capitulo 2

Capítulo 2

A noite não é uma criança mimada sem sono; a noite é um lembrete de que mais um dia se findou sem a alegria de antes. Assim é o luto.

— Marjorye Sandalo

Maeve Jhosef

Dois dias arrastaram-se sob o peso do silêncio, como se o tempo tivesse perdido a pressa de passar. E agora, novamente, era 04 de março — o dia em que a primavera floresce em cores intensas, como se o universo insistisse em contrapor-se à morte com sua explosão de vida.

As borboletas dançavam no jardim como em todos os anos. E, como em todos os anos, uma lágrima solitária escorreu pela minha face assim que o sol tocou o horizonte.

— Se um dia eu me casar, quero que seja na primavera, ao ar livre, para que possa ver as borboletas rodopiarem pelo ar enquanto eu digo um belo “sim” para a pessoa que será o amor da minha vida... — seu sorriso era uma aurora dentro de mim.

Num impulso, deixei o coração falar.

— Então case-se comigo... Vamos fazer como em A Princesa e o Sapo: nos casar no jardim da fazenda. Temos flores, borboletas... um lago inteiro só pra nós dois.

Ele sorriu, mesmo frágil, apoiado no suporte do soro. Seus olhos verdes estavam mais vivos do que o próprio mundo naquele instante.

— Sim... Eu me casaria com você. Porque ninguém me amaria como você ama. E, bem... eu já tenho até um pedaço do seu fígado. — riu da cirurgia recente, e naquela risada havia a promessa de uma eternidade que nunca chegou.

O som da porta se abrindo me arrancou do devaneio. Meus pais, já conhecedores da dor, estenderam os braços antes mesmo de dizer qualquer palavra. Me aninhei entre eles, permitindo que o choro escapasse como um rio represado.

Minha mãe tocou violino. Como sempre fazia quando eu estava à beira de quebrar. A melodia parecia vir de um mundo onde a dor era bela e a ausência, suportável.

O luto... o luto é um veneno lento, que se espalha pelas veias e adormece os sentidos. Não é explosivo; é sorrateiro. Três anos já se foram, mas a saudade ainda tem dentes, e morde fundo, todos os dias.

Depois de me recompor, fui para meu ateliê e mergulhei nas tintas. As flores começaram a nascer na tela, o lago surgiu tímido, e então... o rosto dele. Suave, como sempre foi.

Levei flores novas ao cemitério. Substituí o arranjo antigo, tocando com cuidado os buquês deixados por Zola, Nevan, Killian… e Roseline. Eles ainda vinham. E eu também.

— Oi... hoje faz três anos do nosso casamento. — sorri para a foto no túmulo. — Ainda uso o vestido azul. Acredite ou não, ele ainda serve. Não engordei nem emagreci. Milagre, né?

Meus dedos tocaram a pedra fria.

— Roseline trouxe lírios. Zola, girassóis. E os meninos, como sempre, flores em tons escuros. Hoje é o encontro da faculdade... Eu não queria ir. Mas sei que você queria que eu tentasse de novo...

Minha voz falhou. As lágrimas caíram sem pedir licença.

— Sinto falta de você. Do seu cheiro, do seu toque, do modo como dizia meu nome como se fosse uma prece. Eu ainda uso nossa aliança. Ainda durmo do lado da cama em que você costumava ficar. Mas vou tentar... por você. Por mim, talvez um dia.

Ao sair do cemitério, meu celular vibrou: uma foto do vestido que minha mãe havia separado para mim. Preto, justo nos seios, leve na cintura — um luto elegante, quase sensual. As pernas à mostra, o salto alto... e os cabelos, com cachos soltos nas pontas, como você sempre gostou.

Meus olhos, como sempre, escondiam o cansaço. Meus lábios, grossos e desenhados, eram os mesmos que prometeram amor eterno a alguém que a morte me arrancou.

Killian avisou que estava me esperando. Desci as escadas como quem pisa no palco de uma nova vida. E, pela primeira vez em muito tempo, prometi a mim mesma tentar sorrir... nem que fosse só por essa noite.

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