rosto e já volto. — Garantiu colocando a mão no corrimão antes de correr apressada até cima. — Mas não deixe o Theo comer toda omelete, eu vou querer. — Berrou.

Não esperou pela resposta. Entrou no quarto, foi direto ao banheiro, jogou água no rosto, secou-se e colocou o colírio nos olhos.

Tudo no automático. Tudo rápido.

Por um segundo observou seu reflexo no espelho, e então sorriu decidida a ignorar aquela sentimento anterior.

Desceu as escadas indo para a cozinha.

— Bom dia, família linda! — Anunciou com animação ao entrar no cômodo que sua mãe sempre chamava de “o coração da casa”.

— Mais ou menos linda. — Corrigiu ao olhar para Theo, que nem se deu ao trabalho de responder.

Elizabeth franziu o cenho para aquela atitude mais madura de sua parte, mas ignorou. Fez um caminho direto até seu pai, abraçando-o de lado.

Com um sorriso e beijo no topo da mão, o Anderson saudou a filha que logo se dirigiu para a madrinha também lhe abraçando.

— Como passou a noite querida? — Quebrando o silêncio momentâneo, Anderson perguntou enquanto lhe passava o prato com a omelete. Alto, de cabelo curto, quase raspado e olhos castanhos, o médico tinha um comportamento reservado e era alguém muito respeitável, mas naquela manhã, havia uma sombra pesada em seu olhar, e tudo se devia a Mariana e seu comprovante anterior.

— Bem. — Elizabeth assentiu, embora omitisse o fato de ter passado metade da noite encarando o teto. — E como foi no hospital ontem? — Devolveu.

— Agitado como sempre. — Respondeu antes de dar um gole no café. Era puro e quase não tinha açúcar, coisa que sua filha pensava, nunca seria capaz de fazer, ou melhor, beber. — Clara querida, como tem passado? — Após a pergunta, a conversa mudou de foco para Clara, que tentou disfarçar um peso na voz ao falar sobre sua mãe. Mas todos na mesa sabiam que Miranda não andava bem.

A madrinha de Elizabeth, Ana, entrou na conversa. O clima ficou um pouco mais leve, mas a menina percebeu que o irmão continuava calado. Algo nele estava errado.

E não passou despercebido.

— Tio Anderson, quando vai deixar de fazer plantão no hospital? — Clara também mudou o foco da conversa para os colocar no pai da amiga. Anderson estava no turno da noite há dois meses, e não era apenas pelo amor excessivo que tinha pela profissão ou vontade de não dormir em casa, mas o hospital de Alura tinha médicos insuficientes para o turno mais agitado, então ele se transferiu.

— Daqui a um mês. — Respondeu limpando com o guardanapo a sujeira que pensou haver em sua boca. — Gostei da experiência, mas vou gostar mais de voltar a velha rotina. — Comentou nostálgico.

— O senhor fala como se estivesse perdendo alguma coisa nós últimos meses. — Theodor que até então estava em silêncio, falou. Anderson paralisou, sim, na noite anterior ele sentiu que estivesse mesmo perdendo alguma coisa. — Nada mudou, não precisa ficar tão nostálgico. — Aconselhou. — Bom apetite. — Desejou antes de se levantar.

— Ele não está bem. — Murmurou Clara assim que Theo saiu da cozinha. Elizabeth lhe lançou um olhar em concordância..

— Eu falo com ele depois. — Afirmou o médico. Talvez todos tentassem, mas naquela manhã, Theo era um enigma até para quem o conhecia bem. O café da manhã seguiu tranquilo, mas aquela estranha tensão pairava no ar.

Como se algo estivesse prestes a acontecer.

[...]

Já no Aeroporto, Ana ajeitou a alça da bolsa e sorriu para o afilhado.

— E então, meu bebê, nos vemos na volta? — Delicada, a senhora sorriu para ele. Usava calça jeans, uma camisola rosa e tênis da mesma cor, e pelo que havia dito aos seus, iria para Roo.

— Boa viagem, Nana. — Desejou o moço lhe dando um rápido abraço. Analisando seu rosto e com uma expressão de compreensão, a enfermeira pegou em suas mãos sorrindo de forma meiga.

— O que foi? Porque está com essa cara de tristeza? — Questionou. conhecia-o bem o bastante para saber que fosse o que fosse que o fez ficar calado durante o pequeno almoço e ainda durante o caminho até ali, estava lhe perturbando.

Ele hesitou não querendo aborrecer a madrinha antes da viagem.

— Nada. — Respondeu. Ana cruzou os braços perante a mentira. — Efeitos da saudades que vou sentir da senhora. — Tentou abrindo os braços. Um sorriso fraco, e pouco iluminado desenhava seus lábios.

— Mas... — Ana incentivou prevendo algo mais do que aquilo que lhe era revelado. Tinha traços bastante delicados para uma mulher de 41 anos, e o cabelo naturalmente loiro. Era enfermeira de profissão, mas fazia anos que não exercia.

— É difícil explicar, e a senhora vai perder o avião se eu tentar. — Theo comentou olhando o chão.

— Essa coisa tão difícil de explicar, tem relação com a Kim? — Esperta, a senhora devolveu.

— Talvez. — Theo respirou fundo.

Ana pousou as mãos nos ombros dele.

— Não se torture, querido. As coisas acontecem no tempo certo. — Aconselhou. Theo assentiu, mas era evidente que não estava convencido. — Agora preciso ir. Mas lembre-se: cuide da sua irmã, não aborreça os seus pais.— Instruiu erguendo o dedo de forma ameaçadora.

— Sempre. — Theodor garantiu.

— E, por favor, ignore metade dos conselhos do seu tio. — Advertiu a mulher. Theo riu, e pela primeira vez no dia, pareceu genuíno. — Donavan é boa pessoa, mas um pouco maluco e dramático. Então fique de olho aberto. — Acrescentou. Em resposta o afilhado deu um passo para frente e beijou sua bochecha.

— Esse homem maluco e dramático, quer colocar um anel no seu dedo. — Lembrou voltando a se afastar. Sorriu travesso e cruzou as mãos por trás das costas.

Ana revirou os olhos.

— Manda ele esquecer isso. — Sentenciou a senhora. Ajustou a bolsa no ombro, pegou a mala começando a marchar em direcção ao portão de embarque.

Theo ficou parado ali por um instante, apenas olhando ela se afastar. Então suspirou e foi para onde seu coração mandava.

[...]

Em Casa dos d'Almeida, a manhã seguiu tranquila. Clara, como sempre, tinha problemas com seus pais, então fugir para lá estava se tornando rotina. Então mais uma vez, e como forma de demonstrar respeito pela família, Anderson ligou para casa de Clara avisando que esta, estava em sua casa.

Miranda, atendeu o telefonema, e estava desapontada com a atitude da filha. Afinal, haviam conversado, e embora Miranda não tivesse gostado da conclusão que tiraram dali, esperava que a filha não corresse logo para se refugiar na casa dos vizinhos.

— Você precisa avisá-los quando sai, Clara. — Anderson a repreendeu com um tom firme, mas paciente. — Sabe que é bem-vinda aqui, e pode aparecer quando quiser, mas quantas vezes já falamos sobre não deixar seus pais preocupados? — Prosseguiu. — Eles ficaram preocupados. — Acrescentou adotando um tom mais brando.

— Como se ele se preocupassem. — Clara rebateu pensando no pai. Anderson a olhou atravessado. — Sinto muito. — Falou. — Não queria deixar mamãe preocupada, eu só...queria sair um pouco de casa. — Acrescentou arrependida. — Sinto muito tio, não queria causar transtornos ou envergonhar minha mãe. - Constrangida, Clara baixou a cabeça.

Elizabeth observava tudo da escada. Clara mais parecia uma irmã do que uma amiga.

— Tudo bem, eu não estou zangado. — Anderson bagunçou o cabelo da menina lhe fazendo sorrir. — E por favor, pare de pegar o carro do seu pai, você não tem habilitação de motorista. — Deixou com um aviso final.

Elizabeth riu. E em uma tentativa falha de não acompanhar a amiga, Clara sorriu de lado.

— Prometo tentar. — Garantiu.

E lá estavam os três, dentro de casa e distraídos no que faziam, sem sentir o vento calmo acariciar suas faces, ou o sol agradável tocar sua pele.

No sofá, Elizabeth navegava no celular e soltou um suspiro ao perceber que a bateria estava morrendo. Ela sabia que o irmão iria deixar a madrinha no aeroporto, faria uma visita rápida a namorada e só então voltaria para casa.

— Desgraça. — Jogou o aparelho longe e se afundou nas almofadas. Clara, por sua vez, perdeu outro jogo para Anderson.

— Só mais uma partida. Dessa vez eu ganho! — Pediu enquanto ele se levantava.

O médico apenas riu.

— Terá sua revanche depois. Agora, preciso dormir.

E subiu as escadas.

Clara virou-se para Elizabeth.

— Quando vou ganhar? — Questionou emburrando o rosto.

— Que tal: nunca. — Elizabeth respondeu para levar uma almofadada no rosto. — Se continuar tentando, um dia você consegue. — Encorajou. Clara assentiu.

— Ou... posso trapacear. — Decidiu.

As duas riram.

Deixando a posição relaxada em que estava, Elizabeth voltou a se sentar.

— Clara. — Elizabeth chamou e sua amiga apenas moveu os olhos inocentes em sua direção. — O que aconteceu? — Perguntou. Não queria quebrar o encanto, mas não saber o que afligia Clara, estava lhe deixando preocupada.

Principalmente porque Clara era sempre tão atenciosa e a ajudava, mesmo quando achasse que não precisava.

No entanto, os olhos azuis de Clara perderam. Opacos, lá estava a tristeza que viu mais cedo.

Imediatamente, Elizabeth se arrependeu de ter perguntado.

Mas já era tarde.

Clara esboçou um fraco sorriso antes de falar:

— Meus pais vão se divorciar. — Despejou com pesar.

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