Capítulo 9 “Há quem prefira não sentir, só para não correr o risco de doer.” — Marjorye Sandalo Maeve Jhosef O silêncio entre nós era quase tão palpável quanto a tensão. A sala de reuniões cheirava a madeira polida e distância emocional. Isaac sentava-se à cabeceira da mesa, com os olhos mergulhados em documentos como se o mundo lá fora não existisse. Eu o observava de soslaio, tentando decifrar quem era aquele homem que todos pareciam respeitar, temer e evitar ao mesmo tempo. Os demais diretores haviam saído para um breve intervalo, restando apenas nós dois e o zumbido discreto do ar-condicionado. Tentei me distrair com os gráficos à minha frente, com as planilhas da expansão da filial em Seattle, mas sua presença parecia preencher todo o espaço ao meu redor — firme, incômoda, inevitável. — A campanha da filial foi aprovada pelo setor de marketing — digo, tentando soar neutra. — Se quisermos iniciar as ações ainda este trimestre, precisamos do seu aval para as peças publicitári
Capítulo 10A guerra ensina o silêncio. Ensina a engolir dor, a calar trauma, a responder com o olhar o que os lábios se recusam a confessar. — Marjorye SandaloIsaac AubinngétorixO barulho das botas no chão encerado. O cheiro de pólvora misturado à areia úmida. Os gritos abafados por explosões ao longe. Foram anos demais convivendo com o caos, até que ele fizesse morada dentro de mim.Washington parecia tão distante da guerra. Aqui, até o silêncio é educado. As pessoas se cumprimentam com sorrisos mornos, mas eu vejo o que elas tentam esconder. Porque foi no exército que aprendi a escutar além das palavras.Naquela manhã, o céu estava encoberto, e isso de certa forma aliviava meu corpo. O calor sempre me lembrava do deserto, das missões que terminavam em silêncio ou em perda. Preferia dias nublados — como eu.Estava na empresa há pouco tempo, mas o suficiente para entender que o retorno à rotina civil seria mais complexo do que imaginei. E agora, trabalhar ao lado de Maeve Jhosef, a
Capítulo 11“O desejo é uma faísca silenciosa: nasce no atrito da negação, cresce na recusa e se incendeia no que jamais deveria ser visto.” — Marjorye SandaloMaeve JhosefO que vi naquela sala não era algo que eu pudesse simplesmente esquecer.E talvez... nem quisesse.Ainda me pego tentando racionalizar o que aconteceu, como se as imagens que agora insistem em invadir meus pensamentos pudessem ser reduzidas a uma sequência lógica. Como se o fato de ter entrado sem bater pudesse justificar a maneira como meu coração colidiu contra o peito ao vê-lo assim — despido, parcialmente, mas ainda mais exposto do que jamais imaginei.Eu só queria discutir um documento. Só isso.Mas encontrei Isaac em pé, de costas para mim, a camisa aberta no peito e as mangas pendendo frouxas nos braços. Havia vapor pairando no ar, como se o chá recém-derramado ainda insistisse em evaporar o silêncio da sala.Vi quando ele levou o pano ao abdômen, secando-se com uma calma que me irritou. Como se aquele momen
Capítulo 12A escuridão do mundo não é feita só de ausência de luz, mas de tudo o que escolhemos esconder quando as luzes se apagam. — Marjorye SandaloMaeve JhosefSábado.A palavra tem gosto de silêncio e promessas quebradas. Para muitos, é um convite ao descanso, à leveza, à liberdade. Para mim, tem sido apenas mais um dia esticado entre a dor que não passa e a memória do que já fui.Zola, em sua persistência quase irritante, resolveu que esse sábado não seria como os outros. Ela surgiu no meu quarto como uma tempestade, com um vestido de paetês em uma mão e uma taça de vinho na outra.— Chega! — ela anunciou, sem cerimônias. — Hoje você vai sair, vai dançar, vai fingir que é jovem, viva e dona de si. Vai esquecer esse seu luto vestido de roupa de trabalho.— Zola… eu não estou com cabeça para—— E quem disse que sair exige cabeça? Exige coragem. E maquiagem — ela me interrompeu, já abrindo meu guarda-roupa.Vinte minutos depois, eu me vi diante do espelho, vestida com um macacão p
Capítulo 13"Entre o silêncio das palavras não ditas e o eco das memórias indesejadas, descobrimos que o passado nunca está tão distante quanto gostaríamos."— Marjorye SandaloMaeve JhosefO domingo amanheceu como um sussurro. A luz entrava pela janela com cautela, filtrada pelas cortinas de linho cru, como se temesse perturbar a quietude do quarto. Tudo estava em suspensão: o ar, o tempo, os pensamentos.Levantei-me com o corpo pesado, como se tivesse dançado com fantasmas durante toda a noite. Talvez tivesse mesmo. A noite anterior havia sido um redemoinho de sons, imagens e sensações que ainda reverberavam dentro de mim. O calor dos olhos dele. A maneira como ele segurava o copo. A tensão evidente em seu maxilar. E o silêncio... sempre o silêncio, tão carregado quanto um grito.Zola, com sua intuição impiedosa, soube enxergar aquilo que nem eu queria admitir.— Você não consegue tirá-lo da cabeça, não é?Respondi com uma mentira disfarçada de defesa fraca.— Não é isso...Mas era.
Capítulo 14"Alguns desejos nascem para morrer calados, sufocados pela decência, enterrados pela culpa."— Marjorye SandaloIsaac AubinngétorixO gosto do uísque ainda arde na minha garganta, mesmo horas depois. Talvez porque, mais do que uma bebida, ele carrega memória.Memória do que fui, do que deixei de ser.Do que nunca poderei ser.Sábado à noite em Washington tem cheiro de fumaça doce, de perfume derramado em promessas e segredos. Fiquei ali mais tempo do que devia, na penumbra da boate, com o copo entre os dedos e os olhos fixos em tudo e nada.Até vê-la.Maeve.O coração apertou como se tivesse sido espremido por dentro do peito. Ela dançava com Zola como quem tenta esquecer.E eu entendi.Porque eu também tento.Todos os dias.Mas hoje, neste domingo cinzento que nasceu em ressaca e silêncio, tudo que me resta é o som abafado da minha própria respiração. Estou no escritório cedo demais para um dia sem expediente, tentando organizar relatórios que não fazem sentido sem a pres
Capítulo 15“Há silências que gritam mais alto do que qualquer palavra, e distâncias que aproximam mais do que o toque.” — Marjorye SandaloMaeve JhosefA casa dos meus pais tinha aquele cheiro de sempre: madeira encerada, flores frescas e alguma coisa assando no forno que lembrava domingos antigos. A mesa estava posta com esmero, os talheres alinhados como soldados silenciosos prestes a presenciar mais uma encenação familiar. Eu ainda estava um pouco desconcertada pela semana que passou. Ver Isaac pela segunda vez com a camisa aberta, as cicatrizes à mostra, me perturbou mais do que deveria.Ele não era só o irmão do meu melhor amigo. Não mais. Havia algo mais nele, uma densidade que eu ainda não sabia como nomear.— Está pensativa, querida — disse minha mãe, servindo um pouco de vinho no meu copo.— Só cansada, mãe.— Entendo. Trabalhar com o Isaac deve ser desafiador — ela riu, com um olhar quase maternal. — Mas vocês dois juntos têm sido essenciais para a transição da empresa.Meu
Capítulo 16“Existem silêncios que gritam mais alto do que qualquer palavra. E há olhares que carregam perguntas que jamais terão resposta.” — Marjorye SandaloIsaac AubinngétorixO sol nascente em Seatlan não brilha — ele fere. A claridade atravessa as janelas envidraçadas do hotel com a arrogância de quem ignora que a maioria dos corações aqui dentro ainda luta para permanecer no compasso.O congresso farmacêutico se ergue diante de nós como uma promessa de avanço, negócios e expansão. Mas para mim, é apenas mais um campo de batalha, de outra natureza. Um lugar onde o silêncio pesa tanto quanto os contratos.Visto o terno com precisão militar. Camisa branca, impecável. Gravata escura, nó firme. Sapatos engraxados com paciência. É um ritual. Um uniforme para esconder a bagunça do lado de dentro. Maeve ainda dorme — ou finge. O quarto dividido por descuido do hotel tornou-se um território neutro, cheio de fronteiras invisíveis e gestos contidos. Há um abismo entre as camas e entre nós