Elizabeth estava gastando seu tempo com coisas que sua mãe considerava demasiado improdutivas, ou seja, jogando em seu telefone até que seu pai chegou da rua trazendo consigo alguns sacos das compras que recentemente havia feito, e uma animação exagerada para quem iria apenas cozinhar. Sua filha lhe perguntou o que era, e Anderson, sem conseguir se conter, disse que faria um jantar especial para comemorar a vitória da esposa no tribunal.
Aquela vitória era esperada, porém nova. Então, a menina se animou com a iniciativa do pai e logo se ofereceu para ajudar. Começaram a mexer nas panelas, aqui e ali, fazendo algum barulho que atraiu a atenção de Theo para a cozinha, que, percebendo o que era feito, também ofereceu ajuda. Então, disponíveis e com uma certa felicidade, estavam todos empenhados em fazer um jantar especial para Mariana. Faziam meses que a mulher de longos cabelos cacheados estava incansavelmente trabalhando naquele caso, tentando provar que a ex-esposa de um médico não havia cometido suicídio, mas sim que havia sido assassinada pelo próprio ex-marido, que, após meses desfrutando de liberdade, encontrava-se agora preso pelo homicídio. Cortesia de Mariana d'Almeida, a mãe e esposa daquela família. — O que é isso? — Notando a pequena caixa de veludo preta em uma das sacolas sobre o balcão, Elizabeth perguntou ao pai. Seu dedo apontava, e seus olhos se mostravam curiosos. — É para sua mãe. — Anderson respondeu sorrindo. Não havia se esquecido do assunto inexplicado da madrugada, ou da agitação que aquilo lhe proporcionava, mas já que ele havia ganho, iria celebrar. — Ela merece, por ser uma mãe, esposa, profissional e pessoa incrível. — Falou de modo apaixonado, fazendo a mais nova sorrir. Admirava o relacionamento dos pais e imaginava como deveria ter sido desde o princípio. — Queria dar para ela o mundo, mas como não consigo, vou dar o que estiver ao meu alcance. — Acrescentou. Olhando para o pai, ela pensou que, se um dia fosse se casar, queria que fosse tão doce e bonito quanto o casamento dos seus progenitores. Já Theo desejou poder envelhecer ao lado de Kimberly. — Tenho certeza que dona Mariana vai amar seu presente, Pai. — Theo comentou, terminando a tarefa que havia se auto designado: pôr a mesa. Ele ainda estava tenso, mas ao menos já se comunicava mais do que estava fazendo pela manhã. Sua irmã inteligente notou. [...] Com a pasta de trabalho em mãos, andamento confiante e sorriso cativante, a bela Mariana d' Almeida adentrou o edifício espelhado em que trabalhava. Um passo após outro, entrou no elevador. Em seu coração, habitava uma chama de emoção pela vitória alcançada, embora devesse confessar, o medo e a preocupação anterior ainda a cercavam, e calando momentaneamente tudo o que sentia, uma chuva de aplausos chegou aos seus ouvidos quando pisou em seu andar. Seus colegas estavam em pé, lhe aplaudindo e assobiando. Não era apenas pela vitória e pelos bons bônus que traria, mas pelo impacto da decisão. Finalmente, justiça havia sido feita. — Obrigado, pessoal, realmente obrigado. Foi um duro caminho, mas aqui chegamos. — Comentou emocionada, erguendo a mão que ainda continha a pasta do caso. Outra chuva de aplausos veio. — Mas vocês estão se esquecendo de que eu não trabalhei sozinha nisso. Afinal, a polícia fez o grandioso trabalho de investigação. Eu só fui atrás do que ninguém viu. - Modesta, declarou. — Aceite a vitória! — Alguém gritou, arrancando um riso sem graça de Mariana. — É claro, eu estou imensamente feliz. Afinal, alcancei o que queria. — Celebrou com mais entusiasmo. De longe, e antes que tivessem se afastado, percebeu o olhar de desaprovação de duas mulheres conhecidas. Uma era Helena Nava, sua amiga. A outra, Evelyn Fox, uma colega com quem sempre teve uma desavença. O olhar pesado de Evelyn podia ignorar, mas o da amiga não. Então se esgueirou entre os colegas que se aproximavam mais e mais para lhe elogiar até a sala de Helena. — Meus parabéns. — A senhora Nava proferiu assim que notou Mariana em sua sala, mas sem olhá-la diretamente. — Não pareceu. — Mariana deixou a pasta do caso no sofá que ali estava e foi para mais perto da amiga. Tão perto que até se sentou na borda da mesa dela. Um suspiro pesado escapou de sua boca, a relação entre elas não estava na melhor época. — Não finja que não sabe porquê estou te tratando assim, e não se atreva a me ver como alguém invejosa. - Apontando o dedo, a mulher de cabelos escuros alertou. — Ah, Helena, acha mesmo que eu pensaria tal coisa sobre você? — Mariana devolveu se levantando da mesa. Deu uma volta completa suspirando alto, e então se voltou para a amiga. — Sei que está chateada, e tem razão, mas não me conhece mais? Eu alguma vez pensaria coisas do gênero sobre você? — Repetiu com uma indignação que não poderia ser escondida. — Eu não sei, Mari. Eu não sei mais nada. — Resmungou Helena.Encostou a cabeça na cadeira giratória e olhou o teto. — Sei que as pessoas não são perfeitas, mas não pensei que você um dia se envolveria em algo assim. — Acrescentou cabisbaixa. A preocupação estava estampada em seu rosto. Pensava nas "recentes" ações da amiga, e rezava para que não viessem ao cimo. Porque se viessem, não saberia medir as consequências. Mariana suspirou, voltou a se sentar segurando a mão da amiga. — Eu sinto muito por ter te decepcionado. Não era meu objetivo. Eu não queria que as coisas fossem assim, você me conhece, eu não teria feito as coisas assim, mas... — Agitada, as palavras de Mariana se perderam no ar deixando um rastro de preocupação. — Eu vou resolver. - Determinou, mas nem seus olhos ou voz demonstravam convicção. Helena hesitou, mas finalmente cedeu um pouco sobrepondo a outra mão da amiga. — Como vai resolver? E mesmo que resolva, vai ficar tudo bem? — Questionou angustiada. Marinha fechou os olhos abanando a cabeça, não, não ficaria tudo bem. — Mariana, eu me preocupo que acabe se machucando. — Emotiva, Helena comentou. Se conheciam a anos, mas aquela era a primeira vez que não se orgulhava das escolhas que a amiga fez. — Eu não vou me machucar. — Garantiu com a voz fraca, um fiapo dela. — Confie em mim e não conte a ninguém. — Pediu com certo desespero. — Por favor. — Repetiu com os olhos marejados. — Mariana. — Helena murmurou angustiada. Mariana abaixou a cabeça tentando suprimir o choro que se formou em sua garganta. — Eu queria ter mais tempo. — A d'Almeida comentou com pesar. Um desespero mudo em sua postura, um peso demasiado grande em seu coração. — É só o que quero. — Murmurou. Um segundo passou, e a porta foi bruscamente aberta. O coração de Mariana descompassou, mas era apenas Adam, seu amigo, mas naquele momento, seu rosto não tinha nada de amigável. — O que está acontecendo? — Seus olhos viajaram de uma para outra. — O e-mail que enviou, o que quer dizer com isso? — Questionou focando os olhos em Mariana. — Celeste. — Agitado, insistiu perante o olhar cansado dela. — Ela perdeu o juízo. — Helena comentou. Ainda segurava a mão de Mariana, mas seus olhos decididos estavam em Adam. — Se ao menos tivesse descoberto no início, as coisas não teriam chegado nisso. - Se queixou desgostosa. — Chega, já disse que vou resolver. — Mariana se levantou ajeitando o vestido. — Adam, é exatamente o que expliquei no e-mail, mas não me pergunte como cheguei a isso porque não saberia explicar. — Pediu com o ar mais fragilizado. — Estou tão arrependida do rumo que as coisas tornaram, mas não há volta a dar. — Suspirou. — Não se preocupe, eu vou ficar do seu lado até resolver tudo. — Encorajando, Adam colocou as mãos em seu ombro. — Helena, essa conversa não pode sair dessa sala. — Instruiu lhe dirigindo o olhar. — Vamos nos sentar, e conte tudo, desde o princípio. E eu ainda vou ficar do seu lado.— Garantiu. Mariana se afastou, passou as mãos pelo rosto antes de ouvir seu telefone tocar. Era um alerta de que havia chegado uma mensagem. Foi até a pasta do caso, e de lá tirou o aparelho prateado. — O que foi? — Adam observou suas feições enquanto lia a mensagem, e não gostou nada de como pareceu mais tensa. — Estou indo para casa. — As palavras deslizaram da boca de Mariana na tentativa de esconder mais um segredo. — Por favor, não conte para ninguém e me deixem resolver. — Pediu mais uma vez. Helena assentiu, o que mais poderia fazer? — Mariana. — Adam a chamou. A voz demonstrando um medo incomum perante a mentira que notou. — Desde quando você me chama de Mariana, Adam? — Mariana sorriu sem humor.— Nos vemos amanhã, está bem? — Falou antes de sair daquela sala. [...] Já passavam das sete, e Mariana ainda não havia chegado. Pensaram que talvez tivesse perdido as horas enquanto comemorava com os colegas, mas seu telefone dava como desligado. Ainda assim, os semblantes estavam despreocupados. Conversavam animados até ouvir o som estridente da campainha. Se colocando em pé, Elizabeth sorriu ao pensar ser sua mãe. — Será que se esqueceu das chaves? — Perguntou Theodor, indo abrir. — Mamãe não é cabeça oca feito você. — Elizabeth aproveitou para provocar, recebendo um olhar reprovador de seu pai. — Desculpe. — Pediu um segundo depois. Anderson também se levantou para receber a esposa. Mas não era ela, e o sorriso de boas vindas de Theo, se vou forçado a desaparecer de seu rosto. e foi até a porta. — Boa noite, o senhor d'Almeida está? — A pergunta era simples, mas para Theo, pareceu ser o aviso de que algo estava mal. — Precisamos falar com ele. — Contou. Elizabeth esticou o pescoço, vendo um policial à porta. — Boa noite, senhor oficial. — Saudou Anderson, assumindo a frente. Curiosa, sua filha se colocou atrás do pai. — Em que posso ajudar? Aconteceu alguma coisa? — Com os olhos, Anderson procurou por alguma coisa incomum do lado de fora. O policial assentiu. Elizabeth sentiu um medo descomunal percorrer sua espinha. Aquele aperto, aquela sensação...seu pessimismo gritava. — Nos deem licença, meninos. — "Papai" pediu, virando-se para eles. — Papai... — Elizabeth tentou argumentar, mas Theo segurou sua mão. — Venha, Elizabeth. — Instruiu lhe lançando um olhar sério. Ela foi, mas com relutância. — Acha que é alguma coisa com a mamãe? — Perguntou, sentindo os olhos marejarem. — Não seja absurda, Liz, óbvio que não. — Theo a repreendeu. — Mamãe já deve estar chegando. Ela deve estar presa no trânsito, você sabe como essas estradas são ruins. — Argumentou o mais velho. — E porquê tem essa mente tão maluca? Não precisa sempre pensar em coisas ruins. — Aconselhou se sentando. — Tem razão. — Elizabeth concordou se sentando. Mas, ao olhar para a porta, sentiu algo inquietante. — Papai está demorando. — Comentou após mais um minuto. Theodor suspirou, sua irmã estava começando a lhe influenciar no nervosismo. — Liz. — Theo chamou sua atenção. Seu olhar dizia para ela se manter calma. O som dos passos do pai os alertou. Anderson retornava à sala. — Levou uma multa, não é mesmo, papai? — Theo perguntou esperançoso. Anderson abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. Seus olhos, antes cheios de expectativa para aquela noite, agora carregavam algo mais sombrio. Elizabeth sentiu um nó na garganta. E então, o silêncio.- E então, pai, o que houve? - Theo perguntou novamente, vendo Anderson se sentar. Seu rosto não tinha expressão nenhuma, e isso apenas aumentou a inquietação de Elizabeth, cuja imaginação já não lhe dava tréguas. - Papai. - Repetiu, agora impaciente e com um toque de rudeza. Não percebeu a respiração acelerada, nem o coração batendo forte no peito, mas já começava a se desesperar.A menina, conhecida como a mais pessimista da família, sentia as mãos trêmulas e suadas. O coração pulsava como se quisesse rasgar seu peito. A sensação ruim da manhã estava de volta, ainda mais forte."Calma", dizia a si mesma. "Não pensa besteira." Mas sua mente não lhe obedecia. Dentro dela, uma voz gritava, chorava, se debatia como se já soubesse o que estava por vir. Mesmo sem nenhuma certeza, o medo a sufocava.- Não sei por onde começar… não me preparei para isso. - A voz de Anderson soou baixa, cansada. Ele suspirou longo e pesado, os olhos baixos, evitando o olhar dos filhos. Para Theo e Elizabeth,
A madrugada estava densa, carregada de um silêncio inquietante. As luzes da casa estavam apagadas, exceto por um brilho fraco vindo do quarto principal. Anderson abriu a porta com cuidado, mas ao empurrá-la, viu a silhueta de Mariana de costas para a sua penteadeira, imóvel, como se o esperasse. Seus olhos se cruzaram. Ela tinha um olhar determinado, e Anderson sentia uma pressão no ar. Ele esperava encontrá-la dormindo, mas ali estava ela, acordada e atenta, como se soubesse que ele chegaria naquele instante. A luz amarelada desenhava sombras em seu rosto, destacando as olheiras e a tensão na expressão. Anderson fechou a porta devagar, tentando conter o cansaço e a frustração que o dominavam desde que saíra do hospital. — Ainda acordada? — Sua voz saiu baixa, mas carregada de um peso que Mariana não ignorou. E mesmo que tentasse, daquela vez não poderia...afinal, sua esposa estava ali, e seus olhos gritavam que estava na hora de conversar sobre o que fosse que vinha os separand
Algumas pessoas eram terrivelmente chatas, Elizabeth pensou quando ouviu sua porta se abrir lentamente. Não era um inimigo se esgueirando na penumbra, nem alguém de quem não gostasse. Mas ainda assim, revirou os olhos. Ela já sabia quem era. Continuou deitada, o lençol amarelo cobrindo-a como um casulo, enquanto passos hesitantes se aproximavam. A figura que entrava não era misteriosa, mas trazia consigo um pressentimento barulhento, quase sufocante. Clara. Elizabeth fechou os olhos com força, fingindo não perceber. Não era uma pessoa cruel. Gostava da amiga. Mas naquela manhã, tudo o que queria era dormir. E havia sido clara sobre isso. "Não venha, Clara. Hoje eu só quero dormir até às dez. Não vou nem te prestar atenção." Mas Clara nunca fora boa em obedecer. - Liz - a voz soou suave, hesitante, carregada de algo que Elizabeth ainda não conseguia identificar. Manteve-se imóvel. - Liz . - Mais um chamado, agora mais próximo. Clara sentou-se na beirada da cama, mas hesitou a
Parada no mesmo lugar, Elizabeth observava a porta por onde sua mãe havia saído. O silêncio do corredor a envolvia como um abraço frio, e ela sentia a saudade se infiltrar em seu peito como uma faísca prestes a se alastrar."Inacreditável."A ideia de sentir falta de alguém que acabara de sair parecia ridícula, mas o aperto estranho dentro dela não cedia. Era como uma pequena rachadura se expandindo por dentro, e ela não gostava daquela sensação.Talvez Theo estivesse certo. Talvez ela fosse mesmo uma bebezona.— Liz. — A voz suave de Clara rompeu seus pensamentos, trazendo-a de volta à realidade. — Estou indo tomar café. Vem? — Questionou.Havia algo na expressão da amiga que demonstrava confusão, talvez preocupação. Elizabeth desviou o olhar do corredor.— Já vou. — Garantiu. Mas Clara não parecia convencida.— Você está bem? — Clara retornou. Estou? Elizabeth se questionou ao notar seu rosto úmido."Chorando? Mas por quê?"Ela limpou rapidamente as lágrimas, sentindo-se tola.— Sim
Elizabeth ficou estática ao ouvir o que sua amiga havia dito. Seus olhos piscaram duas vezes, tentando assimilar a informação, mas sua mente parecia se recusar a aceitá-la.Seus pais iriam se separar?Ela sabia que o casamento dos Molina não estava bem. Clara mencionava brigas, e até desabafava sobre o silêncio cortante que preenchia sua casa. Mas, ultimamente, as lágrimas tinham cessado, e Elizabeth ingenuamente acreditou que as coisas haviam melhorado. Nunca cogitou que tudo terminaria em divórcio.Clara, no entanto, não precisava dizer mais nada. Seu rosto pálido e as lágrimas que encharcavam sua pele já entregavam tudo. O corpo tremia em soluços silenciosos, como se a dor estivesse a consumindo de dentro para fora.Elizabeth sentiu um nó na garganta. Como ajudar quando nem mesmo sabia o que dizer? Tentou falar, mas as palavras falharam. Tentou novamente, e o silêncio venceu outra vez. Seu peito pesava.Então, sem alternativa, apenas a abraçou. Não sabia se fazia diferença, mas per