Capítulo 15“Há silências que gritam mais alto do que qualquer palavra, e distâncias que aproximam mais do que o toque.” — Marjorye SandaloMaeve JhosefA casa dos meus pais tinha aquele cheiro de sempre: madeira encerada, flores frescas e alguma coisa assando no forno que lembrava domingos antigos. A mesa estava posta com esmero, os talheres alinhados como soldados silenciosos prestes a presenciar mais uma encenação familiar. Eu ainda estava um pouco desconcertada pela semana que passou. Ver Isaac pela segunda vez com a camisa aberta, as cicatrizes à mostra, me perturbou mais do que deveria.Ele não era só o irmão do meu melhor amigo. Não mais. Havia algo mais nele, uma densidade que eu ainda não sabia como nomear.— Está pensativa, querida — disse minha mãe, servindo um pouco de vinho no meu copo.— Só cansada, mãe.— Entendo. Trabalhar com o Isaac deve ser desafiador — ela riu, com um olhar quase maternal. — Mas vocês dois juntos têm sido essenciais para a transição da empresa.Meu
Capítulo 16“Existem silêncios que gritam mais alto do que qualquer palavra. E há olhares que carregam perguntas que jamais terão resposta.” — Marjorye SandaloIsaac AubinngétorixO sol nascente em Seatlan não brilha — ele fere. A claridade atravessa as janelas envidraçadas do hotel com a arrogância de quem ignora que a maioria dos corações aqui dentro ainda luta para permanecer no compasso.O congresso farmacêutico se ergue diante de nós como uma promessa de avanço, negócios e expansão. Mas para mim, é apenas mais um campo de batalha, de outra natureza. Um lugar onde o silêncio pesa tanto quanto os contratos.Visto o terno com precisão militar. Camisa branca, impecável. Gravata escura, nó firme. Sapatos engraxados com paciência. É um ritual. Um uniforme para esconder a bagunça do lado de dentro. Maeve ainda dorme — ou finge. O quarto dividido por descuido do hotel tornou-se um território neutro, cheio de fronteiras invisíveis e gestos contidos. Há um abismo entre as camas e entre nós
Capítulo 17 “Certas presenças não precisam de palavras para invadir. Elas apenas existem. E ocupam.” — Marjorye SandaloMaeve JhosefO silêncio era mais denso que o carpete bege sob meus pés.O quarto do hotel respirava numa calma abafada, enquanto a cidade lá fora pulsava em neon e promessas que não me pertenciam. As luzes de Seatlan recortavam a escuridão pelas frestas da cortina, como se quisessem lembrar que havia vida além daquela tensão suspensa entre duas camas de solteiro e duas malas semiabertas.Isaac estava parado diante da sacada, o corpo levemente curvado, como se carregasse o peso de mil histórias que ele nunca se atreveu a contar. Não fazia barulho. Não se mexia. Mas era impossível ignorá-lo.O terno escuro agora pendia de uma das cadeiras. A camisa social branca estava desabotoada nos punhos, e as mangas dobradas até os cotovelos revelavam antebraços marcados, não apenas por músculos, mas por cicatrizes que o tempo não soube apagar.Do ângulo em que eu estava, sentada
Capítulo 18 "O que não ousamos tocar com as mãos, tocamos com os olhos. E o que os olhos desejam em silêncio, o coração enterra entre batidas contidas." — Marjorye SandaloIsaac AubinngétorixA luz suave da manhã atravessava a janela do quarto do hotel, dançando nas frestas da cortina. O som abafado da cidade abaixo era distante demais para me perturbar. Me estiquei na cama, sentindo a leve rigidez nos ombros. O congresso do dia anterior havia sido um sucesso, ainda que esgotante. Mas o que mais permanecia em mim era o olhar dela. Maeve.O jeito como seus olhos me buscaram por entre os convidados, como se procurasse algo e, ao mesmo tempo, fugisse. Havia uma vulnerabilidade nos traços dela que me fazia lembrar das promessas que nunca consegui cumprir.Me levantei da cama sem fazer barulho, supondo que ela já tivesse descido para o café da manhã. O quarto estava incrivelmente silencioso. Caminhei até o banheiro com o corpo ainda pesado pelo sono, abrindo a porta sem bater.Foi quando
Capítulo 19 — "Há momentos em que a leveza assusta mais do que o peso, porque nos lembra de quanto desejamos aquilo que fingimos evitar." — Marjorye SandaloMaeve JhosefO terceiro dia do congresso amanheceu com uma brisa fria filtrando-se pelas frestas da janela. Levantei-me com a estranha sensação de que algo mudara. Era sutil, como o deslocamento quase imperceptível de uma estrela no céu, mas estava lá. No modo como os olhos de Isaac haviam me seguido no fim da noite anterior, no silêncio carregado que não nos afastava mais, apenas se acomodava entre nós como um pacto mudo.No refeitório do hotel, encontrei Isaac sentado à mesa com duas xícaras de chá. A cadeira ao lado dele estava vazia, e por um instante, hesitei. Ele ergueu os olhos e acenou com um gesto leve da cabeça.— Camomila? — perguntei, tentando conter o sorriso que ameaçava nascer nos cantos da boca.— Lembrei que você não gosta de café com o estômago vazio. — Ele deu de ombros, como se não fosse nada demais, mas aquel
Capítulo 20 "Alguns silêncios são mais eloquentes do que qualquer confissão." — Marjorye Sandalo— Maeve JhosefO último dia do congresso amanheceu envolto por uma névoa fina que cobria os prédios altos de Seatlan como um véu de luto. Era como se a cidade soubesse das sombras que ainda viviam dentro de mim.Vesti-me devagar, sem pressa, como se cada botão fechado fosse uma tentativa de conter o que pulsava por dentro. Meu reflexo no espelho me pareceu mais tranquilo do que nos dias anteriores — ou talvez apenas mais resignado.O silêncio no quarto já não era incômodo. De certa forma, se tornou uma companhia familiar entre nós. Isaac ainda dormia quando deixei a janela entreaberta, deixando que o frio da manhã invadisse um pouco o espaço, para lembrar ao meu corpo que ainda estava viva.A manhã passou sem incidentes. Participamos de mais duas palestras técnicas — as palavras, embora densas, me pareceram distantes. A única coisa que realmente me alcançava era o calor que sentia sempre
Capítulo 21 Algumas promessas não morrem — elas apenas aprendem a doer em silêncio. — Marjorye Sandalo — Isaac Algumas memórias não morrem. Elas hibernam sob a pele, esperando a hora certa para despertar.Hoje, elas despertaram.A cidade de Seatlan cintilava do lado de fora como se fingisse paz. Luzes penduradas nas árvores, vitrines acesas, gente sorrindo por hábito ou esperança. Mas dentro de mim, o que havia era o som abafado de passos ao lado dos meus. Os passos dela.Maeve.Andávamos lado a lado como dois desconhecidos que fingem se conhecer.Ou dois amantes que fingem se odiar.Não tocávamos um no outro, mas o silêncio entre nós era quase íntimo. Um silêncio cheio de tudo o que ainda não dissemos — e talvez nunca diremos.Ela parou diante de uma livraria antiga, seus olhos presos a uma vitrine que exibia clássicos de filosofia e romances góticos.Sorri. Era tão ela.— Você ainda lê Poe antes de dormir? — perguntei, com a voz baixa demais.Ela se virou devagar, surpresa com a
Capítulo 22“Nem toda volta é um recomeço — às vezes, é apenas um lembrete do que ficou por dizer.” — Marjorye SandaloMaeveO céu de Washington parecia o mesmo, mas eu não era.Voltamos como dois desconhecidos que aprenderam a respirar no mesmo ritmo, como quem compartilhou silêncios e cicatrizes sem prometer absolutamente nada. O carro nos levou do aeroporto até a casa dos meus pais, e durante todo o trajeto, Isaac manteve os olhos fixos na estrada, como se ela ainda pudesse oferecer algum tipo de fuga.Talvez oferecesse. Mas eu não queria fugir mais.— Está pronta? — ele perguntou quando paramos diante da casa que sempre me pareceu grande demais depois que Ezra se foi.Assenti, mesmo sem saber ao certo o que estava sentindo.O almoço foi servido com a pompa de sempre — porcelana fina, talheres alinhados e guardanapos dobrados como se dissessem mais do que palavras. Meus pais estavam especialmente animados, orgulhosos dos frutos do congresso, e os pais de Isaac não demoraram a chega